N/A: Encontrei esse texto de 2018, cuja narradora é a Ceci Paternostro ♥, da obra Aconteceu naquela tarde de verão. Cecília completará 5 anos de criação em agosto. Submeti o texto a uma revisão, reedição e reescrita. Conjugando corretamente o pronome da pessoa amada. B não é biscoitinho da sigla. Nós existimos.
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Toda forma de amor tem espaço no OCDM |
A postura de quem passa por todos os estágios de um coração partido é a mais defensiva possível. Erguemos uma muralha à nossa volta no intento de proteger o pesado portão para barrar possíveis ameaças. Invejamos o Homem de Lata, que não tinha coração, porque dói tanto olhar para a hora que não passa, sentar diante de uma mesa vazia e o silêncio incomodar mais do que a bagunça.
Viver dói.
Esquecemo-nos de que o mesmo amor que machuca, também pode ser a cura.
Esquecemo-nos de não determos o controle de nada. Na inútil tentativa de buscar segurança em qualquer subterfúgio que não exponha nossa fragilidade, nos machucamos e deixamos rastros de nossa imaturidade por todos os cantos.
Esquecemo-nos de que pedir desculpas não nos desumaniza, lutar pelo amor não nos torna tolas, fracas e desconectadas da realidade.
Muitos recuam ao sinal do primeiro obstáculo, desistem de lutar à medida que não se sentem merecedores do amor que sentem, dizem amar quando desejam tão somente a afirmação e aprovação da sociedade inclinada a demonizar a solidão, condenando aqueles que por inúmeras razões esperam a uma condição injusta de doente, inapto, incapaz, desinteressante.
E depois de um coração partido, a impressão que se tem é a de que o amor apenas serve para machucar, que todas as pessoas são uma ameaça em potencial.
Escondemo-nos de que, mesmo excedendo as intimidades, tentam nos tirar da concha.
Escondemo-nos de qualquer convite tentador que nos furte o conforto trazido pela inércia.
Escondemo-nos de nós mesmos, suprimindo também a capacidade de florescer amor.
E nessa brincadeira de pique-esconde com o universo, surpresas acontecem. Não antes que o coração cale-se para se ouvir. E se ouvir sem pudor. Aquele mergulho interior que deixa as paredes da alma arranhadas como se fossem um disco que nunca para de tocar.
O apego desmedido tornou-me refém do egoísmo. O sentimento predominante não se chamava amor. Era a junção de traumas, inseguranças, expectativas distorcidas. O medo de perder era tão imenso que nunca me permitia viver o presente. Os pensamentos projetavam um futuro sombrio sem ela, o passado retornava em doses esporádicas de gatilhos. O ninho de amor era um lugar solitário e não mais o pacto entre duas pessoas que se entregavam ao desejo e poderiam se demorar, o único compromisso urgente naqueles bons tempos era amar.
Deixou de ser.
A passarinha escolheu pousar no meu ninho porque naquele momento não havia mais nenhum lugar no mundo no qual se sentisse acolhida e segura. Éramos cúmplices, confidentes, planejávamos para aquele futuro distante. Felicidade demais sempre embrulhou o estômago. Eu sabia, sabia que estava perfeito demais para ser verdade. Eu aceitaria tudo, menos te perder. Eu daria literalmente tudo por você. Ninguém me interessava mais.
Em busca de conquistar seu amor para que nós não tornássemos aqueles casais que julgávamos, cansei minha imagem, admito com vergonha que tentei moldar você para ser mais parecida com aquela mulher da minha imaginação, quebrando, portanto, a promessa de amar você do jeitinho que você era.
Nossas longas conversas sobre assuntos aleatórios transformaram-se em longas discussões as quais levantávamos a voz, batíamos portas e passávamos dias sem qualquer contato, como se não passássemos de meras colegas de quarto. O arrependimento vinha e o perdão, banalizado, já não era mais um ponto final ao conflito. A paz, fadada à efemeridade, afetada sobremaneira pelas circunstâncias, passava longe de nós.
As vírgulas eram vislumbres de um novo olhar para a nossa história, mas o que nenhuma de nós tinha coragem de admitir a si própria, estava óbvio para todos os nossos conhecidos. Mentíamos porque a situação, apesar de desconfortável, era conveniente. Eu precisava de você. Eu não queria perder você.
Foi naquela madrugada tão fria e longa a nossa última briga. Você quebrou meu celular várias vezes e eu perdoei porque tentava não dar motivos para desconfianças, depois você me empurrou, deixei passar porque você estava nervosa, mas quando suas mãos me agrediram e colocaram por terra o que ainda havia de dignidade, continuei no chão e ouvi todas as palavras mais amargas do mundo de alguém que abriu a porta e saiu fazendo escândalo. Eu não poderia tolerar isso. Amor nenhum no mundo sobreviveria àquele caos.
Remoer o rancor denota a postura arrogante de quem insiste nos mesmos desatinos sem ter a humildade de aprender com eles. Juntas aprendemos a viver num mundo que exige que “crianças grandes” estejam prontas para todos os reveses, para se curvar sem se envergar.
Juntas aprendemos a amar.
Juntas amamos. E muito.
Juntas demos as mãos, sentamos no chão, nos abraçamos e choramos.
Juntas, já fomos um só coração, mas fomos deixando de ser, porque as metades que nos tornamos deixaram de ser um encaixe harmonioso para ser a lança afiada que torna a convivência cada vez mais pesada.
Juntas ainda podemos aprender, porque a ideia central de uma união é que um braço ampare o outro, que se busque a concórdia, o equilíbrio, que valores primordiais como o respeito e a compaixão pela outra parte estejam acima de quaisquer interesses escusos.
As pessoas que passam pela nossa vida irão quebrar nossos corações de alguma forma, é inevitável, diante do encontro das almas, da marca que deixamos nelas também. Aprendemos, assim, que o sofrimento faz parte da nossa jornada de evolução, que sempre estaremos à frente de um obstáculo que nos exige coragem, força e sabedoria. Não caminhamos em linha reta. Estamos sempre fazendo escolhas, até quando silenciamos.
E falar de coração partido é virar a outra face da moeda para enxergá-la, de fato.
Se tive o coração partido, também parti outros corações. E estou não apenas refletindo sobre a situação, como ponderando cada visão de mundo envolvida, porque estou amando novamente e espero oferecê-la a versão mais madura de mim, aquela que enquanto deu um tempo ao coração, ouviu realmente o que ele queria dizer.
Durante a negação quis crer que a culpa não foi minha, durante a tristeza esperei pela ligação que jamais aconteceu, durante a raiva arrependi-me de cada jura de amor, o ódio foi o meio menos digno de remover-te do pedestal e durante a suposta “aceitação”, findei-me na premissa de que chegava o momento arrastado para debaixo do tapete: ser a minha própria namorada.
Viver sozinha era menos trabalhoso e me asseguraria à segurança emocional tão necessária, constatando apenas quando meu coração voltou a bater por alguém que eu não queria passar a vida inteira solitária e me privando de amar com a intensidade que me define, apenas esperava pela certeza de ser correspondida. Agora que sou, recuo.
Os livros não contam, você descobre por conta própria: os adultos também sentem medo, apenas não podem reproduzi-los da maneira que uma criança tem autorização. Admito sem firulas que sinto medo. Não de amar. Não de ser correspondida ou de não ser. Não de que o nosso “para sempre” não dure o previsto. Temo que o egoísmo e a vaidade me dominem outra vez, de amar sem reservas e me esquecer de que quem caminha ao meu lado precisa da segurança a qual não sei se posso oferecer, porque nem mesmo confio em mim às vezes.
Eu também estou aprendendo a amar. A me amar. A respeitar limites. A me tratar com o respeito que jamais me tratei. A aprender a diferença entre ser uma pessoa boa e ser uma pessoa boba. A perdoar. A me perdoar. A dominar meus pensamentos ou pelo menos administrar melhor as crises.
Sinto medo de ter medo. Medo do desconhecido.
Talvez tenha chegado a hora de tomar partido e preparar-me para as eventuais consequências. Estarei pronta para assumir ao mundo o meu verdadeiro eu, ou por assim dizer, um recorte discreto, mas sincero do meu verdadeiro eu?