Caderneta de um quase-cisne 🔮
Crônicas Desbocadas | A escolhida e a esquecida
Crônicas de uma atendente cansada de ouvir que a vida é justa para quem “merece”.
Tem gente que nasceu com o cabelo certo, a pele lisa, o nome que soa bem até quando o vento sopra. Gente que tem um sorriso no canto da boca, mas um mundo inteiro dobrado aos seus pés. Gente como ela.
A influencer que minha mãe segue com devoção quase religiosa, a quem chamarei aqui de “a Escolhida”, porque é assim que ela parece se sentir: escolhida por Deus, pelo algoritmo e pelo marido — um sujeito manso, prestativo, que vive se dobrando para atender aos caprichos dela.
A Escolhida é branca, magra, de cabelo escorrido como comercial de xampu. Mora no interior de São Paulo, numa casa que mais parece cenário de novela da Globo, e começa os vlogs dizendo: “Ai, gente, desculpa estar meia desgrenhada hoje” — mesmo com filtro, maquiagem impecável e short de alfaiataria. Diz ser simples, mas não sabe o preço do arroz. Vai ao mercado comprar “besteirinhas” e volta com três tipos de taça, oito coberturas para sorvete e tudo mais que tiver direito.
Ela não lê livros. Não cursou faculdade. Nunca pegou fila no SUS. Nunca apertou o botão errado da catraca do transporte público porque não sabia se a tarifa tinha mudado. Entretanto, é “abençoada” por não se humilhar por uma miséria na escala 6x1, porque tudo que recebe — e que posta — é “Deus honrando” sua fidelidade. Até o fogão novo (porque enjoou da cor do antigo), segundo ela, foi “presente do céu”. Mal sabe a sebosa que seu céu tem o nome do marido e CPF dele na nota fiscal parcelada.
Ela aparece lavando louça, só para fazer charme e se dizer "gente como a gente", e o marido vem por trás, tenta abraçá-la. Ela ri, diz “Ai, sai daqui, seu gordo!” com aquela risadinha sem graça, deixando o coitado constrangido em rede nacional. Ainda assim, ele continua apaixonado. Monta móveis, edita vÃdeos, embala surpresas de Páscoa e grava com o maior sorriso do mundo quando ela o manda calar a boca. Amor assim só se vê em filmes... de terror psicológico.
Tem dias em que ela chora durante o devocional — não por arrependimento, mas porque ainda não conseguiu a publi de alguma marca renomada. Diz sofrer porque não tinha sequer um frasco de perfume antes do marido. O sofrimento dela é não ser a VirgÃnia.
Ela diz que doa amor, mas não doa móveis. Tudo é vendido — até o berço do filho que já não usa. Porque crente que se preza, segundo ela, não se apega. Só fatura.
Enquanto isso, do outro lado da tela, estou eu. Fardada de colete feio que gonga a aparência, com os pés latejando, a lombar estourada, tentando disfarçar o cansaço, sorrindo para madame véia mal-humorada que desconta em mim se o time perde ou empata, como se fosse culpa minha que o preço dos comes e bebes sofreu reajuste. Na Páscoa, os colaboradores não ganham nem um simples bombom com frase de almanaque.
A vida, para algumas, é chocolate importado. Para outras, é o amargo da comparação.
Tem gente que sofre e doa o que pode. Que se contenta em ver o outro feliz com o mÃnimo. E tem quem ostente até a tristeza, ensaiando lágrimas diante da câmera porque não virou capa da VOGUE Evangélica.
E então, como se o altar do consumo precisasse de mais uma oferenda, ela anunciou — com o mesmo tom doce de quem conta uma revelação celestial — que trocou a cama de casal. Não porque quebrou, não porque precisava, mas porque “tava enjoada, gente”. E o maridinho, claro, correu para comprar a mais cara da loja, como um cordeiro devoto a um altar que nem sequer sabe se é amado de volta.
O curioso — ou revoltante, mesmo — é que ela não doa nada. Nada. Tem mães de verdade, com muito menos, que separam os brinquedos das crianças, as roupas que não servem mais, e dão com alegria, com gratidão, com fé em algo maior que o próprio umbigo.
E o devocional? Continua. Falar o nome de Deus em vão está em alta, dá engajamento. O cabelo, claro, segue escorrido. Porque frizz é pecado. E quem tem não tem cabelo esticado, quem sua, quem engorda, quem tem olheira, quem sofre calada, não tem uma aliança grossa na mão é só mais uma das outras. As esquecidas.
Eu sou uma dessas.
Sou a que vive tentando ver beleza onde o mundo só vê falha.
Sou a que ri sem ter vontade, porque tem gente por perto.
Sou a que se cansa de fingir que está tudo bem, mas finge mesmo assim.
Ela não é simples, e sim o produto final da fábrica de vaidade digital, disfarçada de evangelho, embalada para presente em reels de supermercado com trilha fofa e maridinho acenando no fundo. E enquanto segue vendendo até os cabides da casa para fazer caixa e comprar outra cafeteira “porque agora eu gosto de outra cor”, a gente aqui se pergunta: até quando o mundo vai premiar esse tipo de gente?
E o pior é saber que ela não está sozinha. Que há todo um sistema que alimenta essa farsa, que recompensa o falso brilho, que transforma arrogância em estilo de vida. E a gente, que só quer existir com dignidade, fica no limbo, esperando que um dia vejam valor onde não há filtro. Porque a gente também ora. A gente também ama. No entanto, o que a gente tem não vira publi. Não viraliza.
Ainda tem um pedaço meu que não desiste. Porque, talvez, um dia, Deus olhe para mim com o mesmo filtro que ela usa nas fotos. E diga: “Agora é a sua vez.”
Mas até lá… eu que lute.
— Nina
(a gata borralheira do reino da desarmonização, anti-clean girl)
Quando a luta pesa mais do que a balança da vida: um desabafo sobre desigualdades
Nem sempre a vida é sobre encontrar a luz no fim do túnel. Às vezes, é sobre reconhecer o peso do que estamos carregando e lidar com a tempestade antes de buscar um novo caminho. Hoje, quero compartilhar a realidade de como é lutar quando o mundo parece dar tudo de bandeja para uns, enquanto outros precisam carregar montanhas nas costas.
Já se sentiu como se a vida fosse uma corrida, onde você está se esforçando ao máximo, enfrentando subidas e obstáculos, enquanto outros simplesmente pegam carona e chegam ao topo sem nem suar?
É assim que, muitas vezes, me sinto na minha trajetória. Enquanto alguns parecem atravessar a vida em uma estrada pavimentada e sem buracos, outros de nós enfrentam subidas Ãngremes e terrenos acidentados. A diferença de oportunidades não é uma questão de esforço, mas de circunstâncias — e é isso que torna a corrida tão desigual.
Nem sempre há espaço para otimismo. Às vezes, é só a frustração que toma conta. É sobre isso que quero falar hoje, sobre o peso de lutar tanto e sentir que a balança nunca pende para o seu lado.
Recentemente, uma conversa no trabalho me trouxe à tona muitos gatilhos. Ouvir essa história ativou gatilhos profundos em mim, me lembrando das inúmeras vezes em que a vida me empurrou para subidas Ãngremes enquanto outros seguiam pelo caminho pavimentado. Essa comparação, mesmo involuntária, alimenta uma tristeza que é difÃcil de ignorar. É desanimador.
Minha trajetória nunca foi simples. Estudei muito, lutei mais ainda, e, mesmo assim, cada passo parece ser seguido por portas fechadas. Sempre aquele gosto amargo de ouvir “não”, enquanto outras pessoas, mais jovens, mais conectadas ou com mais “facilitadores”, simplesmente deslizam por atalhos que nunca imaginei existirem.
Sei que a vida não é justa, mas algumas desigualdades chegam a machucar fisicamente. Comparações são inevitáveis, e, mesmo sem querer, elas acionam gatilhos que me levam a questionar tudo: por que tenho que ralar tanto para tão pouco? O que há de errado comigo? Será que nunca vou ultrapassar essa barreira invisÃvel?
Esses pensamentos não são fáceis de enfrentar, admito não ter respostas ou soluções práticas, tampouco uma mensagem otimista para deixar no final desse texto. Quero acreditar que não estou sozinha nessa luta. Há muitos de nós, correndo maratonas enquanto outros pegam carona.
Talvez minha história seja feita de subidas Ãngremes e obstáculos intermináveis. Talvez eu nunca veja um caminho pavimentado se abrir para mim. Entretanto, ainda assim, sigo em frente, porque sei que há muitos como eu, batalhando no silêncio e construindo seus próprios caminhos, um passo de cada vez.
Levante a bandeira do respeito ou saia da roda 🌈
Se tem uma coisa que não dá para aceitar é a hipocrisia disfarçada de moralidade. Quem se preocupa tanto em controlar a vida e o amor alheio deveria começar a olhar mais para si. Quem sabe assim descubra que essa obsessão pelo que os outros fazem com sua identidade e afeto nada mais é do que uma forma de fugir dos próprios conflitos.
Liberdade de expressão não nos concede liberdade para difamação
É intrigante observar como algumas pessoas, incapazes de aceitar ou lidar com as limitações naturais que todos enfrentamos, escolhem um caminho de projeção e conflito. Em vez de encarar suas próprias inseguranças ou a falta de propósito, preferem apontar dedos e criar narrativas que mascaram a própria insatisfação interna. Assim, transformam outros em alvos para descarregar frustrações, como se isso pudesse preencher o vazio ou justificar seus próprios ressentimentos.
Laços esgarçados
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Por desconhecer meu próprio valor, me contentava com as migalhas de atenção. |
Carta aberta à Mary de 2009
Hoje, 14 de outubro de 2024, é um dia como qualquer outro, no entanto, há 15 anos, uma jovem sonhadora decidiu dar vazão à s próprias ideias e enfrentar o medo do público. CrÃticas construtivas são importantes para lapidar um talento, não tenho dúvidas quanto a isso, mas quando as palavras amargas excedem o propósito e visam apenas desestruturar uma pessoa, como reagir?
Minha intenção não é doutrinar ninguém, nem salvar o mundo, não sou tão pretensiosa assim. Fui deixando de escrever por medo, porém não sou eterna e não tenho quaisquer certezas de acordar amanhã, nunca se sabe. Tempo é precioso, foi e não retorna.
Posso até não ser perfeita, mas estou disposta a me dedicar para alcançar o nÃvel de excelência pretendido. Foi a menina de 2009 que me ensinou essa lição do "vai com medo mesmo". O momento perfeito não existe e em alguns contextos, o feito é melhor do que o perfeito, porque o feito é humano.
Abaixo, a carta redigida para meu eu de 2009. 🥹✍️
Exposição desnecessária? 🌈
O texto original foi escrito no dia 16 de junho de 2018, no entanto, foi reeditado, revisado e teve alguns trechos reescritos. Além disso, no último dia 28 foi celebrado o Dia Mundial do Orgulho LGBTQIA+. Nos últimos anos pensei ser lésbica, mas após muita reflexão, me entendo hoje dentro do espectro da assexualidade; o sexo não é o centro da minha vida, porém, também não é uma parte a ser ignorada; posso viver sem, mas não descarto a possibilidade de ter intimidade.
Orgulho 🌈
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homofóbicos NÃO PASSARÃO |
Hoje meu pai estava assistindo ao discurso de um deputado e o polÃtico, em certa altura, criticou a Parada do Orgulho LGBTQIA+, utilizando a falaciosa desculpa de que "as criancinhas podem ser mal influenciadas pelos LGBTS".
Nesse Ãnterim, minha mãe, mulher de outra geração, discordou do deputado porque considerou o discurso dele LGBTfóbico. Esse coraçãozinho aqui foi tomado de alegria e ternura porque minha batalha não foi, não é e não será em vão.
O deputado tem o direito de se expressar dentro e fora do plenário, no entanto, da mesma forma temos o direito de discordar e desde que a troca de ideias mantenha-se dentro das quatro linhas da legalidade, tudo certo.
A questão mais determinante é sobre quando o discurso coloca vidas em risco, oprime e invisibiliza a existência de outrem porque temos liberdade (ou acreditamos ter) para sermos quem somos, no entanto, seria insano pensar que iremos agradar a todos os públicos, nem nós gostamos de todo mundo.
Ninguém está nem aà se você concorda e ninguém aqui quer ler versÃculo bÃblico jogado fora de contexto para sustentar a falsa santidade, a questão é respeitar. Se o seu deus é aquele que só pune, odeia, castiga e condena, sinto muito, mas ele não é o meu. E que bom.
Por outro lado, ver minha jornalista favorita se assumir em rede nacional enche o coração de ternura, nos lembra que temos de nos posicionar, ser para os outros as referências que não tivemos, não permitir que ninguém se aproprie do nosso lugar de fala, nem que ninguém nos diga o que é ou não preconceito.
Há pessoas que temem aquilo que não conhecem e não compreendem muito bem, logo, é preciso ter carinho e respeitar o espaço de cada pessoa da mesma forma que reivindicamos nosso respeito e nosso espaço por meio das artes, das polÃticas de inclusão e da força de vontade de cada um todos os dias para ser quem se é, para que deixemos de integrar estatÃsticas nefastas.
Sou quem eu sou, seja quem você é. Com muito orgulho. 🌈
10 anos depois: o legado das Jornadas de Junho
Em 2013, quando as ruas começaram a se encher de gente protestando contra os absurdos de um Brasil que, no fundo, ainda estava longe de ser o paÃs dos nossos sonhos, eu me vi ali, com a esperança de que algo estava prestes a mudar. Era um momento de empoderamento popular, um grito de quem estava cansado de ser tratado como parte de um rebanho, obedecendo sem questionar.
Nós, como sociedade, querÃamos mostrar que estávamos atentos, que não era só sobre os 20 centavos, mas sobre uma mudança estrutural que exigia mais do que um paÃs que se preparava para sediar uma Copa do Mundo. QuerÃamos que a mesma energia dedicada ao evento esportivo fosse direcionada para saúde, educação e segurança pública — questões fundamentais que, até hoje, continuam sendo negligenciadas.
Na época, era como se, finalmente, houvesse a possibilidade de um novo caminho. A possibilidade de cobrar de maneira contundente as melhorias que tanto precisávamos. Porém, olhando para 2023, vejo que, se eu soubesse que aquelas manifestações de junho dariam brecha para a ascensão de alguém como Bolsonaro ao poder, jamais teria apoiado aquelas passeatas. Naquele momento, estávamos todos buscando uma mudança, porém não tÃnhamos a clareza de que a abertura para o novo poderia, paradoxalmente, nos conduzir a um caminho de retrocesso tão doloroso.
Hoje, olhando para trás, percebo que o que estava em jogo não era apenas o cancelamento da Copa. O que realmente querÃamos era ser ouvidos. Era exigir que o nosso paÃs fosse mais do que uma vitrine de grandes eventos internacionais; era querer, de fato, um Brasil que funcionasse para todos. Um Brasil que se importasse com a saúde de quem mais precisa, com uma educação digna e com segurança pública de qualidade.
Agora, mais do que nunca, vejo que a luta que começamos em 2013 não foi em vão. Ela só se desvirtuou em alguns momentos, porque, ao invés de refletirmos sobre o verdadeiro papel da sociedade — de cobrar e atuar como agente de mudança —, fomos capturados por discursos de ódio e polarização que, ao final, só causaram divisões ainda maiores no paÃs.
Ainda acredito que o desejo de transformação que nos uniu nas ruas de junho de 2013 é legÃtimo e continua vivo. O Brasil que queremos não é aquele em que, após grandes eventos, tudo volta à estagnação.
Queremos um paÃs de justiça, igualdade e, principalmente, que todos possam viver dignamente. Que possamos refletir sobre como a nossa atuação, enquanto sociedade, deve ir além das manifestações esporádicas e se tornar um movimento constante, um esforço contÃnuo por um futuro melhor para todos.
2 de maio | Dia Nacional do Humor
Especial - 2 de Maio: Dia Nacional do Humor Feliz Dia Nacional do Humor! O 2 de maio é o dia dedicado a uma das formas mais poderosas de con...
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Escrito em um momento de grande introspecção e transformação, este texto reflete sobre os desafios de lidar com mudanças, superar traumas...
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Desde pequena, Tita sonhava com bibliotecas que fossem como mundos mágicos, repletos de aventuras e descobertas. Enquanto enfrentava os desa...