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Editorial OCDM | O crime de envelhecer sendo mulher e boa escritora

 

“A juventude é um aplauso fácil. A maturidade, um silêncio cheio de medo.”
– fragmento retirado de um diário anônimo (ou quase)

📺 Editorial — O crime de envelhecer sendo mulher e boa escritora

Ser mulher já é, por si só, uma sentença de vigilância.

Vivemos numa sociedade que, ainda hoje, privilegia os homens — nas oportunidades, na visibilidade, no respeito automático. Dizer isso não é vitimismo: é constatação. E este manifesto não pretende alimentar ódio nem criar inimigos imaginários, mas lançar luz sobre um padrão real e persistente: o silenciamento sistemático de mulheres que não se encaixam no papel que esperam delas.

Mulheres que se recusam a ser submissas, que questionam, que ousam destoar do ideal domesticado, são rotuladas. São acusadas de loucura, de histeria, de querer chamar atenção. E, sobretudo, são excluídas do círculo onde a criação é respeitada e a voz é ouvida.

Ser mulher e escritora cobra um preço muito alto.
Quando não somos ignoradas, somos limitadas.
Quando não somos descartadas, somos atacadas.

A genitália, afinal, não é sinônimo de talento.
E ainda assim, sobre nós recaem as expectativas do que devemos escrever:
Romances previsíveis, casais seminus, mocinhas inseguras em busca de aprovação masculina.

Não.

Não sou menos mulher por não querer escrever essas histórias.
Não sou menos escritora por não me dobrar a fórmulas vazias.

É resistência. Ser uma mulher que destoa do que é esperado pra ela soa criminoso… é um tipo de exposição que beira o interrogatório:

“Você ainda escreve essas coisas?”
“Não acha que já passou da idade pra isso?”
“Não era melhor você tentar algo mais maduro?”
“Por que não escreve sobre o que as pessoas querem ler?”

Aos homens, permitem-se fases.
Ao gênio incompreendido, ao rebelde que bebe uísque, que escreve palavrão em caixa alta e cita Nietzsche errado — tudo é permitido. Ele é “ousado”, “promissor”, “diferente”.

À mulher que escreve com intensidade, que não disfarça a dor, que não escreve para vender — a pecha é rápida: amargurada, insuportável, difícil de engolir.

O talento masculino é sempre potencial.
O feminino é sempre provação.

E se esse talento vem depois dos trinta?
Aí é quase crime hediondo.

Não, eu não quero a personagem frágil, que resolve tudo com um beijo.
Não quero um mocinho que salva, nem um vilão que seduz —
Eu quero a ruptura.
A cicatriz.
O eco das vozes que mandaram calar.

Ser mulher e escritora é ser julgada como exagerada por sentir demais,
e desinteressante por não sentir o que esperavam.

É escrever e ver o crédito ir pro homem que gritou mais alto.
É postar e ser ignorada enquanto uma cópia masculina colhe aplausos.

A genitália não define a trama.
A idade não determina o fôlego.
E o gênero literário que você escolhe não é um pedido de desculpas à masculinidade frágil de ninguém.

Se ser mulher e escritora é crime,
que me prendam por reincidência.
E que leiam minhas palavras como confissão.
Mas saibam: não me arrependo.

“Quantos anos você tem?”
“Você ainda escreve fanfic?”
“Você não acha que já passou da idade?”
“Por que você ainda sonha com isso?”

🔍 O julgamento etário na literatura

Estudos recentes mostram que a indústria editorial ainda privilegia autoras jovens — especialmente quando o conteúdo é voltado ao público feminino. Segundo o Women’s Prize Trust, há um “fascínio editorial” por novas vozes, o que não seria um problema… se não significasse o descartamento precoce de mulheres acima dos 30.

Mulheres que amadurecem com suas personagens são frequentemente taxadas de “ultrapassadas” ou “patéticas” por leitores (e autores) que mal saíram da adolescência.

👉 Enquanto isso, homens na casa dos 40 ou 50 são chamados de “geniais”, “excêntricos” e “cult”.

💣 A misoginia travestida de curadoria

A autora que ousa escrever com profundidade, ousadia e lirismo aos 30+ passa a ser vista como “forçada”, “melodramática”, “pouco vendável”.
Já o garoto de 22 anos que copia Bukowski mal lido é “promessa da nova geração”.

E há um nome para isso: violência simbólica etária de gênero.
Uma estrutura que ignora o talento de quem amadurece, mas aplaude o raso quando vem embrulhado em juventude e algoritmo.

💥 Casos reais que escancaram a estrutura

  • Rachel Cusk, aclamada autora britânica, só foi “descoberta” pelo mainstream aos 40, após anos de desprezo crítico.
  • Clarice Lispector, mesmo sendo lida em várias línguas, era tratada com desdém nos anos 70 por “escrever coisas de mulher”.
  • Audre Lorde, poeta negra e lésbica, precisou enfrentar idade, cor e gênero para ser levada a sério — mesmo com uma das obras mais impactantes do século XX.

E quantas autoras não foram lidas só porque o tempo passou?

📢 Envelhecer não é falhar — é se refinar

Envelhecer como mulher e seguir escrevendo é um ato político.
É continuar existindo mesmo quando o mundo já decidiu que você devia estar quieta.
É recusar o papel de coadjuvante no próprio ofício.

“As meninas novas são fofas. Mas são as mulheres maduras que escrevem com faca.”

🕯️ Fica a reflexão final da Malacubaca:

Se escrever é crime,
que nos julguem culpadas.
Mas que leiam até o fim.

📌 Editorial publicado em homenagem ao Dia Mundial da Liberdade de Imprensa e ao direito de toda mulher escrever — em qualquer idade.

Editorial OCDM | O crime de envelhecer sendo mulher e boa escritora

  “A juventude é um aplauso fácil. A maturidade, um silêncio cheio de medo.” – fragmento retirado de um diário anônimo (ou quase) 📺 Editori...