Os Desencontros do Cupido | 6⁰ Capítulo

6


Sei de pouco, mas o que sei me basta: com você meu coração se sente em paz. 
— Excerto de “Não sei”, escrito em agosto de 2013. 
  
12 de junho de 2001. 
 

Após dias em silêncio, sem notícias de Edu ou Luís Carlos, Christiane dos Anjos encarava o Dia dos Namorados como mais um lembrete de sua incerteza sobre o amor. Mesmo carregando essa inquietude no coração, a meteorologista seguia a rotina como se buscasse conforto na familiaridade dos dias. Recolhia-se cedo e despertava antes de o sol nascer. 

Naquele período em que tudo à sua volta era silêncio, fazia a higiene matinal e cuidava do café-da-manhã antes mesmo de ler os jornais. Costumava sentar-se em uma cadeirinha de vime que ficava na área de serviço e beber uma xícara fumegante de chá. 

Duas buzinadas em frente à casa significavam que o jornaleiro acabara de passar. Ainda vestindo um robe de pelúcia xadrez e calçando chinelos de tiras laterais, caminhou pelo jardim até chegar ao portão, encontrando não somente os principais jornais, como uma caixa de papelão misteriosa também.  

— Bom dia, dona Christiane! — Acenou o jornaleiro entrando de volta na sua picape.  

— Bom dia, seu Artur! Bom trabalho para o senhor!  

Christiane voltou para dentro de casa com os braços ocupados e depositou todos os itens em cima da mesa da cozinha. Separou as pilhas de jornais da tal caixa misteriosa, apanhando uma faca para abri-la. Ao abrir, deparou-se com uma garrafa de espumante, um cachorrinho marrom de pelúcia segurando um coração com a frase “EU TE AMO”, uma caixa de bombons em formato de coração e um lindo cartão vermelho com bordas douradas, letras cursivas impecáveis e o fundo decorado com um suntuoso buquê de rosas-vermelhas.

Era difícil imaginar Edu Meirelles indo além de um gesto genérico. Ele nunca foi de caprichar em detalhes. E aquele cartão... tão refinado, tão cuidadoso. Nada naquilo combinava com o Edu que ela conhecia. Mas, ao mesmo tempo, acreditar que outra pessoa tivesse se dedicado tanto para surpreendê-la parecia ainda mais improvável. Um nó se formava em seu peito.

Emocionada, Christiane abraçou o cartão contra o peito, forçando o pensamento de que aquilo só podia ser obra de Edu. Mesmo que a ideia de Luís Carlos fosse absurda — e ela gostava de mantê-la assim — havia algo naquele presente que fazia o coração dela tremer. Se fosse dele, então ele a via de uma forma que ela mesma ainda não conseguia enxergar. E essa possibilidade era assustadora.

Celeste, que já estava acordada, surgiu na cozinha, interrompendo o momento: 

— Já cedo recebeu presente de fã? — perguntou, com um tom bem-humorado. 

— Não, mãe. Foi o Edu que me enviou! — Christiane, com a voz trêmula, tocou a fita vermelha da caixa de bombons, sentindo até certo dó de abri-la. 

— Se mandou, deve ter mandado o mesmo para umas vinte! E ainda reciclou as frases do cartão — alfinetou Celeste, colocando leite no café com uma risada irônica.

— Dá para, pelo menos UMA vez na vida, a senhora parar de debochar do Edu? 

— Ainda assim, duvido que Eduardo Meirelles tenha criatividade para tal — retrucou a mãe, sem perder o tom de provocação, enquanto se sentava para o desjejum. 

— Pois ele teve! 

— Pelo menos você verificou o remetente? — perguntou Celeste, rolando os olhos e tomando um gole de café.

Christiane hesitou antes de responder: 

— Não… — desconversou, desviando o olhar.

Celeste cruzou os braços e sorriu de lado: 

— Acho que quem poderia te surpreender assim com tanto carinho é o Luís Carlos. 

— Não diga besteira, mãe! 

— Não se trata de besteira. Ele é uma pessoa decente e, acima de tudo, livre

— E se depender de mim, vai continuar sendo!

Celeste deu uma risada contida: 

— Ele me ajuda na feira, Christiane, mas nunca me pede nada em troca. Já o Edu… bom, você sabe como ele é. Você está esperando por alguém que nunca esperou por você. Não consigo ver felicidade nisso.

— Se você estiver mancomunada com aquele Vacão Tosco para me afastar do Edu, tudo isso vai para o lixo! — esbravejou Christiane, a voz carregada de irritação. — Não ficaria com aquele ogro nem que ele fosse o último homem do planeta, da humanidade, do universo!

Celeste soltou um suspiro e cruzou as mãos sobre a mesa. 

— Esgotei minha cota de conselhos nesta vida. O Edu nunca foi o homem certo para você, Christiane. E, no fundo, acho que você sabe disso. 

A voz da mãe soou como um corte, mas havia verdade ali. Uma verdade que Christiane não estava pronta para ouvir. 

— Só espero que você esteja aberta para o que é melhor para você. Mesmo que isso não seja o que você queria.

Christiane permaneceu em silêncio, segurando o cartão. A caligrafia impecável, os detalhes elaborados — tudo aquilo parecia… demais para ter sido Eduardo. Uma dúvida incômoda crescia. O remetente optou por manter o anonimato, o que só aumentava o mistério. 

Talvez fosse um fã muito apaixonado. Ou, na pior das hipóteses, Luís Carlos. A intuição dela sussurrava que, por mais que quisesse acreditar no contrário, a segunda opção fazia mais sentido.

💘💘💘

Carmen Angélica Esteves abriu o guarda-roupa e escolheu uma camisa preta de seda e uma calça social da mesma cor. Com cuidado, pegou suas meias, sapatos e roupas íntimas, colocando tudo em cima da cama. Incluiu a maquiagem e uma bolsa preta combinando. Jaqueline, sua filha, que estava tomando café-da-manhã na cozinha, notou o visual sombrio assim que a mãe entrou no cômodo.

— Parabéns, mamãe! — ironizou Jaqueline enquanto mastigava um pedaço de torrada. — A senhora está pronta para um velório de novela mexicana! Já decorou todas as falas? — E pôs-se a gargalhar.

Noviça ajeitou o chapéu preto na cabeça, tentando segurar as lágrimas. 

— Devo estar segundo a data! — choramingou e, ao ouvir a risada da filha, advertiu: — Eu não quero ouvir uma só gracinha!

💘💘💘

Seu Getúlio, um senhor de idade que vendia sonhos de goiaba, tinha permissão da própria empresa para estacionar dentro do estacionamento da Malacubaca, abastecendo também as redondezas. Sua principal cliente e fã era Noviça, que comprava sonhos de goiaba todos os dias, pagando as dívidas no fim do mês. Ele a conhecia de longas datas e sempre apreciava seu bom humor e simpatia.

Naquele dia, contudo, ele percebeu algo diferente. Noviça, vestida de preto, parecia carregar o peso do mundo nos ombros. Ainda não sabia que Noviça tratava o Dia dos Namorados como se fosse Finados, mas as vestimentas naquele 12 de junho dispensavam palavras. 

Seu Getúlio notou que ela estava mais calada e com os olhos tristes, úmidos. Ao entregar o sonho de goiaba, ele viu Noviça enxugar as lágrimas com um lenço de seda preto e ficou sem jeito de perguntar por que sua cliente predileta estava chorando.

Noviça estacionou o Corsa Pink na vaga de sempre e fez uma saída triunfal do veículo, não sem antes rasgar a meia-calça preta e ajeitar o chapéu na cabeça. Ao passar pelos seguranças da Malacubaca, eles tentaram mexer com ela, que rosnou para eles, claramente irritada.

— Ei, Noviça, por que o look de viúva de novela mexicana? — um dos seguranças provocou com um sorriso irônico.
— Que é, estão achando graça? — ela respondeu, azeda, enquanto passava por eles.

Os seguranças se entreolharam, ainda rindo, mas um pouco confusos.

— Deve estar revoltada porque vai ficar de plantão no feriado, enquanto a gente vai folgar — comentou um deles, balançando a cabeça.
— Deve ser isso mesmo. Vai entender essas mulheres — completou o outro, dando de ombros.

Noviça seguiu seu caminho, tentando ignorar as provocações e focar no trabalho, mas era difícil com o peso das emoções à flor da pele. Os seguranças, por outro lado, continuaram com suas brincadeiras, sem entender realmente o que se passava com ela.


💘💘💘


Na redação, o clima era festivo. As mesas estavam decoradas com flores, cartões, e pequenos presentes de admiradores. O contraste entre a mesa de Bilu, prática e organizada, e a mesa de Noviça, um pouco caótica com chocolates e lenços, era evidente. Algumas colegas recebiam flores e outros presentes amorosos, enquanto observavam o drama da colega, que parecia mais ter recebido uma carta de demissão.

— Que cara de velório é essa, mulher? — perguntou Bilu, aproximando-se com uma expressão preocupada.

— É a única que tenho, fique você sabendo! — respondeu Noviça, colocando o chapéu na bancada com um suspiro.

— E esse chapéu? — Bilu inclinou a cabeça, analisando o acessório.

— Qual é o problema com o meu chapéu?

— Você é o puro retrato de uma vilã de novela mexicana, com aquela tristeza de enterrar o marido que matou para passar a mão na fortuna dele e voltar para o México rica, glamourosa e com sede de vingança!

Noviça ergueu o queixo com um ar digno de uma rainha em exílio. 

— Não é um look, querido, é um manifesto. — E, com um último olhar fulminante, atravessou a entrada como se fosse o tapete vermelho.

Enquanto ajeitava o chapéu, a jornalista sentiu uma pontada de tristeza apertar o coração. Era mais do que o Dia dos Namorados, bem como o incômodo lembrete de que os sonhos românticos que guardava a sete chaves nunca se realizavam.

Noviça tirou o chapéu e colocou-o na bancada. Chorou tanto nos últimos dias que o nariz estava irritado de tanto assoar e os olhos pareciam ainda mais cansados. 

— É Dia dos Namorados, não Finados.

— Sair de casa no Dia dos Namorados é pedir para ser humilhado por essa sociedade que desconsidera as pessoas solteiras. — Noviça tornou a cair no choro.

— Sinceramente, não entendo qual é o seu problema! — opinou Bilu, que nunca se afetou muito com o drama sazonal que algumas pessoas solteiras costumavam fazer naquela época em especial do ano. — Você está solteira por mais 364 dias ao ano e vive muito bem. Se analisar bem friamente, este é um dia como qualquer outro, passará igual a todos os outros. Pode ser que não sirva de consolo, mas saiba que ao menos você está em uma condição melhor do que a de muitos homenageados.

Noviça enxugou as lágrimas com um lencinho de seda e deu de ombros: 

— Ao menos uma de nós vai ter um dia bom.

— Se você se refere ao fato de ter voltado ao Vinte Horas, nem sonhe. Meu único relacionamento com Will atualmente é estritamente profissional.

— Olhar não tira pedaço.

— Vai aí um bom motivo de ser solteira: você pode se apaixonar e ficar com quem quiser, sem dar satisfações a ninguém. Outro motivo: você pode se dar muitos presentes, ora essa! Não tem que dividir o controle remoto, nem a caixa de bombons, nem o cobertor e menos ainda a última fatia da sua pizza favorita. Pensa nisso, viu?

Noviça jogou o lenço de seda sobre a bancada com um suspiro dramático. Só não esperava que o Dia dos Namorados ainda lhe reservasse uma surpresa — e não era um sonho de goiaba.

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Nota da autora: Nunca é tarde demais para lembrar que a Noviça está numa condição melhor do que muitos homenageados e nem sabe! Vocês contam ou eu conto?

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