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Sei de pouco, mas o que sei me basta: com você meu coração se sente em paz.— Excerto de “Não sei”, escrito em agosto de 2013.
Após dias em silêncio, sem notícias de Edu ou Luís Carlos, Christiane dos Anjos encarava o Dia dos Namorados como mais um lembrete de sua incerteza sobre o amor. Mesmo carregando essa inquietude no coração, a meteorologista seguia a rotina como se buscasse conforto na familiaridade dos dias. Recolhia-se cedo e despertava antes de o sol nascer.
Naquele período em que tudo à sua volta era silêncio, fazia a higiene matinal e cuidava do café-da-manhã antes mesmo de ler os jornais. Costumava sentar-se em uma cadeirinha de vime que ficava na área de serviço e beber uma xícara fumegante de chá.
Duas buzinadas em frente à casa significavam que o jornaleiro acabara de passar. Ainda vestindo um robe de pelúcia xadrez e calçando chinelos de tiras laterais, caminhou pelo jardim até chegar ao portão, encontrando não somente os principais jornais, como uma caixa de papelão misteriosa também.
— Bom dia, dona Christiane! — Acenou o jornaleiro entrando de volta na sua picape.
— Bom dia, seu Artur! Bom trabalho para o senhor!
Christiane voltou para dentro de casa com os braços ocupados e depositou todos os itens em cima da mesa da cozinha. Separou as pilhas de jornais da tal caixa misteriosa, apanhando uma faca para abri-la. Ao abrir, deparou-se com uma garrafa de espumante, um cachorrinho marrom de pelúcia segurando um coração com a frase “EU TE AMO”, uma caixa de bombons em formato de coração e um lindo cartão vermelho com bordas douradas, letras cursivas impecáveis e o fundo decorado com um suntuoso buquê de rosas-vermelhas.
Era difícil imaginar Edu Meirelles indo além de um gesto genérico. Ele nunca foi de caprichar em detalhes. E aquele cartão... tão refinado, tão cuidadoso. Nada naquilo combinava com o Edu que ela conhecia. Mas, ao mesmo tempo, acreditar que outra pessoa tivesse se dedicado tanto para surpreendê-la parecia ainda mais improvável. Um nó se formava em seu peito.
Emocionada, Christiane abraçou o cartão contra o peito, forçando o pensamento de que aquilo só podia ser obra de Edu. Mesmo que a ideia de Luís Carlos fosse absurda — e ela gostava de mantê-la assim — havia algo naquele presente que fazia o coração dela tremer. Se fosse dele, então ele a via de uma forma que ela mesma ainda não conseguia enxergar. E essa possibilidade era assustadora.
Celeste, que já estava acordada, surgiu na cozinha, interrompendo o momento:
— Já cedo recebeu presente de fã? — perguntou, com um tom bem-humorado.
— Não, mãe. Foi o Edu que me enviou! — Christiane, com a voz trêmula, tocou a fita vermelha da caixa de bombons, sentindo até certo dó de abri-la.
— Se mandou, deve ter mandado o mesmo para umas vinte! E ainda reciclou as frases do cartão — alfinetou Celeste, colocando leite no café com uma risada irônica.
— Dá para, pelo menos UMA vez na vida, a senhora parar de debochar do Edu?
— Ainda assim, duvido que Eduardo Meirelles tenha criatividade para tal — retrucou a mãe, sem perder o tom de provocação, enquanto se sentava para o desjejum.
— Pois ele teve!
— Pelo menos você verificou o remetente? — perguntou Celeste, rolando os olhos e tomando um gole de café.
Christiane hesitou antes de responder:
— Não… — desconversou, desviando o olhar.
Celeste cruzou os braços e sorriu de lado:
— Acho que quem poderia te surpreender assim com tanto carinho é o Luís Carlos.
— Não diga besteira, mãe!
— Não se trata de besteira. Ele é uma pessoa decente e, acima de tudo, livre.
— E se depender de mim, vai continuar sendo!
Celeste deu uma risada contida:
— Ele me ajuda na feira, Christiane, mas nunca me pede nada em troca. Já o Edu… bom, você sabe como ele é. Você está esperando por alguém que nunca esperou por você. Não consigo ver felicidade nisso.
— Se você estiver mancomunada com aquele Vacão Tosco para me afastar do Edu, tudo isso vai para o lixo! — esbravejou Christiane, a voz carregada de irritação. — Não ficaria com aquele ogro nem que ele fosse o último homem do planeta, da humanidade, do universo!
Celeste soltou um suspiro e cruzou as mãos sobre a mesa.
— Esgotei minha cota de conselhos nesta vida. O Edu nunca foi o homem certo para você, Christiane. E, no fundo, acho que você sabe disso.
A voz da mãe soou como um corte, mas havia verdade ali. Uma verdade que Christiane não estava pronta para ouvir.
— Só espero que você esteja aberta para o que é melhor para você. Mesmo que isso não seja o que você queria.
Christiane permaneceu em silêncio, segurando o cartão. A caligrafia impecável, os detalhes elaborados — tudo aquilo parecia… demais para ter sido Eduardo. Uma dúvida incômoda crescia. O remetente optou por manter o anonimato, o que só aumentava o mistério.
Talvez fosse um fã muito apaixonado. Ou, na pior das hipóteses, Luís Carlos. A intuição dela sussurrava que, por mais que quisesse acreditar no contrário, a segunda opção fazia mais sentido.
Carmen Angélica Esteves abriu o guarda-roupa e escolheu uma camisa preta de seda e uma calça social da mesma cor. Com cuidado, pegou suas meias, sapatos e roupas íntimas, colocando tudo em cima da cama. Incluiu a maquiagem e uma bolsa preta combinando. Jaqueline, sua filha, que estava tomando café-da-manhã na cozinha, notou o visual sombrio assim que a mãe entrou no cômodo.
— Parabéns, mamãe! — ironizou Jaqueline enquanto mastigava um pedaço de torrada. — A senhora está pronta para um velório de novela mexicana! Já decorou todas as falas? — E pôs-se a gargalhar.
Noviça ajeitou o chapéu preto na cabeça, tentando segurar as lágrimas.
— Devo estar segundo a data! — choramingou e, ao ouvir a risada da filha, advertiu: — Eu não quero ouvir uma só gracinha!
Seu Getúlio, um senhor de idade que vendia sonhos de goiaba, tinha permissão da própria empresa para estacionar dentro do estacionamento da Malacubaca, abastecendo também as redondezas. Sua principal cliente e fã era Noviça, que comprava sonhos de goiaba todos os dias, pagando as dívidas no fim do mês. Ele a conhecia de longas datas e sempre apreciava seu bom humor e simpatia.
Seu Getúlio notou que ela estava mais calada e com os olhos tristes, úmidos. Ao entregar o sonho de goiaba, ele viu Noviça enxugar as lágrimas com um lenço de seda preto e ficou sem jeito de perguntar por que sua cliente predileta estava chorando.
Noviça estacionou o Corsa Pink na vaga de sempre e fez uma saída triunfal do veículo, não sem antes rasgar a meia-calça preta e ajeitar o chapéu na cabeça. Ao passar pelos seguranças da Malacubaca, eles tentaram mexer com ela, que rosnou para eles, claramente irritada.
Os seguranças se entreolharam, ainda rindo, mas um pouco confusos.
Noviça seguiu seu caminho, tentando ignorar as provocações e focar no trabalho, mas era difícil com o peso das emoções à flor da pele. Os seguranças, por outro lado, continuaram com suas brincadeiras, sem entender realmente o que se passava com ela.
Na redação, o clima era festivo. As mesas estavam decoradas com flores, cartões, e pequenos presentes de admiradores. O contraste entre a mesa de Bilu, prática e organizada, e a mesa de Noviça, um pouco caótica com chocolates e lenços, era evidente. Algumas colegas recebiam flores e outros presentes amorosos, enquanto observavam o drama da colega, que parecia mais ter recebido uma carta de demissão.
— Que cara de velório é essa, mulher? — perguntou Bilu, aproximando-se com uma expressão preocupada.
— É a única que tenho, fique você sabendo! — respondeu Noviça, colocando o chapéu na bancada com um suspiro.
— E esse chapéu? — Bilu inclinou a cabeça, analisando o acessório.
— Qual é o problema com o meu chapéu?
— Você é o puro retrato de uma vilã de novela mexicana, com aquela tristeza de enterrar o marido que matou para passar a mão na fortuna dele e voltar para o México rica, glamourosa e com sede de vingança!
Noviça ergueu o queixo com um ar digno de uma rainha em exílio.
— Não é um look, querido, é um manifesto. — E, com um último olhar fulminante, atravessou a entrada como se fosse o tapete vermelho.
Enquanto ajeitava o chapéu, a jornalista sentiu uma pontada de tristeza apertar o coração. Era mais do que o Dia dos Namorados, bem como o incômodo lembrete de que os sonhos românticos que guardava a sete chaves nunca se realizavam.
Noviça tirou o chapéu e colocou-o na bancada. Chorou tanto nos últimos dias que o nariz estava irritado de tanto assoar e os olhos pareciam ainda mais cansados.
— É Dia dos Namorados, não Finados.
— Sair de casa no Dia dos Namorados é pedir para ser humilhado por essa sociedade que desconsidera as pessoas solteiras. — Noviça tornou a cair no choro.
— Sinceramente, não entendo qual é o seu problema! — opinou Bilu, que nunca se afetou muito com o drama sazonal que algumas pessoas solteiras costumavam fazer naquela época em especial do ano. — Você está solteira por mais 364 dias ao ano e vive muito bem. Se analisar bem friamente, este é um dia como qualquer outro, passará igual a todos os outros. Pode ser que não sirva de consolo, mas saiba que ao menos você está em uma condição melhor do que a de muitos homenageados.
Noviça enxugou as lágrimas com um lencinho de seda e deu de ombros:
— Ao menos uma de nós vai ter um dia bom.
— Se você se refere ao fato de ter voltado ao Vinte Horas, nem sonhe. Meu único relacionamento com Will atualmente é estritamente profissional.
— Olhar não tira pedaço.
— Vai aí um bom motivo de ser solteira: você pode se apaixonar e ficar com quem quiser, sem dar satisfações a ninguém. Outro motivo: você pode se dar muitos presentes, ora essa! Não tem que dividir o controle remoto, nem a caixa de bombons, nem o cobertor e menos ainda a última fatia da sua pizza favorita. Pensa nisso, viu?
Noviça jogou o lenço de seda sobre a bancada com um suspiro dramático. Só não esperava que o Dia dos Namorados ainda lhe reservasse uma surpresa — e não era um sonho de goiaba.
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