Bolo na garganta
Reconheço estar regredindo, mas também coloco o dedo na ferida e jogo essa culpa no mundo e nos seus valores tóxicos que me atiram de volta ao precipício, medindo meu valor com uma fita métrica, pesando a dignidade para calcular o quanto há de mim aqui e ceifar com o facão. Minha parcela de culpa já está devidamente assumida, porém, não parei no inferno sozinha, nem por vontade própria.
Eles cobram produtividade, contudo, não se importam com as circunstâncias, comparam meu capítulo 3 com o 20 de alguém que largou bem mais privilegiada na maratona da vida, exigem o que nunca deram e se prendem aos protocolos estúpidos para manter as aparências.
Dizem ser pela inclusão e te mandam para a câmara fria para ver se assim os sonhos morrem logo de uma vez por todas, você é sempre estranha, esquisita, difícil de lidar, nunca faz nada direito. Esforços vistos com indiferença, portas fechadas, "não corresponde ao perfil que buscamos neste momento".
É enlouquecedor tentar buscar esse equilíbrio ou eu não perdi a mania de ser sensível demais?
Porque, infelizmente, eu sinto tudo por demais. Penso mais do que deveria. Embriago-me tanto das entrelinhas que tenho ressaca de desespero. Vejo talvez com essas lentes embaçadas de tanto chorar por repetir sempre na mesma matéria... na matéria de ser amada só por ser quem sou.
Os fones de ouvido tentam abafar a barulheira lá fora, sem falar os pensamentos autodestrutivos que me consomem até os ossos. Não me aprisionem em polarização nenhuma, nem me venham com filtro bege... prefiro a minha bagunça organizada, proteger minhas canetas coloridas para não ser sugada pelo inferno cinza, pelos inúmeros post-its colados na minha cabeça me dizendo o que devo falar, sentir, pensar, usar, quanto devo pesar.
Eles esperam que eu voe, sendo que, quando eu ensaiei sair do casulo, ceifaram minhas asas com seus comentários idiotas e olhares de cima em baixo. Fizeram pouco-caso do que eu tinha a dizer e depois reclamam que "sou quieta demais".
Qual é o problema de vocês?
Tentei varrer a ira para debaixo do tapete, ser a Pollyana contemporânea, a boba alegre, atrair uma vida bonita e colorida... sabe o que aconteceu?
Tornei-me uma mentira para mim mesma.
Uma versão piorada daquela menininha do ensino fundamental, que todo mundo tratava como bem-entendia, que passava o recreio sozinha e agradecia as migalhas de atenção.
Beijar minhas sombras não me torna um monstro, me humaniza. Elas sustentam a luz, alicerces de uma alma que não teme ser brutalmente vulnerável. Não espere que eu faça o jogo do contente, eu posso ser grata e amável sem parecer uma idiota forçada... só não espere que eu seja perfeita...
O preço da abstinência é desolador, a morte em vida. Temo nunca voltar a rir das coisas mais bobas, se a vontade de chorar é tudo que tenho em meu peito agora.
Os gatilhos são aquelas pernas colocadas propositalmente para me fazer tropeçar no meio do pátio na hora do intervalo, estão sempre à espreita. Não posso me esconder no banheiro, nem dormir até um pouco mais tarde. A palavra de ordem é enfrentar, mas eu não sei de onde extrair forças. Lutar para perder de novo, nada tão rotineiro. Eu já deveria estar acostumada a perder.
Talvez seja só uma fase estranha e difícil que haverá de passar ou, numa dessas, uma percepção distorcida. De qualquer forma, já passei por dramas piores e a vida sempre me sustentou quando estive acuada nas cordas, chorando e murmurando não ter forças sequer para declarar rendição.
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