Os Desencontros do Cupido | 11º Capítulo

 

11

Noviça pretendia ser a primeira a acordar, porém, Luciana, que entrou de penetra na reunião das amigas sem namorados, resolveu de veneta pernoitar sem nem ter sido convidada e ainda se comportar como se fosse hóspede em um hotel de luxo, exigindo café na cama e outras regalias mais.  

Ao amanhecer, em casa tronco havia um desenho. O primeiro se aproximava muito da letra J, o segundo tinha a inicial E, já a terceira ficou um pouco indefinida. Noviça, ao reconhecer a letra E, comemorou alto demais.  

— Eu sabia, eu sabia!  

Que patética, pensou Luciana. Edu Meirelles com o Garibaldo? Digo quando: no Dia de São Nunca.  

— Esse com certeza é o meu! 

— Que seu o quê, isso é meu
— Sai para lá, Garibaldo. O Edu vai ser meu marido! 
— Vai sonhando. Só por cima do meu cadáver. — Noviça peitou Luciana. 
— Digo-lhe o mesmo! 
— O Edu só não se endireitou porque ainda não sabe que já conheceu a mulher da vida dele! 
— Você acha que uma atriz mequetrefe que nem você tem condições disso? Pois Edu Meirelles será meu, custe o que custar! 
— E onde está a atriz mequetrefe? — Berrou Luciana. 
— CALEM A BOCA! — Reagiu Lilly.  

Noviça e Luciana arregalaram os olhos. 

Lilly ficou pensativa quanto à letra J e deu de ombros. Costumava ser afetada pela crise do Dia dos Namorados e na manhã seguinte estava refeita.   

— E não é só de Eduardo, amiga. Tem Éder, Edgar, Élio, Emanuel, Esdras, Eliseu, Ezequiel, Eliabe, Elói, Elon, Ênio, Edson, Eulálio, Eunício, Everton, Emerson, Evandro, Everson, Everaldo, Eric, Eustáquio, Eurípedes, Epaminondas, Edivaldo, Edmílson, Esmeraldino, Estevão… — lembrou Lilly. — Então o Epaminondas pode ficar para ela. 
— Existe alguém chamado Epaminondas hoje em dia? — Noviça questionou. 
— Se existe um Clodomitre, existe um Epaminondas. — Lilly deu de ombros. 
— Bem, minha gente, está tudo muito lindo, está tudo muito legal, mas preciso tomar banho, fazer uma boquinha e ir trabalhar. 
— E eu vou garantir meu lugar na fila para pegar o meu bolo de Santo Antônio. 
— Dá certo mesmo? 
— Eu já vi várias histórias que deram certo, não custa nada tentar e, claro, acreditar. 
— Espero que dê mais certo do que essas suas simpatias fajutas. 
— Mais fajuta é quem me diz. Aliás, acho bom mesmo que o cheque tenha fundos, você não sabe que vergonha me dá quando vou depositar o cheque e ele está sem fundos. Não sei se pegaria bem passar uma reportagem sobre a caloteira da Malacubaca, a atriz que ostenta em lancha e não paga as encomendas que faz.  
— O cheque tem fundos, mas não pago nem um só centavo enquanto não conseguir o que eu quero.  
— Olha, eu não sou sósia do Gênio da Lâmpada, tá? E nem que fosse… ninguém aqui nasceu para te servir, crie vergonha na cara! 

💘💘💘

Edu Meirelles estava longe de ser um exemplo de conduta perfeita na Malacubaca. Conhecido por suas escapadas criativas e seus jeitinhos nada ortodoxos de lidar com situações complicadas, ele sempre encontrou formas inusitadas de transformar o caos em oportunidades. Quando resolveu viajar para fora do Brasil, nem precisou inventar desculpas extraordinárias. Bastou uma “licença” bem encenada — não por motivos de saúde, mas por conveniência.

A viagem nunca foi realmente sobre trabalho, embora tenha usado o projeto aprovado para o Vinte Horas como cortina de fumaça para suas verdadeiras intenções. O fanfarrão mulherengo sabia que se fosse pego em flagrante aprontando em território brasileiro, a demissão por justa causa seria inevitável. Assim, Buenos Aires tornou-se seu palco ideal para escapar da supervisão direta e viver dias de pura irreverência, com os holofotes direcionado somente às suas aventuras.

Entre os bastidores dos hotéis luxuosos e as ruas vibrantes da capital argentina, Edu acumulava uma lista extensa de trapalhadas. Apesar da aparência impecável e do charme que carregava por onde passava, ele tinha o dom de atrair situações inusitadas — algo que não mudou durante sua estadia na capital argentina. 

O hotel de luxo pode até ter fornecido o cenário perfeito de elegância, mas, em sua essência, continuava sendo o protagonista das trapalhadas mais memoráveis.

Tudo começou na recepção, onde tentou se passar por um crítico gastronômico internacional para garantir um upgrade de suíte — o plano deu certo, apesar de ele ter confundido o nome de um prato famoso. Em outro momento, decidiu fazer um tour gastronômico por conta própria, aceitando a sugestão de um amigo local para experimentar um restaurante secreto. Sem perceber que a recomendação era uma pegadinha, acabou indo parar em um bar clandestino que servia pratos exóticos como empanadas de capivara. Para sair da confusão, inventou que estava ali fazendo um documentário sobre “peculiaridades gastronômicas”.

Ainda houve o episódio na danceteria, onde sua tentativa de “misturar-se à cultura local” culminou na já famosa “dança do paletó”. Entre risadas e olhares incrédulos, Edu foi o centro das atenções — o que ele, claro, adorou. No entanto, as trapalhadas não pararam por aí. Ele quase foi barrado em um ponto turístico ao tentar “driblar” a fila dizendo ser uma celebridade brasileira. A tática deu errado quando um turista argentino, por coincidência, reconheceu sua cara das reportagens da Malacubaca e fez questão de expor o plano na frente de todos.

Edu sabia que cada uma dessas histórias, cada momento era vivido como se fosse parte de uma novela própria, onde ele, claro, era o protagonista absoluto. O que acontecia em Buenos Aires tinha que ficar em Buenos Aires, ou a Malacubaca não perdoaria.

💘💘💘

Desde 1991, a Paróquia de Nossa Senhora da Esperança Celestial, localizada no pitoresco bairro de Balneário dos Anjos, promovia a venda de bolos durante a Festa de Santo Antônio. A arrecadação era revertida para melhorias na igreja e obras de caridade. Cozinheiras da própria comunidade preparavam bolos desde o dia 5 de junho, colocando medalhões do santo casamenteiro na massa. Rezava a lenda que quem encontrasse o medalhão se casaria.

Naquele ano de 2001, o evento chegava à sua décima edição e, para tal, a igreja preparou uma semana de comemorações, cujo ápice seria naquela noite, com um bingo beneficente, onde o prêmio de destaque era um computador completo.


💘💘💘

A Paróquia de Nossa Senhora da Esperança Celestial era um verdadeiro marco arquitetônico do bairro, com sua fachada que lembrava as igrejas de Portugal. Construída com pedras de granito, suas paredes eram adornadas com azulejos coloridos que formavam belos mosaicos. O chão de paralelepípedo redondo dava um charme especial ao local, completando a sensação de estar em uma pequena vila europeia. No interior, os vitrais coloridos refletiam a luz do sol, criando um espetáculo de cores, enquanto os bancos de madeira escura e o altar ricamente decorado com imagens sacras completavam o ambiente de devoção.

O pátio coberto da igreja era amplo e perfeito para eventos comunitários. Estava adornado com bandeirinhas coloridas, e havia centenas de mesas de plástico para quem queria comer. O cardápio não incluía somente o bolo, mas também pão de queijo, coxinha, risóles, esfirra, quibe e pastel. Bastava comprar as fichas na barraquinha de toldo azul e depois se dirigir até o balcão do refeitório para fazer os pedidos. Entre uma barraquinha e outra, havia uma enorme imagem de Santo Antônio, com uma urna de vidro embaixo para os fiéis depositarem suas intenções. A fila estava grande para aquela hora do dia e ficaria ainda maior conforme as horas avançassem.

Noviça, que faria uma entrada ao vivo para o telejornal da hora do almoço, decidiu inovar. Primeiro, ela entrou ao vivo dentro da igreja, falando bem baixinho durante a missa do meio-dia.

— Aqui estamos, na Paróquia de Nossa Senhora da Esperança Celestial, onde a missa do meio-dia está acontecendo — sussurrou Noviça. — A igreja está lindamente decorada para a Festa de Santo Antônio, e as celebrações estão a todo vapor.

Depois, ela já estava na fila para pegar o pedaço de bolo, conversando com as pessoas expansivamente.

— A fila está grande, mas a expectativa é ainda maior — disse Noviça, sorrindo para a câmera. — Todos estão ansiosos para encontrar o santinho no bolo!

Noviça sentou-se em uma mesa de plástico e abriu a embalagem onde estava a fatia dela. Empunhando o garfo de plástico, deu a primeira mordida e exultou:

— Delicioso!

Do estúdio do jornal, Vespúcio a perguntou:

— E aí, Noviça? Conte para nós, você já achou o santinho no bolo?

Mentirosa, a repórter respondeu:

— Imagina, Vespúcio. Venho mesmo prestigiar esse maravilhoso trabalho da nossa comunidade. Já sou casada com a Malacubaca.

Porém, assim que ela falou “sou casada”, ocorreu um problema técnico e os apresentadores ficaram sem contato com Noviça.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Muito obrigada pela visita ao OCDM, espero que você tenha gostado do conteúdo e ele tenha sido útil, agradável, edificante, inspirador. Obrigada por compartilhar comigo o que de mais precioso você poderia me oferecer: seu tempo. Um forte abraço. Volte sempre, pois as páginas deste caderno estão abertas para te receber. ♥

Mary Recomenda | A Pindonga Azarada

Quem gosta de festa junina tem grandes chances de amar a edição extraordinária do Mary Recomenda , em clima de São João. Não vou...