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Embora Lilly e Luís Carlos fossem geminianos do dia 18 de junho, decidiram dar uma festa no dia seguinte, 13, pois ele embarcaria para a Europa logo após. Iria sozinho. Além disso, um dia a irmã se casaria e cada qual teria de lidar com o rompimento do cordão umbilical, tendo, de verdade, vida própria. Não que não tivesse uma. Tinha amigos próprios, sonhos, ideais de vida, o desejo de ser pai, de um dia mudar-se em definitivo para a Dinamarca.
A casa estava decorada com balões e serpentinas coloridas, uma atmosfera alegre contrastando com a melancolia que Luís Carlos sentia. Jamais pediria a Lilly para sacrificar-se, não considerava justo, não conseguiria ser feliz se fosse a custo do sofrimento dela. Diferenças à parte, o apreço não morreria tão somente porque decidiram seguir rumos distintos. Ele se fortaleceria e quanto antes lidar com aquelas demandas, melhor.
Luís Carlos não esperava uma resposta positiva de Christiane, sobretudo porque nutria com certo aperto no peito que a jornalista acreditasse na hipótese de que Edu Meirelles era o autor daquela surpresa que arrancou suspiros de amor e de inveja entre as colegas de redação. O não ele sempre teve. Tentou. Deixou de enveredar-se pelos mares da imaginação e tomou uma iniciativa.
Ele lembrava-se do momento em que enviou o cartão, os dedos tremendo de nervosismo. A esperança e o medo misturavam-se em seu coração. Tentou afastar-se de Christiane também para aos poucos se desapegar da ideia de gostar dela. Se não se apaixonasse de novo, não morreria de desespero. Perder também fazia parte da arte de viver, ele repetia para si.
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A sala do apartamento de Bilu exalava um ar de elegância e conforto. O grande sofá de couro branco, adornado com almofadas coloridas, contrastava com as paredes pintadas de um suave tom de cinza. A luz suave das luminárias criava um ambiente acolhedor, destacando os detalhes em madeira escura dos móveis.
A estante de livros, repleta de títulos diversos, refletia o amor de Bilu pela leitura. Sobre a mesa de centro de vidro e metal, descansavam algumas revistas de moda e decoração, ao lado de um vaso com flores frescas que traziam vida ao espaço. Em um dos cantos da sala, a vitrola tocava suavemente “Attitudes” do Bar-Kays, preenchendo o ambiente com uma melodia envolvente.
Uma taça de vinho descansava sobre a mesa lateral, próxima ao sofá, pronta para ser apreciada enquanto ela trabalhava. O ambiente, embora sofisticado, tinha um toque pessoal que tornava a sala o refúgio perfeito para a noite solitária que Bilu estava prestes a enfrentar.
Enquanto a música tocava, Bilu permitiu-se um momento de reflexão. Os acordes familiares a transportavam para tempos mais felizes ao lado de William, momentos em que tudo parecia mais simples. Mas, naquele momento, ela estava sozinha, e a música era sua única companhia. Sentou-se à mesa de jantar, onde havia espalhado documentos e o laptop, mergulhando-se no trabalho para afastar a saudade. Cada tarefa concluída era um pequeno triunfo, um lembrete de sua competência e independência.
Apesar disso, havia momentos de pausa onde a solidão se fazia sentir com mais intensidade. Nessas horas, Bilu se permitia um breve suspiro, um gole de vinho mais prolongado, antes de voltar ao ritmo frenético de suas obrigações. Ela sabia que a companhia de si mesma, por mais satisfatória que fosse, não preenchia completamente o vazio deixado pelo amor não resolvido com William. Mas, naquela noite, ser sua própria companhia tinha que ser o suficiente.
💘💘💘
Noviça e Lilly combinaram de passar a noite juntas para afogarem as mágoas, empanturrarem-se de chocolate, pizza e vinho, ouvir música triste para chorar e falar de seus amores. Elas se sentaram no sofá da sala de estar, cercadas por travesseiros e cobertores macios, criando um ambiente acolhedor para a noite de desabafo.
— Qual é o problema da nossa sociedade? — Noviça, chorosa, discursou. — Sou uma beldade, beleza exterior não me falta, tenho um corpo escultural, me visto com bom gosto e elegância. Sou inteligente, culta, chefe de família, ganho razoavelmente bem para me permitir alguns caprichos e tenho repertório para falar sobre os mais diversos assuntos. Ainda assim estou aqui, amargando mais um Dia dos Namorados sem ganhar nem uma balinha mixuruca daquelas que cortam a língua, nem mesmo um cartão cheio de erros crassos de português. Cheguei ao fundo do poço.
— Estou na mesma situação que você, minha amiga. Antigamente, os trabalhadores de obras costumavam fazer fiu-fiu quando eu passava, já agora eles voltam a trabalhar — disse Lilly, dando um suspiro pesado.
— Então a situação está mais grave do que a minha, hein? — Noviça respondeu, tentando conter o riso.
— Um brinde ao nosso fundo do poço. — Elas brindaram com suas taças de vinho, caindo na risada e tratando de fazer piada da situação.
— Se chorei ou se sorri, o importante é que minha grana recebi — cantou Lilly, levantando a taça.
— Muitas encomendas? — perguntou Noviça, curiosa.
— O que tem de mulher até de 50, 60 anos me procurando para fazer simpatia de amarração para segurar bagual véio que não vale o que o gato enterra não está escrito, minha amiga, mas cavalo dado não se olham os dentes. É grana e grana nunca é demais — disse Lilly, dando uma risada. — Sabe, pensando bem friamente, nada está perdido. Podemos fazer aquela simpatia do copo com água e os papeizinhos.
— Eu, não. Só abrem os papeizinhos com W, Y, X, Z, K, Q. É sacanagem! — Noviça respondeu, rindo.
— Olha que W não é tão distante assim, amiga. É tudo questão de olhar para o lado.
— O Will? O Will é o meu futuro namorado?
— Nunca se sabe. Mas, bem, com W temos Walter, Waldomiro, Wanderley, Wallace, Washington, Wellington, Wilson, Winston. Com Z, deixe-me ver... Hummm... Temos Zacarias, Zayon, Zeus, Zeferino, Zebulom, Zorobabel, Zulmir...
— Não me diga...
— E digo mais: meu pai era amigo de um homem que se chamava Xerxes. Temos Xerez, Xenócrates, Xisto, Xoloni, Xadai, Xavier... o bonitão pode ter um nome diferente.
— Não me diga que seus pais tinham um amigo cujo nome começava com a letra Q? É o fim da picada!
— Pois eles tinham, sim! Ele se chamava Quincas.
— Quincas? Não me diga que era Quincas Borba?
— E eles tinham outro amigo que se chama Quintiliano. Além disso, eu conheço um Kaleb, com K. Bonitão, bonitão. Parece até ator de Bollywood.
— Um Kaleb mora lá nas arábias, muito longe daqui.
— E se um astro do quilate do Kaleb vem passar férias no Brasil, hein? Vem conhecer as belezas da nossa cidade e esbarra com você ao acaso? Mais, ele te olha e se apaixona no mesmo segundo…
— Não largo a Malacubaca por nada!
— Por causa daquele bagual convencido?
— Esse Kaleb aí querendo que eu abandone a minha carreira no auge? Nem morta!
— Nem se ele te convidasse para viver 1001 noites de amor?
— Não posso me ausentar da Malacubaca por 1001 noites. É muito tempo. Kaleb precisará entender que a Malacubaca vem em primeiro lugar na minha vida.
— Kaleb entenderá. Ele grava muitos filmes, também terá de se ausentar por longos períodos.
— Está querendo tirar onda e dizer que meu amor é um alienígena?
— O amor tem razões que a própria razão desconhece. Solte para o Universo que o Universo fará a parte dele. Pode ser que ele se chame Xadai.
— Bem que podia sair a letra E. Simples assim!
— Ah Noviça, larga a mão de sofrer por esse bagual aí. Sou muito mais o Xadai.
— Xadai? Só pode ser algum alienígena!
A conversa entre amigas foi interrompida com o soar estridente da campainha, ao que Lilly foi atender. A pessoa impaciente na soleira da porta era ninguém menos que Luciana.
Luciana Andrade.
Receber uma visita-surpresa de Luciana Andrade não significava fechar o dia com chave de ouro e sim um balde de água fria. Figura abjeta do showbiz, Luciana era adepta do lema “falem bem ou falem mal, mas falem de mim”, levando-o até às últimas consequências. Revoltada por passar o Dia dos Namorados sozinha e não poder inventar matérias para se autopromover, pretendia descontar a fúria em Lilly, a quem encomendou serviços secretos.
Lilly estava vestida de forma confortável, com um moletom cinza e calças de pijama, enquanto Noviça usava uma camiseta larga e calças de ioga, ambas claramente curtindo uma noite tranquila em casa.
— Quase achei que não iriam me atender. — disse Luciana, ríspida, entrando sem ser convidada.
— Você por aqui, Lulu? — debochou Lilly.
— E onde mais?
— Você não me ligou.
Noviça levantou-se do sofá para espiar, ajeitando a camiseta.
— Eu só atendo com hora marcada.
— Hora marcada?
— Tenho uma vida além dos meus trabalhos e você não pode chegar à minha casa tarde da noite, tampouco sem avisar.
— Poupe-me de suas lições de moral. Olha quem eu sou e olha quem você é. Eu não tenho tempo, o pouco tempo que tenho, eu uso para vir aqui ser destratada por uma macumbeira que se garante de fazer feitiço, mas nem namorado tem.
— Abaixa esse tom, queridinha. Minha vida pessoal é privada e eu não lhe devo satisfações de minha intimidade, portanto, retire-se desta propriedade antes que eu acione as autoridades e alegue invasão de propriedade, isso, claro, se você não quiser que nossos encontros parem nas páginas dos tabloides.
— Você está querendo me chantagear?
— Entenda como quiser. — Lilly deu de ombros.
— Eu posso muito bem pegar o meu celular e denunciar suas chantagens às autoridades.
— Vá. Se quiser ir em frente, pode ir.
Noviça, escondida atrás das cortinas, espiava a discussão.
— Acontece que quem tem mais a perder aqui é você e aqui quem manda sou eu, nem venha com carteirada para cima de mim, eu não tenho medo de cara feia porque cara feia é fome. Ou você se comporta ou comunico algumas fontes…
Noviça estava tão afoita para ouvir a revelação que se enrolou toda na cortina e tropeçou, derrubando um abajur no chão.
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