Terças com Tita | A Cobra, o Vagalume e a Garota Que Só Queria Viver em Paz

Por Tita | Os Cadernos de Marisol 


Se você nunca foi odiada só pelo fato de existir, considere-se uma pessoa abençoada.

Porque boa parte das pessoas — dentre as quais me incluo — nunca teve o direito de viver em paz.


Desde o primeiro dia de aula, Cássia Reis demonstrou profundo desgosto por mim.

No entanto, ao invés de simplesmente ficar "na dela", fez questão de deixar isso muito claro das maneiras mais covardes — mesmo sem eu ter lhe dado motivo real ou plausível que justificasse aquele ódio desmedido, aquela aversão a troco de nada.


Tentei me aproximar e quebrar o gelo.

Não deu certo.

Revidar, tampouco.

Ignorar, como solenemente pediam os adultos, não rendeu fruto nenhum.


Eu não sabia que as atitudes da Cássia e das amigas dela se chamavam bullying.

A professora Dulce era conivente com a tortura e até participava junto.

A coordenação da escola aconselhava minha mãe a me levar ao psicólogo — afinal, o problema era meu.

Eu, a sensível.

Eu, a que “não sabia aceitar brincadeira”.

Eu, a que “queria chamar atenção”.


Às vezes, duvidei de mim mesma.

Pus-me a pensar se o problema não estaria mesmo dentro de mim.

Talvez eu levasse tudo muito a sério.

Sentisse tudo intensamente demais.

Não me esforçasse o suficiente para me integrar.


Mas a verdade era uma só:

Cássia Reis precisava se reafirmar como a líder da turma — e eu era o alvo perfeito.

A testemunha mais próxima jamais deporia contra ela.


Cresci tentando entender essa obsessão dela em continuar me ferindo.

Não importava o que eu fizesse, ela descobria, ridicularizava, estragava.


Foi já na fase adulta, tratando disso em terapia, que minha psiquiatra, Dra. Doriana, me recomendou a leitura de uma fábula.

“A Cobra e o Vagalume.”


A princípio, parece um texto leve, quase bobo.

Mas não é.


 “Por que você me persegue?”, perguntou o vagalume.

 “Porque você brilha”, respondeu a cobra.


Essa fábula possui uma linguagem breve e acessível, mas nada infantil.

É preciso ter sido ferido profundamente para transformar tentativas de apagamento em uma experiência tão bonita quanto a de ilustrar realidades dentro de uma narrativa fictícia poderosa — como as fábulas.


A simplicidade do texto abriga camadas profundas de verdade e resistência.

Porque às vezes, tudo o que a gente precisa é lembrar que o brilho que incomoda também é o que mantém a gente viva.

Mas o bullying parou?

Na verdade, não.


Hoje temos Minions de Cássia internet afora.

Ainda crentes de que a internet é “terra sem lei”, muitas pessoas sem caráter se escondem atrás de perfis falsos para escrever groselhas que sequer teriam coragem de falar na cara.


Queria ver se a Cássia Reis do mundo virtual teria coragem de repetir em voz alta tudo que escreve.

Não, não teria.

Não teria porque ainda acha que está nos anos 90 — que basta dar o tapa, esconder a mão e contraatacar com uma narrativa falaciosa que me prejudique moralmente.


A Cássia contemporânea persegue, mas acusa a vítima de ser a perseguidora.

Precisa berrar de um palco improvisado pra ver se o carisma natimorto deslancha.

Despreza e ridiculariza tudo que venha da outra, e depois vai lá, copia, achando que está arrasando, como se original fosse.


Hoje, eu não tenho mais medo.

Porque se eu sou o vagalume insistente, é porque meu exemplo precisa alcançar outros corações que também são atacados pelo simples fato de existir.


Entregar-me sem dignidade significa deixar outros sofredores na escuridão. Não cheguei tão longe assim para desistir por tão pouco.

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