Dia dos Namorados Malacubaca (2004) | Dramas, sósias e bigodes (INÉDITO)

O ano é 2004...

 e o Dia dos Namorados caiu num sábado gelado até para os padrões de Balneário dos Anjos, aquela criança convidativa para passar o dia em casa, curtindo o love ou a fossa, mas nem para todos... Noviça, por exemplo, foi escalada para o plantão de Corpus Christi, visto que Edu Meirelles trabalhou no feriado anterior para ficar de molho e curtir sua afamada urticária amorosa, que, como bem sabemos, sempre o ataca nessa época do ano.

🫣 Preto da cabeça aos pés? Confere!

🫣 Chapéu de viúva de novela mexicana? Com certeza!

🫣 Discurso com entonação dramática? Na ponta da língua!

🫣  11 de junho deveria ter 48 horas. E tenho dito.

Ué, por que essas caras de espanto?

 

— Uma mulher do meu quilate deveria ser cortejada com todas as merecidas mesuras, ser despertada pelo cântico angelical de um varão apaixonado e ver os pássaros posarem no peitoril de minha varanda para reger a orquestra que deixaria os maiores mestres despeitados. Caminhar uma trilha adornada de pétalas de rosa até meu ninho de amor... mas, não!  Alguns homens não reparam nas beldades que os cercam até que outro o faça. Fique sabendo que quem espera sentada um dia se cansa e se retira dessa dança solitária de esperar por quem não te espera. Um dia você se dará conta da sua desatenção, mas já será tarde demais...

Noviça não sabia que o Vinte Horas até tinha acabado, mas devido a problemas técnicos, a câmera continuou ligada e o microfone dela também.

— Se está ruim para você, pensa em quem tem coceira na testa e se sente a última Coca-Cola do deserto — debochou um dos cinegrafistas.

— Enquanto isso, seu bofe está só esperando a noite cair para soltar a franga na balada dos solteiros. — Outro cinegrafista comentou.

— O Meirelles? — Noviça cruzou os braços, encafifada, olhando de soslaio para a equipe. 

— Em carne, osso e senvergonhice. — concordou uma editora.

— Pobre Meirelles! Acometido pela urticária amorosa e sendo caluniado pelas costas. — murmurou Noviça. — O pobrezinho está em casa, me prestigiando debaixo dos cobertores, desejando estar aqui ao meu lado e vocês o transformando em alvo de pilhérias.

Noviça enfim olhou para a câmera 3 e percebeu que a luzinha vermelha estava ligada.

— A gente está no ar? Tem notícia extraordinária acontecendo? Não ouvi o Max no ponto!

— Tudo isso está sendo visto pelo pessoal de casa? — A editora arregalou os olhos.

— Vai ver, estamos apresentando o Boletim Extraordinário dos que estão na pior como eu. Não por nada, mas eu colocaria umas músicas aqui para chorar até o nariz ficar todo assado de tanto chorar.

— Eita! Eu, hein? Já não aguento mais assoar o nariz por causa da rinite... e eu sei que se começar a chorar, não vou mais parar.

— Eu e a patroa brigamos — confessa um dos cinegrafistas.

— Eu estou separado da patroa, mas a gente vai continuar morando juntos por causa das crianças.

— Vocês ainda choram de barriga cheia porque se arranjam, mas e eu? — choramingou Noviça. — Eu não consigo nem achar o Santo Antônio no bolo.

— Você acha que está na pior? Eu descobri que meu namorado... namora outra mulher... — revelou a editora. — Namora, não. É... hmmm...

— Não foi por falta de aviso! — lembrou Noviça. — Eu falei que ele era perfeito demais para ser real e que essa história de nunca marcar nada no fim de semana era cilada. Quem vê cara, não vê coração.

— Ele dizia querer ir devagar porque estava traumatizado de relacionamento.

— Não me diga que você acreditou nessa história da carochinha, Manu? Essa aí é uma desculpa típica desse tipo de homem. Ele não quer ir devagar, ele só não quer ser descoberto.

— A essa hora ele deve estar surpreendendo a outra de todas as formas...

— Ou ele pode estar assistindo a essa presepada e suando frio porque foi desmascarado ao vivo. — riu o segundo cinegrafista. — Ou se borrando todo de medo que você dê nome aos bois...

— Às vezes estão brigando porque ele deixou uma toalha molhada em cima da cama.

— Ou porque ele deixou a tampa do vaso levantada.

— Estão fazendo amor — lamentou Manu.

— Se for para ficar choramingando desse jeito, melhor afogar as mágoas na balada.

— Você vai à balada?

— Sou linda, livre, leve e adoro dançar. Já que a entrada de casais é vetada, vou animar a pista de dança porque ficar ouvindo dramalhão cansa a minha beleza.

— Mais dramática do que você, Noviça? Você passou o dia jururu.

— Como diria o próprio Meirelles: se o dia é dos namorados, a noite é dos solteiros.

— Quer apostar quanto que você vai encontrar seu gatão lá na balada?

— Aposto que vou trabalhar em todos os feriados deste ano! — reiterou Noviça.

— Queria ter essa confiança toda! 

— É pegar ou largar!

— Feito!

As colegas trocaram um aperto de mãos.

🤡🤡🤡🤡

Som: Abracadabra - Steve Miller Band.

Se fazia frio lá fora, dentro da casa noturna tinha calor humano até de sobra e, claro, um velho conhecido da Balada dos Solteiros, ninguém menos do que Eduardo Meirelles.

Empolgado, o jornalista dançava alegremente na pista, seus passos desengonçados refletidos pelo globo espelhado e uma multidão que o acompanhava batendo palmas.

Do outro lado, Noviça chegava com Manu e mais alguns colegas de redação para curtir a noite.

😆Edu tirou o paletó? Sim!

😆Esfregou nos ombros como se estivesse se enxugando com a toalha de banho? Com certeza!

😆Tentou reproduzir um Moonwalker? Quase deixou o Michael Jackson estupefato, só que não!

😆 Reconheceu Noviça só por causa do chapéu? ...

— Tive a breve impressão de ter visto o Meirelles — disse Noviça.

— Dizem que você sempre reconhece a pessoa amada em todos os rostos — brincou o primeiro cinegrafista.

— Só posso estar equivocada! Meu Meirelles deve estar em casa, talvez até no quinto sono, curtindo ficar de molho. 

— Além do mais, esse cara dança bem demais para ser o Edu Meirelles. Porque vou te falar: aqueles passos dele dão esdrúxulos!

— Esdrúxulos são os seus comentários, Fred Astaire do Paraguai! — Noviça ralhou com o colega, que até recuou dois passos e retesou os ombros, desculpando-se pela "fala infeliz".

Edu Meirelles reconheceria Noviça até de olhos fechados. Sair sem ser descoberto por ela não estava nos planos, todo ano curtia à vontade sem se preocupar, mas o cupido parecia disposto a armar uma arapuca para estragar a noite dele.

🤡🤡🤡🤡🤡

— Sem chance, rapaz! — declarou o segurança da casa noturna.

— Eu sou figura folclórica dessa festa! 

— E eu sou o próprio Cupido — debochou o homem.

— Eu sou o verdadeiro Edu Meirelles! O senhor precisa acreditar em mim! Sou a alma dessa festa!

🤡🤡🤡🤡🤡

Som: Saxo - Laurent Wolf feat Mary Austin.

Noviça, após tomar algumas taças de vinho tinto, se animou para dançar no meio da pista, fazendo a coreografia da galinha chocando um ovo. 

Os cinegrafistas dançavam para impressionar um grupo de moçoilas, que os ignorou. Manu reconheceu o ex-namorado traste e abanou negativamente a cabeça.

Edu Meirelles aproximou-se de Noviça misturando polichinelo com alguma coreografia tosca e inventada no improviso, como se dissesse, vem fazer mil e uma noites de amor comigo, minha deusa.

— Boa noite, cara Noviça! — saudou o bonitão.

Antes de cair nas graças dele, Noviça não dispensou um sermão pragmático sobre "não se cuidar".

— Essa é a primeira vez que estou vindo aqui.

— Pensa que eu nasci ontem, Meirelles?

— Vim só porque até a meia-noite não paga nada para entrar.

— Será?

— Aceita dançar a próxima música comigo?

🤡🤡🤡🤡🤡

Som: Born to be alive — Patrick Hernández.

Num dado momento da dança, Edu e Noviça se aproximaram tanto que ela reparou num detalhe curioso:

— Decidiu deixar o bigode crescer? — especulou Noviça.

— Deixei só porque sabia que você iria reparar!

— Você sempre disse que não gostava de barba.

— Se você gostar, eu deixo a minha crescer.

— Nunca beijei um homem de barba antes.

— Ou nunca beijou um homem de barba como eu antes? — sussurrou Edu ao pé do ouvido direito dela.

— Nem é convencido... — riu Noviça, acanhada.

📸 Edu Meirelles de bigode? Efeito colateral da urticária amorosa.

📸 Pegando a Noviça? Isso merecia um Boletim Extraordinário.

📸 É sonho da nossa diva? ...

— Venha viver as mil e uma noites de amor comigo!

— Não pense que comigo vai ser fácil, não.

— Por que você não pode acreditar em mim?

— Seu retrospecto não é dos melhores, Meirelles!

— Boa parte é lenda urbana, Noviça. Eu posso te jurar que é intriga da oposição, minha cara. Fui muito injustiçado pela nossa imprensa marrom, alcunhado como um conquistador barato, mulherengo incurável, quando tudo que sou é apenas um homem que demorou para perceber que é com você que eu quero ficar.

— Quantas ouviram isso antes de parar na sua cama, hein? Pode esquecer!

Edu deu as costas para ela e caminhou até a cabine do DJ. Só de gesticular, o rapaz compreendeu a mensagem e abaixou o som:

— Embora a balada seja dos solteiros, nada impede que o cupido trabalhe nos bastidores. Temos aqui um amigo que quer um minuto da atenção de vocês. Logo mais, uma sequência para não deixar ninguém ficar sentado! 

Edu, segurando um microfone sem fio, aproximou-se de Noviça:

— Minha nobre colega, estou aqui diante de toda essa multidão para declarar que este foi o último Dia dos Namorados que você passou sozinha e o último ano que frequentaremos a Balada dos Solteiros. Quer ser minha princesa para sempre?

Edu até se ajoelhou na pista de dança.

— A Noviça desencalhando? — exclamou Manu, abraçada com o ex que nunca foi totalmente ex.

— O Edu não perde por esperar na segunda-feira — comentou o segundo cinegrafista. — Tudo bem que a gente fica meio doido quando bebe, mas dessa vez ele foi longe demais!

— Nunca esperei tanto uma segunda-feira como estou esperando a próxima! — concordou o primeiro cinegrafista.

— E esse bigode?

Noviça se sentia uma autêntica personagem de comédia romântica, vivendo a esperada redenção amorosa...

😍 Galera ovacionando o casal? Teve.

😍 Trilha sonora? Com certeza!

😍 Beijo de cinema? ...

— Tira as mãos dela, seu descarado! — berrou Edu Meirelles para... Edu Meirelles.

Não, você não leu errado. 

— Cai fora, paspalho! A gatinha está acompanhada!

— Gatinha? — Noviça demonstrava indignação. — Gatinha é a minha filha. Eu sou uma leoa!

— Você é a deusa que me mantém! — sorriu o Edu de bigode. — E quanto a você, seu paspalho, pare de se passar por mim agora mesmo!

— Não tem vergonha de se prestar a esse papelão ridículo? — pressionou o Edu sem bigode. — E ainda me gruda esse bigode ridículo!

— Meu bigode é autêntico!

— Tão autêntico que grudou no microfone!

Ops...

— Que raios está acontecendo aqui? — interveio o nada simpático segurança da casa noturna. 

Edu sem bigode só entrou na balada porque uma turma de menores de idade invadiu o local e o segurança entrou na pista para caçar os invasores, mas nem ele esperava dar de cara com Edu Meirelles em dose dupla.

— Eu estou alucinado ou o quê?

— Eu sou o verdadeiro Edu Meirelles! — os dois Edus disseram em uníssono.

O DJ voltou do banheiro e também parou para acompanhar aquela movimentação atípica ao som de música romântica.

— Vocês estão muito preocupados em saber quem é o verdadeiro Edu, mas ninguém está preocupado em saber como vou dar conta de dois bonitões. Eu, que não tinha nenhum, estou com dois. Inverti a lógica. Para acentuar o drama, ainda por cima, ambos são tão parecidos que posso me confundir.

— Eu sou o verdadeiro! — antecipou-se o Edu do bigode fajuto. — Sou todo seu, minha deusa! 

— Eu sou o verdadeiro, Noviça. Acredite em mim! Esse aí é um farsante querendo tirar onda com a minha cara!

— Você sempre tinha dito que não tinha irmãos, quanto mais um gêmeo! — comentou ela.

— E não tenho mesmo!

— Nem um irmão perdido ou desconhecido?

— Menos ainda!

— Um primo distante?

Edu sem bigode deu de ombros.

— Quem explica essa coincidência?

Uma mulher muito parecida com Noviça, mas usando uma peruca escura, entrou na roda e encheu o Edu do bigode fajuto de tapas.

— Eu posso explicar!

O Edu do bigode fajuto se escondeu atrás do verdadeiro para escapar da fúria da esposa.

— Mentindo que tinha ido servir sopa aos moradores de rua, seu cafajeste?

— Ô, cara, você pegou pesado! — opinou o verdadeiro Edu.

— E ainda por cima posando de galã mexicano, seu sem-vergonha! 

— Eu menti, é verdade, mas tudo tem uma razão.

— Sei bem a sua razão: soltar as frangas, Carlos Eduardo Meirelles.

— Querida, eu estourei o limite do cartão de crédito para te proporcionar um dia especial, então, vim aqui ganhar uns trocados me passando pelo Edu Meirelles. Ganho uma nota que não está escrita só posando para fotos. Cada um se vira do jeito que dá, meu bem. Ficar com o nome sujo é que eu não vou.

— Precisa levar o personagem tão a sério, Carlos Eduardo? — indagou a esposa.

— Ossos do ofício.

— Então toda aquela história de ser meu sultão nas mil e uma noites de amor era mentira? — lamentou Noviça, à beira das lágrimas.

— Você caiu no golpe do sósia! — concluiu Edu Meirelles, o verdadeiro, com as mãos nos bolsos da calça. Que maravilha, eu tenho um sósia. Se der merda, basta colocar a culpa nas costas do sósia. Esse foi o melhor Dia dos Namorados da minha vida!

Noviça saiu da casa noturna aos prantos e Edu Meirelles a alcançou. Eles pararam na calçada e ela baixou o olhar.

— Não por nada, Noviça, mas tome cuidado da próxima vez para não cair em cilada.

— Cilada? 

— Esse cafajeste que se passou por mim estava tentando enganar você! E ainda por cima prometendo mundos e fundos!

— Logo vi que estava bom demais para ser verdade — suspirou Noviça, resignada. — Quem armou uma boa cilada para mim foi esse meu cupido destrambelhado, isso sim!

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Na segunda-feira, a redação ficou em polvorosa com os babados do fim de semana. Noviça recebeu muitos e-mails de espectadores que também não tiveram um Dia dos Namorados dos mais românticos e nossa diva, é claro, jurou a si mesma e deu um ultimato ao cupido para ele se espertar porque aquele foi o último 12 de junho que ela passou sozinha, muito embora o spoiler mais óbvio é que já se passaram 21 anos e tudo continua (quase) na mesma.

Por onde anda o sósia? Bem, isso é assunto para outro especial!