Os Desencontros do Cupido | 8⁰ Capitulo

— Que história é essa? — Luciana, aos gritos, chamou a atenção de todos na redação. Seus olhos brilhavam com raiva e decepção.
— Pois não, Luciana? — fez Bilu. 
— Que história é essa? — Os olhos da atriz brilhavam furiosamente enquanto ela marchava até a mesa de Bilu.
— Pois não, Luciana? — respondeu Bilu, levantando-se calmamente e encarando-a.
— Pois quero conversar com quem manda aqui nessa pocilga.
— Sinto muito, mas aqui não é uma pocilga, é uma redação e nós trabalhamos duro — Bilu corrigiu Luciana sem desviar o olhar. — Não sou sua garotinha de recados. Resolva seus problemas pessoais fora da Malacubaca.
— Eu te perguntei alguma coisa? — Luciana hostilizou a jornalista, avançando um passo.
— Não, mas se lhe foi informado que Edu Meirelles não aparece nesta redação há semanas, procure-o fora daqui no lugar de armar escândalos desnecessários — Bilu replicou, firme.
— Você chama de “escândalo desnecessário” eu ser ignorada em pleno Dia dos Namorados? Você acha isso pouco?
— Eu não tenho que achar nada. Estou dizendo o que qualquer um aqui sabe: Eduardo Meirelles saiu de férias e só deve voltar depois do feriado. Agora, onde ele está e o que está fazendo não é da minha conta. Você, que é noiva, é quem deveria saber.
— O meu noivo foi para a Argentina e parece que se esqueceu de me incluir nisso. Não satisfeito, me prega a peça de mandar um cartão sem nem assinar a porcaria do nome. Pior, pior ainda. Fontes me garantem que metade dessa pocilga aqui recebeu cartãozinho.
— E daí?
— Incluindo você.
— Não me inclua nessa! — Bilu devolveu.
Noviça retesou os ombros e seguiu escrevendo um rascunho no e-mail.
— Era a trabalho — argumentou Vespúcio, para defender Bilu. — Pelo que soube, o Edu foi gravar uma série de reportagens e uma equipe o acompanhou. Para ele estar incomunicável, foi para Ushuaia.
— Que se dane se ele foi para Uchuiaia, Urucuchaia… Eu não tolero ser humilhada dessa forma e quero esclarecimentos.
— Eu consigo os maiores furos, mas ainda não desenvolvi a habilidade de telepatia — ironizou Noviça, sem levantar os olhos do monitor. — Sinto muito se feri o ego da Namoradinha do Brasil.

Os olhos raivosos de Luciana davam a impressão de saltar para fora das órbitas. Tinham fome de sangue e de atenção também.

— ELE NÃO PODIA TER FEITO ISSO. ELE POR ACASO SABE QUE ESTÁ NOIVO DA NAMORADINHA DO BRASIL? ELE TINHA QUE, NO MÍNIMO, ME SURPREENDER!
— Mas aí não seria surpresa! — Vespúcio murmurou, meio sem querer.
Eu te perguntei alguma coisa, seu palerma? — Luciana retrucou, virando-se abruptamente para ele.
— Desculpe, eu só queria ajudar… — desculpou-se Vespúcio, com um tom submisso.
— Não se meta onde não foi chamado!
— Educação é uma virtude que o dinheiro não compra — Bilu alfinetou, de braços cruzados.  
— Ô pinscher raivoso, fica na sua porque eu não falei com você!  

Bilu deu de ombros.  

— Tenho mais o que fazer do que dar atenção a assuntos e pessoas insignificantes, mas acho que você deveria passar o texto da novela no seu camarim, não na redação.  
— ELE VAI PAGAR! ELE VAI PAGAR POR ESTAR HUMILHANDO LUCIANA ANDRADE! — Luciana desferiu bolsadas contra a parede, transtornada.  

Uma funcionária ofereceu-a um copo de água com açúcar, rejeitado pela atriz, que empurrou o braço da mulher e acertou o conteúdo em Bilu.  

— Sabia… — Bilu revirou os olhos. — Quem foi a língua de trapo que andou contando?  

Vespúcio sinalizou com a cabeça que não, porém Bilu, intrigada, voltou a usar o computador. Noviça fez uma careta e apanhou o telefone. A funcionária acalmou a atriz e levou-a para longe da redação.

Os burburinhos continuaram na redação, com todos lançando olhares curiosos e sussurrando entre si. Algumas mulheres seguravam seus cartões com desdém, enquanto outras observavam a cena com uma mistura de espanto e divertimento.

— Isso aqui virou um circo — murmurou Patrícia, tentando esconder um sorriso.
— Quem diria que um simples cartão poderia causar tanto estrago — comentou Mariana, balançando a cabeça.

Bilu suspirou, observando a confusão se dissipar lentamente. 

— Se há algo que aprendi aqui, é que nunca há um dia tedioso — comentou, voltando a digitar no computador.

Noviça, ainda ao telefone, lançou um último olhar para Luciana sendo escoltada para fora. 

— Isso vai ser manchete no próximo e-mail — disse, sorrindo maliciosamente.

Enquanto isso, Luciana ainda murmurava ameaças sob a respiração pesada, prometendo vingança por sua humilhação. A redação retornava lentamente à normalidade, mas todos sabiam que aquele dia seria lembrado por muito tempo.

💘💘💘
  

Jaqueline trabalhava meio-período em uma badalada sorveteria para poder bancar a própria viagem de formatura no fim do ano. Entretanto, gostaria de ter faltado. Teve a impressão de que todos os casais adolescentes do mundo desembocaram lá. A sorveteria estava lotada, com mesas cheias de jovens rindo e trocando olhares apaixonados.

Eram tantos pedidos que Jaqueline temia se confundir, porém, enquanto ia de uma parte a outra para dizer as mesmas frases prontas de sempre, não pensava nos acontecimentos da manhã, nem dava espaço para a mente arquitetar uma teoria da conspiração atrás da outra.

Quando o expediente acabou e a garota agradeceu a boa movimentação porque recebeu muitas gorjetas, viu Mike chegando à sorveteria com um grupo de amigos. 

O coração de Jaqueline deu um salto ao vê-lo. O garoto passou por ela, que ainda usava o avental colorido por cima da roupa, e desviou do caminho como se fosse um supersticioso fugindo de um pavor.

Será que ele viu o bilhete e não quis responder? Será que o Bruno não teve coragem de me contar porque não queria me magoar? Será que tem algo de errado comigo?, pensava Jaqueline, sentindo uma pontada de tristeza.

Eram pensamentos insistentes, mas perigosos porque davam brecha para que a autopiedade se instalasse de vez.  

💘💘💘

Já em casa, Jaqueline se olhava no espelho de corpo inteiro e lamentava não ter um busto avantajado. Talvez Mike se sentisse atraído se ela tivesse formas mais femininas e não tão infantis ainda. 

Com os olhos cheios de lágrimas, Jaqueline atirou-se na cama e enfiou o rosto em meio aos travesseiros. Sentia-se inadequada e insegura.

Não demorou muito para que Pitico e Scorpion, seus cães, adentrassem o quarto e subissem na cama, tentando de todo jeito confortá-la. Eles lambiam suas mãos e se aninhavam ao seu lado, oferecendo o consolo silencioso que só os animais de estimação sabem dar.

— Jaqueline… — A voz era de Noviça, ecoando pelo corredor.
— Já chegou, Jaqueline?

Noviça entrou no corredor, reconheceu a porta do quarto da filha entreaberta e encontrou-a chorando. 

— Maldito seja o Dia dos Namorados! — praguejou Noviça. — Fez outra vítima!

Jaqueline sentou-se na cama e apanhou o travesseiro. Noviça fez menção de acompanhá-la e enxotou os cães, que não a obedeceram.

— Mãe, tem algo de errado comigo? — perguntou Jaqueline, com a voz embargada.
— É claro que não, filhota. — Noviça segurou nas mãos da filha, olhando-a nos olhos.
— Por quê?
— Porque o Mike nem repara em mim!
— Por que você ainda perde tanto tempo se importando com a opinião de um menino que não merece? — Noviça perguntou, tentando confortá-la.
— Em outra circunstância, eu devolveria a pergunta, mas estou tentando entender por que o Mike não me nota. Será que sou muito feia? — Jaqueline perguntou, sentindo as lágrimas escorrerem pelo rosto. 
— Se tem algo que as mulheres da nossa família passam longe de ser, esse algo é “feia”. Fomos agraciadas com uma beleza natural e estonteante. Temos o poder, Jacky. Temos o poder. — Noviça respondeu, acariciando o rosto da filha. — Alguns homens são bobos demais e não enxergam a verdade nem que ela esteja debaixo do nariz deles.
— Não sei o que faço.  
— Você só está sozinha porque quer, filhota. — Explicou Noviça, trazendo Jaqueline para um abraço. — O Rodrigo não é feio, não.

Jaqueline afastou-se da mãe, surpresa. 

— De onde a senhora tirou essa ideia, mãe? O Rodrigo é só meu amigo!
— Conheço vários casais que disseram o mesmo e o tempo os desmentiu. — Noviça abriu um sorriso sapeca na intenção de animar a filha. Torcia muito para que um dia Jaqueline percebesse o óbvio e que não fosse tarde demais.
— O Rodrigo nem fala em garotas e nós nos vemos como irmãos.
— Por algum motivo, só de falar nisso, você fica nervosa.
— O Rodrigo? Eu o vejo como um irmão. Sem chance. Nós nunca daríamos certo. — Jaqueline não parava de balançar a cabeça, agoniada. Pensar em Rodrigo daquela forma soava uma heresia.
— Ele não fala de outras garotas na sua frente porque a única garota da vida dele é você!
— Você tem cada ideia, mãezinha! — Jaqueline abraçou a mãe novamente. — Obrigada por tentar me animar, mas essa ideia é absurda.
— Nem tanto assim. — Noviça deu uma piscadela, soltando a filha e enxugando suas lágrimas.

Fez-se um silêncio e Jaqueline quebrou-o com a confissão de que surrupiou um cartão para dedicar a Mike, na esperança de conquistá-lo ou ter algum tempo para isso.

— Mas, e aí? — Quis saber Noviça, curiosa.
— O Mike não deu resposta. Ou deu. — Jaqueline engoliu em seco. — Vai ver pensa que ando matando as aulas de português. — Ela levou às mãos para a cabeça, desesperada. — Ai. Meu. Deus. Tudo que eu menos queria era passar vergonha.
— Também, né? Quem mandou pegar cartão que o Luís Carlos fez?
— O Luís Carlos?
— Em nome do Meirelles.
— Muito me surpreende que um jornalista formado tenha um português tão sofrível.
— O Edu não é formado em jornalismo.
— Não? Só entrou na TV por ser bonitão?
— Sim e não. Na verdade, o Meirelles é formado em Direito, mas nunca quis exercer. Ele teve uma oportunidade e um pouco de sorte, o resto é história.
— Eu achava que só apresentava jornal quem se formava em jornalismo.
— Temos algumas exceções a essa regra e o Edu é uma delas.
— Ah, claro… não podia ser coisa boa, mas me explica melhor a situação porque não estou entendendo mais nada. — Um sorriso voltou a aparecer no rosto da garota.
— Metade da redação da Malacubaca recebeu o mesmo cartão. — Noviça fez o biquinho característico de quando tentava segurar as lágrimas ao falar sobre a polêmica que movimentou o dia.


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