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Terças com Tita | Manifesto de uma mulher que se recusa a se encaixar

 


Manifesto de uma mulher que se recusa a se encaixar
Por Tita | Os Cadernos de Marisol


Sinto, dia após dia, o olhar enviesado de quem espera que eu me encaixe.

Porque não suporto blazer que me aperta, salto que me cala, nem a obrigação de parecer adulta para satisfazer expectativas alheias.

Gosto de roupas que contam quem sou — e não de figurinos pensados para agradar o LinkedIn dos outros.

Julgar meu profissionalismo pelo que visto é uma das formas mais escancaradas de misoginia estrutural.

A régua da maturidade é torta. E pesa só para um lado.

Barriga negativa e o peso da superficialidade

O intelecto está de barriga vazia, e a obsessão pela estética nos conduz ao ápice da estupidez e intolerância.


Em tempos de onde modismos vêm e vão, a busca pela aparência “perfeita” parece estar conduzindo a sociedade a um ciclo interminável de tendências vazias. Sejam os padrões de barriga negativa, músculos à mostra, ou as dietas extremas que prometem resultados milagrosos, a prioridade da estética sobre o caráter nos desafia a refletir: até onde estamos dispostos a ignorar o essencial por aquilo que é passageiro?

Por que eu não suporto o que todo mundo ouve?


Por que eu não suporto o que todo mundo ouve
(um desabafo em tom menor)

Eu não sou feita de barulho.
Nunca fui.
Enquanto o mundo gira ao som de batidas que mais parecem buzinas emocionais, eu sigo procurando silêncio, pausa e letra que me respeite.

Editorial OCDM |Quando a beleza mata: reflexões sobre a estética do retrocesso


Há quatro anos, li uma reportagem sobre o retorno das calças de cintura baixa, impulsionado pelo revival da estética Y2K. Para muitas de nós, mulheres que cresceram naquela época, esse revival traz à tona um ciclo de padrões antigos que continuam a afetar a forma como somos vistas. 

A obsessão por cabelo liso extremo e um corpo esquelético ainda ressoam como uma ditadura silenciosa, que levou muitas de nós a adoecer na tentativa de atender a esses padrões. O número do manequim, como sempre, continua sendo o critério de aceitação, e isso é preocupante.

Houve uma lufada de esperança com o advento do movimento body positive, que prega a autoaceitação do próprio corpo, nos ajudando a expandir nossas percepções sobre beleza e valor. Parecia que o mundo estava demonstrando uma transformação profunda em relação a isso, que nesses tempos sombrios, a resistência se levantaria em favor de uma realidade mais saudável, onde cada uma seria seu próprio padrão.

A ideia aqui não é demonizar a busca por uma melhor qualidade de vida e bem-estar. É sobre refletir que o retorno da tendência Y2K veio com mais força, trazendo de volta não só as calças de cintura baixa e a ditadura do cabelo liso, mas também uma forma sorrateira de aprisionar a mulher, frear seu empoderamento e minar sua autoestima.

Não é coincidência. Naomi Wolf, em seu livro O Mito da Beleza, já apontava que os padrões de beleza muitas vezes se intensificam justamente quando as mulheres conquistam avanços sociais. Segundo Wolf, quando as mulheres ameaçam romper barreiras e ocupar espaços antes negados, o sistema responde criando novas formas de controle — e a beleza, nesse cenário, se transforma em mais uma prisão.

Até mesmo os critérios para ser considerada magra são mais cruéis do que há duas décadas: hoje, é preciso parecer um cadáver ambulante com shape de academia. Não à toa, a “canetinha mágica” se popularizou mais do que deveria. Embora tenha um propósito legítimo no tratamento do diabetes, seu uso foi banalizado, graças à exposição de artistas que são mais valorizadas na mídia pela "boa forma" do que pela mensagem que deveriam deixar aos fãs.

Para quem viveu aqueles tempos horríveis, tem sido pavoroso estar no meio desse fogo cruzado de cobranças e pressões. Como se ser mulher já não fosse tortuoso o bastante — enfrentando o medo constante de ser violentada e vivendo num mundo feito para os homens —, o controle sobre nossos corpos se mostra um atentado contra a criatividade e a autenticidade.

Ser extremamente magra é promessa de felicidade? Bem, é isso que nos vendem não só nas revistas, mas impõem nas redes sociais, no círculo de amizades, nos produtos midiáticos, silenciando as vozes sensatas que propõem uma reflexão mais séria do retrato de uma sociedade frívola, imediatista e pautada em pilares frágeis.

Sucumbir à moda da magreza extrema é assinar um acordo de rendição, cuja moeda de troca pode ser o próprio sopro de vida.

Clean girls: minimalismo do retrocesso


Essa nova onda não acontece isoladamente. Outra face moderna dessa tentativa de controle é a tendência “clean girl”, que começou a ganhar força nas redes sociais entre 2021 e 2022, especialmente no TikTok. Inspirada na estética minimalista, de aparência “natural” e “perfeita sem esforço”, a clean girl é a mulher de pele impecável, cabelo alinhado, roupas básicas e aparência polida — mas tudo isso exige tempo, dinheiro e, claro, muita disciplina estética para manter o “ar de naturalidade” que, no fundo, é artificial.

A exigência não é só estética: é também comportamental. A clean girl precisa ser discreta, sorridente, elegante, silenciosa. Precisa parecer saudável, mas sem exagero. Sensual, mas jamais vulgar. Uma reconstrução moderna da boa moça dos anos 1950 — que deveria agradar os homens sem jamais ameaçá-los.

Essa estética, aparentemente inofensiva, tem raízes na construção de um padrão inatingível e superficial de perfeição, que mais uma vez coloca as mulheres como objetos a serem admirados por sua aparência, principalmente por seus pares masculinos.

A romantização da "clean girl" reforça um estereótipo de beleza que, como outras tendências anteriores, limita a autonomia da mulher. Embora em tese ela pareça representar empoderamento e autossuficiência, no fundo, carrega consigo a pressão de atender aos padrões de um "modelo" desejado e aceito pela sociedade, em grande parte controlado pelos interesses de consumo e imagem.

Ao se comparar a essas representações midiáticas, as mulheres se veem forçadas a lutar pela aprovação masculina, perpetuando a ideia de que seu valor está atrelado à sua aparência e à sua capacidade de agradar aos outros, um reflexo de como o patriarcado ainda opera nas pequenas e grandes narrativas da cultura contemporânea.

A abordagem crítica dessa tendência não é sobre criticar quem adota esse estilo, mas refletir sobre os efeitos dessa pressão estética que, como afirma Naomi Wolf em O Mito da Beleza, está diretamente ligada ao controle da imagem feminina, algo que nos é imposto desde a adolescência e que, com o tempo, vai se enraizando em nossas mentes como um ideal a ser perseguido a todo custo.

Ao mesmo tempo em que algumas mulheres são seduzidas pela estética clean girl, uma reação conservadora se fortalece, empurrando-as novamente para papéis tradicionais e muitas vezes opressores. Como falado por Susan Faludi em Backlash: The Undeclared War Against American Women, a cada avanço significativo das mulheres, surge uma tentativa de retroceder suas conquistas, disfarçada de escolha e glamour. A tendência clean girl, assim como o culto das 'trad wives', é uma das várias formas de minar a autonomia feminina e a verdadeira liberdade.

Engajamento e irresponsabilidade: quando a desinformação coloca a vida em risco 


A responsabilidade dos influenciadores nas redes sociais é um tópico crucial, especialmente quando consideramos como suas postagens contribuem para a perpetuação de padrões estéticos prejudiciais. Muitos promovem dietas e rotinas de exercícios sem respaldo científico, alimentando a desinformação e colocando os seguidores sob uma pressão desnecessária para atingir o "corpo perfeito". 

Em O Mito da Beleza, Naomi Wolf discute como a mídia e a sociedade impõem padrões inatingíveis às mulheres, sendo esses influenciadores um reflexo disso. As promessas de transformação rápida ignoram as reais necessidades de bem-estar físico e emocional.

Nos Estados Unidos, por exemplo, um estudo realizado pela Pew Research Center em 2019 revelou que apenas 24% das mulheres preferem ser donas de casa em vez de trabalharem fora, o que demonstra que a maioria das mulheres prefere a independência profissional. A visão de uma "trad wife" não só retrocede o papel feminino, mas também nega a ideia de que as mulheres podem, e devem, ter escolhas livres sobre suas vidas e seus destinos.

O retorno da moda Y2K e a nostalgia da magreza extrema


Nos anos 2000, a internet ainda engatinhava, mas já começava a formar comunidades que giravam em torno da glorificação da magreza extrema. Blogs e fóruns “pro-Ana” (anorexia) e “pro-Mia” (bulimia) espalhavam “diários” de dietas absurdamente restritivas e incentivavam jovens a atingir padrões impossíveis. A estética exaltava clavículas saltadas, ossos do quadril aparentes, barriga seca e coxas separadas — como se tudo isso fosse sinônimo de beleza e sucesso. Pior: associava o corpo gordo a ideias de fracasso, preguiça e falta de valor.

Essa mentalidade, ainda que aparentemente esquecida por algum tempo, nunca desapareceu. Apenas mudou de máscara. E agora, com a volta da moda Y2K, vemos ressurreições dessas referências perigosas sob o pretexto da nostalgia: o retorno da calça de cós baixo, da cultura da magreza extrema como um "padrão estético desejável", das roupas feitas para corpos quase infantis.

Hoje, diferentemente dos anos 2000, existem mecanismos nas redes sociais que tentam sinalizar quando alguém procura por termos ligados a transtornos alimentares, sugerindo ajuda profissional. Mas o culto à magreza continua sendo onipresente — só que agora se disfarça no discurso da “vida saudável”. E aí entra outro problema: a avalanche de desinformação propagada por falsos especialistas.

No Brasil, por exemplo, uma pesquisa de 2021 realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) revelou que 48% das mulheres brasileiras têm alguma insatisfação com seu peso. Isso se reflete também em dados alarmantes sobre transtornos alimentares, que afetam especialmente mulheres jovens. 

Segundo o Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA, a prevalência de transtornos alimentares, como anorexia e bulimia, aumentou significativamente nos últimos anos, com a pressão para alcançar um corpo magro sendo um dos fatores de risco.

A cada deslizar de dedo, somos bombardeadas por dicas de nutrição vindas de influenciadores sem qualquer formação séria na área. Pessoas que usam seus seguidores como aval de credibilidade, vendem dietas milagrosas, cursos de emagrecimento duvidosos e se autopromovem como se popularidade fosse sinônimo de competência. Isso não apenas perpetua o ciclo de insatisfação corporal, mas também coloca em risco a saúde de quem, sem saber, confia em promessas sem embasamento.

A escritora Roxane Gay, em seu livro "Fome: Uma autobiografia do meu corpo", traz um relato profundo sobre como a cultura da magreza destrói a autoestima e como a pressão social molda o relacionamento que mulheres têm com seus corpos desde a infância. A obra de Gay serve como alerta: não é sobre "escolha pessoal", é sobre sobrevivência num mundo que, a cada década, inventa novas formas de controlar nossos corpos e nossos sonhos.

O espetáculo do mau-caratismo e a indústria da culpa


Com o crescimento das redes sociais, um novo tipo de mercado floresceu: o da transformação pessoal instantânea. Só que, por trás da promessa de "vida saudável", "autoestima elevada" e "corpo dos sonhos", o que se consolidou foi uma indústria bilionária baseada na culpa feminina.

Influenciadores sem formação adequada — que misturam dicas vagas de nutrição, coaching motivacional e estética — vendem a ideia de que a felicidade e o sucesso são alcançados através do corpo magro, tonificado e “perfeito”. Mas, para isso, é preciso consumir: consumir suplementos, consumir cursos, consumir rotinas extenuantes, consumir a ilusão de que a transformação é uma questão puramente de "força de vontade".

A escritora Bell Hooks, em seu livro "O feminismo é para todo mundo", já alertava que a sociedade capitaliza sobre as inseguranças das mulheres, transformando cada etapa da vida feminina em mais um produto a ser vendido. Segundo Hooks, enquanto a mídia reforça padrões inalcançáveis de beleza e sucesso, cria também uma demanda infindável por soluções mágicas — soluções que, no fundo, alimentam o sistema em vez de libertar quem consome.

O resultado desse espetáculo é perverso: as mulheres são levadas a crer que o problema está nelas — na falta de disciplina, na suposta "preguiça", no "não querer o suficiente" — quando, na verdade, o verdadeiro problema é um sistema inteiro que lucra com a nossa eterna sensação de insuficiência.

A "energia feminina" vendida como mansidão, a "cara de rica" traduzida em cabelos lambidos e peles impecáveis, a ideia de que uma mulher valiosa é a que melhor performa esses padrões: tudo isso não é liberdade de escolha. É marketing.
É capitalismo travestido de autocuidado.

Movimento Body Positive: uma resposta à opressão estética


Diante da pressão incessante para atender a padrões irreais, surgiu uma reação poderosa: o movimento Body Positive. Originado no final dos anos 1990 e fortalecido na década de 2010, o body positive propõe uma visão radical: todo corpo é digno de respeito e representação, independentemente de seu tamanho, forma, cor, idade ou capacidade.

Essa filosofia surge como uma recusa direta à lógica de que a autoestima feminina deve ser condicionada à aceitação ou aprovação alheia. Ao contrário, prega que autoestima é um direito inegociável.

A ativista e escritora Sonya Renee Taylor, autora de "The Body Is Not an Apology" (em tradução livre, "O Corpo Não é um Pedido de Desculpas"), reforça que o amor-próprio não é apenas um ato individual, mas também uma postura política que combate sistemas de opressão que se alimentam da nossa autocrítica.

O movimento body positive não nega a importância de cuidar da saúde. O que ele contesta é a ideia de que saúde tem um padrão estético único, e que a felicidade está condicionada a esse molde.
Amar e respeitar o próprio corpo não significa desistir de si mesma — significa, sim, recusar a narrativa de que apenas um tipo de corpo é válido.

Apesar das tentativas do mercado de esvaziar o movimento e transformá-lo em mais uma vitrine de consumo, sua raiz continua forte: um chamado para que mulheres sejam donas de si, de sua história e de sua própria imagem.

Ter vivido a dor dos transtornos alimentares nos anos 2000 e, agora, ver novas formas de opressão surgirem, só reforça em mim a certeza de que precisamos resistir.
A pressão para nos moldarmos a padrões inatingíveis não traz a felicidade que prometem; apenas esvazia sonhos, silencia revoluções interiores e nos afasta de quem somos.
Cada vez que recusamos essa imposição, reafirmamos que nossa existência vale mais do que caber em moldes sufocantes.
A beleza está em resistir. A liberdade, em ser.

Diante de tantas armadilhas disfarçadas de tendência, é preciso coragem para enxergar além da estética e reivindicar o direito de existir fora das expectativas que nos impõem.

A beleza verdadeira não está em caber nos moldes de cada nova moda, mas em resistir, questionar e cuidar de si com honestidade, sem se render às pressões silenciosas que vendem submissão como escolha. Não devemos mais aceitar que o padrão mude como estratégia de contenção social.

O corpo, a voz e o destino pertencem a quem os habita — e a liberdade nunca esteve na aprovação dos outros, mas na nossa própria aceitação.

Caderneta de um quase-cisne 🔮



Tem dias em que o mundo pesa mais do que o corpo aguenta.
Em que um pingo de chuva parece tempestade, e o espelho só devolve um reflexo borrado pelas lágrimas.
Dias em que a gente se sente um patinho feio, perdido entre os gritos de gente que nunca nos enxergou de verdade.

Mas tem também aqueles momentos — mesmo que pequenos, mesmo que inventados — em que o coração se permite sonhar.
Com um beijo na testa, com um "você merece mais", com um "se cuida".
Com um dia em que o grito do cliente não vai definir nosso valor.
Com um lugar em que a filha possa chorar e a mãe enxergar.
Com bombons que não sejam só para os de colarinho branco.
Com um tempo em que a gente pare de aceitar migalhas, e perceba que sempre foi pão inteiro.

E mesmo que ainda não tenha acontecido, mesmo que tudo esteja só aqui dentro, na imaginação...
Isso já é real.
Porque é a semente.
E toda flor que um dia nasce — primeiro sonhou em silêncio, debaixo da terra.

Hoje eu sonhei.
Hoje eu me lembrei que não sou patinho.
Sou cisne de livro fechado.
E vai chegar o dia em que alguém vai abrir minha história na página certa.

Terças com Tita | Os 500 anos que ela não conseguiu comemorar

Para Tita, os 500 anos do Brasil não eram um motivo de celebração, mas uma oportunidade de reflexão.

Parece que foi ontem, mas há exatos 25 anos, o Brasil se preparava para as comemorações dos 500 anos de seu descobrimento. Para quem nasceu depois disso, a terceira temporada de Simplesmente Tita traz uma reflexão profunda sobre a data, onde a personagem central se vê diante de um dilema ao questionar aspectos importantes sobre os registros históricos e os absurdos praticados pela diretora da escola, Norma, em prol do “Grande Dia”. Aos 12 anos, Tita já percebia as contradições e as marcas deixadas pela colonização, refletindo sobre o real impacto desse aniversário para o país.

O Dilema de Tita: Comemorar ou Questionar?

Tita, com seu olhar crítico, observava a diretora Norma transformando o evento em um espetáculo. A coleta de dinheiro dos alunos e as arrecadações de chocolates e doces, que muitas vezes eram desviados para a família da diretora, aumentavam o desconforto da menina. “Como comemorar algo que começou com a destruição das culturas dos povos originários?”, essa era a pergunta que ecoava em sua mente.

Antes da chegada dos colonizadores, os povos tradicionais da região já possuíam suas próprias culturas, costumes e tradições. Tita não entendia como o Brasil poderia celebrar os impactos da colonização enquanto ainda carregava tantas cicatrizes históricas. Esse conflito entre o entusiasmo da escola e sua percepção crítica dificultava sua participação na festa com qualquer tipo de alegria.

O Concurso de Beleza: Reflexão sobre Representatividade

Durante os preparativos para as comemorações, a diretora Norma anunciou com entusiasmo a realização de um concurso de beleza entre as alunas, para “valorizar a cultura brasileira e a beleza da juventude”. Para Tita, a proposta soava completamente fora de lugar.

“O que isso tem a ver com educação?”, ela se perguntava. “E como podemos falar de representatividade se todas as meninas que ganham esses concursos seguem um padrão que nem parece com a maioria de nós?”

Tita observava as candidatas e percebia que os elogios da escola recaíam sempre sobre meninas de olhos claros, cabelos lisos e traços eurocêntricos — um reflexo direto do apagamento de tantas outras belezas brasileiras. O concurso, assim como a festa dos 500 anos, parecia mais uma encenação do que uma verdadeira homenagem à diversidade do Brasil.

Celebrar o quê?

Para Tita, os 500 anos do Brasil não eram um motivo de celebração, mas uma oportunidade de reflexão. Ela expressava suas ideias de maneira criativa e sempre buscava formas de dar voz aos que, como os povos originários, muitas vezes ficavam à margem das celebrações.

Apesar de sua revolta silenciosa, Tita nunca perdeu a capacidade de pensar além do que estava sendo mostrado. Para ela, a festa parecia ignorar uma parte essencial da história, deixando de lado a resistência e as lutas dos povos tradicionais que já habitavam o território brasileiro. Mesmo tão jovem, sua mente estava dividida entre a inocência da infância e o despertar de um pensamento crítico.

Indagação e inquietação

Norma, a diretora da escola, estava determinada a tornar a celebração dos 500 anos grandiosa. Isso significava pedir contribuições financeiras para bancar a festa e até arrecadar chocolates e doces, que misteriosamente nunca chegavam à festa, mas sim à casa da própria diretora.

Tita observava tudo com desconfiança. Aos 12 anos, ela ainda não sabia exatamente como expressar sua indignação, mas algo estava claramente errado. Como alguém podia celebrar uma história marcada pela exploração e, ao mesmo tempo, reproduzir gestos tão questionáveis?

“Por que estamos comemorando, se ainda carregamos as marcas dessa colonização?”

Enquanto todos ao seu redor estavam envolvidos na euforia da celebração, Tita se via cada vez mais distante. As bandeirinhas e os sorrisos ensaiados pareciam ocultar as feridas abertas pela história. “Como podemos comemorar algo que começou com a chegada dos colonizadores, que arrancaram terras e sonhos dos povos que já viviam aqui?” ela pensava, sem encontrar respostas satisfatórias.

O olhar crítico de Tita: uma oportunidade de reflexão

Tita tentou participar da festa, mas seu coração estava em outro lugar. Ela não conseguia se enganar com o que via. A comemoração parecia mais sobre os interesses pessoais da diretora do que uma verdadeira reflexão sobre o país. A pergunta “Por que estamos comemorando?” ecoava em sua mente, e ela sabia que algo estava muito errado.

Em meio ao caos, Tita encontrou formas de expressar sua revolta e sua visão crítica. Ela buscava maneiras de valorizar as vozes que ficaram à margem e de lembrar que o Brasil era muito mais do que o que estava sendo comemorado naquela festa escolar. E assim, ela continuava a refletir sobre o passado, o presente e o futuro do Brasil, questionando e desafiando as verdades que muitos estavam dispostos a aceitar sem questionar.



Crônicas Desbocadas | A escolhida e a esquecida

 Crônicas de uma atendente cansada de ouvir que a vida é justa para quem “merece”.


Tem gente que nasceu com o cabelo certo, a pele lisa, o nome que soa bem até quando o vento sopra. Gente que tem um sorriso no canto da boca, mas um mundo inteiro dobrado aos seus pés. Gente como ela. 

A influencer que minha mãe segue com devoção quase religiosa, a quem chamarei aqui de “a Escolhida”, porque é assim que ela parece se sentir: escolhida por Deus, pelo algoritmo e pelo marido — um sujeito manso, prestativo, que vive se dobrando para atender aos caprichos dela.

A Escolhida é branca, magra, de cabelo escorrido como comercial de xampu. Mora no interior de São Paulo, numa casa que mais parece cenário de novela da Globo, e começa os vlogs dizendo: “Ai, gente, desculpa estar meia desgrenhada hoje” — mesmo com filtro, maquiagem impecável e short de alfaiataria. Diz ser simples, mas não sabe o preço do arroz. Vai ao mercado comprar “besteirinhas” e volta com três tipos de taça, oito coberturas para sorvete e tudo mais que tiver direito.

Ela não lê livros. Não cursou faculdade. Nunca pegou fila no SUS. Nunca apertou o botão errado da catraca do transporte público porque não sabia se a tarifa tinha mudado. Entretanto, é “abençoada” por não se humilhar por uma miséria na escala 6x1, porque tudo que recebe — e que posta — é “Deus honrando” sua fidelidade. Até o fogão novo (porque enjoou da cor do antigo), segundo ela, foi “presente do céu”. Mal sabe a sebosa que seu céu tem o nome do marido e CPF dele na nota fiscal parcelada.

Ela aparece lavando louça, só para fazer charme e se dizer "gente como a gente", e o marido vem por trás, tenta abraçá-la. Ela ri, diz “Ai, sai daqui, seu gordo!” com aquela risadinha sem graça, deixando o coitado constrangido em rede nacional. Ainda assim, ele continua apaixonado. Monta móveis, edita vídeos, embala surpresas de Páscoa e grava com o maior sorriso do mundo quando ela o manda calar a boca. Amor assim só se vê em filmes... de terror psicológico.

Tem dias em que ela chora durante o devocional — não por arrependimento, mas porque ainda não conseguiu a publi de alguma marca renomada. Diz sofrer porque não tinha sequer um frasco de perfume antes do marido. O sofrimento dela é não ser a Virgínia. 

Ela diz que doa amor, mas não doa móveis. Tudo é vendido — até o berço do filho que já não usa. Porque crente que se preza, segundo ela, não se apega. Só fatura.

Enquanto isso, do outro lado da tela, estou eu.  Fardada de colete feio que gonga a aparência, com os pés latejando, a lombar estourada, tentando disfarçar o cansaço, sorrindo para madame véia mal-humorada que desconta em mim se o time perde ou empata, como se fosse culpa minha que o preço dos comes e bebes sofreu reajuste. Na Páscoa, os colaboradores não ganham nem um simples bombom com frase de almanaque. 

A vida, para algumas, é chocolate importado. Para outras, é o amargo da comparação.

Tem gente que sofre e doa o que pode. Que se contenta em ver o outro feliz com o mínimo. E tem quem ostente até a tristeza, ensaiando lágrimas diante da câmera porque não virou capa da VOGUE Evangélica.

E então, como se o altar do consumo precisasse de mais uma oferenda, ela anunciou — com o mesmo tom doce de quem conta uma revelação celestial — que trocou a cama de casal. Não porque quebrou, não porque precisava, mas porque “tava enjoada, gente”. E o maridinho, claro, correu para comprar a mais cara da loja, como um cordeiro devoto a um altar que nem sequer sabe se é amado de volta.

O curioso — ou revoltante, mesmo — é que ela não doa nada. Nada. Tem mães de verdade, com muito menos, que separam os brinquedos das crianças, as roupas que não servem mais, e dão com alegria, com gratidão, com fé em algo maior que o próprio umbigo. 

E o devocional? Continua. Falar o nome de Deus em vão está em alta, dá engajamento. O cabelo, claro, segue escorrido. Porque frizz é pecado. E quem tem não tem cabelo esticado, quem sua, quem engorda, quem tem olheira, quem sofre calada, não tem uma aliança grossa na mão é só mais uma das outras. As esquecidas.

Eu sou uma dessas.

Sou a que vive tentando ver beleza onde o mundo só vê falha.

Sou a que ri sem ter vontade, porque tem gente por perto.

Sou a que se cansa de fingir que está tudo bem, mas finge mesmo assim.

Ela não é simples, e sim o produto final da fábrica de vaidade digital, disfarçada de evangelho, embalada para presente em reels de supermercado com trilha fofa e maridinho acenando no fundo. E enquanto segue vendendo até os cabides da casa para fazer caixa e comprar outra cafeteira “porque agora eu gosto de outra cor”, a gente aqui se pergunta: até quando o mundo vai premiar esse tipo de gente?

E o pior é saber que ela não está sozinha. Que há todo um sistema que alimenta essa farsa, que recompensa o falso brilho, que transforma arrogância em estilo de vida. E a gente, que só quer existir com dignidade, fica no limbo, esperando que um dia vejam valor onde não há filtro. Porque a gente também ora. A gente também ama. No entanto, o que a gente tem não vira publi. Não viraliza.

Ainda tem um pedaço meu que não desiste. Porque, talvez, um dia, Deus olhe para mim com o mesmo filtro que ela usa nas fotos. E diga: “Agora é a sua vez.”

Mas até lá… eu que lute.

— Nina

(a gata borralheira do reino da desarmonização, anti-clean girl)

Levante a bandeira do respeito ou saia da roda 🌈

Se tem uma coisa que não dá para aceitar é a hipocrisia disfarçada de moralidade. Quem se preocupa tanto em controlar a vida e o amor alheio deveria começar a olhar mais para si. Quem sabe assim descubra que essa obsessão pelo que os outros fazem com sua identidade e afeto nada mais é do que uma forma de fugir dos próprios conflitos. 

Laços esgarçados

Por desconhecer meu próprio valor, me contentava com as migalhas de atenção.


Aquele gelo no estômago seguido de um estado de torpor era familiar, uma porta escancarada para outra crise; crescendo dentro do peito a vontade de sumir sem dar notícias a ninguém; dormir para não ser atormentada pelo tsunami de pensamentos intrusivos. Meu castelinho de cartas ruía com certa facilidade, após tanto esforço para erguê-lo, reconheço a fragilidade estrutural e a teimosia que me acorrentou a um ciclo de carência e profunda vulnerabilidade.

Carta aberta à Mary de 2009

 Hoje, 14 de outubro de 2024, é um dia como qualquer outro, no entanto, há 15 anos, uma jovem sonhadora decidiu dar vazão às próprias ideias e enfrentar o medo do público. Críticas construtivas são importantes para lapidar um talento, não tenho dúvidas quanto a isso, mas quando as palavras amargas excedem o propósito e visam apenas desestruturar uma pessoa, como reagir?

Minha intenção não é doutrinar ninguém, nem salvar o mundo, não sou tão pretensiosa assim. Fui deixando de escrever por medo, porém não sou eterna e não tenho quaisquer certezas de acordar amanhã, nunca se sabe. Tempo é precioso, foi e não retorna. 

Posso até não ser perfeita, mas estou disposta a me dedicar para alcançar o nível de excelência pretendido. Foi a menina de 2009 que me ensinou essa lição do "vai com medo mesmo". O momento perfeito não existe e em alguns contextos, o feito é melhor do que o perfeito, porque o feito é humano.

Abaixo, a carta redigida para meu eu de 2009. 🥹✍️

sempre foi um poema de amor 💞



o amor não prende-se a falidas convenções,
ama-se sem medidas, sem impor condições.
reconheço o amor na essência de quem amo,
tampouco amo um em detrimento de outro.
cada sentimento corresponde ao que se vive.
com cada pessoa, cada vez mais aprendo a amar.
a isso os moralistas chamam de libertinagem,
eu, por minha vez, entendo por liberdade.

— sempre foi um poema de amor 🪻




Orgulho 🌈

homofóbicos NÃO PASSARÃO

Hoje meu pai estava assistindo ao discurso de um deputado e o político, em certa altura, criticou a Parada do Orgulho LGBTQIA+, utilizando a falaciosa desculpa de que "as criancinhas podem ser mal influenciadas pelos LGBTS".
Nesse ínterim, minha mãe, mulher de outra geração, discordou do deputado porque considerou o discurso dele LGBTfóbico. Esse coraçãozinho aqui foi tomado de alegria e ternura porque minha batalha não foi, não é e não será em vão.
O deputado tem o direito de se expressar dentro e fora do plenário, no entanto, da mesma forma temos o direito de discordar e desde que a troca de ideias mantenha-se dentro das quatro linhas da legalidade, tudo certo.
A questão mais determinante é sobre quando o discurso coloca vidas em risco, oprime e invisibiliza a existência de outrem porque temos liberdade (ou acreditamos ter) para sermos quem somos, no entanto, seria insano pensar que iremos agradar a todos os públicos, nem nós gostamos de todo mundo.
Ninguém está nem aí se você concorda e ninguém aqui quer ler versículo bíblico jogado fora de contexto para sustentar a falsa santidade, a questão é respeitar. Se o seu deus é aquele que só pune, odeia, castiga e condena, sinto muito, mas ele não é o meu. E que bom.
Por outro lado, ver minha jornalista favorita se assumir em rede nacional enche o coração de ternura, nos lembra que temos de nos posicionar, ser para os outros as referências que não tivemos, não permitir que ninguém se aproprie do nosso lugar de fala, nem que ninguém nos diga o que é ou não preconceito.
Há pessoas que temem aquilo que não conhecem e não compreendem muito bem, logo, é preciso ter carinho e respeitar o espaço de cada pessoa da mesma forma que reivindicamos nosso respeito e nosso espaço por meio das artes, das políticas de inclusão e da força de vontade de cada um todos os dias para ser quem se é, para que deixemos de integrar estatísticas nefastas. 

Sou quem eu sou, seja quem você é. Com muito orgulho. 🌈

frases de impacto

 


Ah, as frases de impacto. Elas conferem um charme ímpar quando proferidas e não cansam a leitura de ninguém, no entanto, assim que os dedos arrastam o feed para baixo, perdem o sentido, o destino de todas as postagens.
As crenças internalizadas são as mesmas de duas gerações atrás: ninguém tem interesse que você seja você mesma e se sinta linda como é. Eis o contrário: você deve se odiar e ser uma eterna insatisfeita, disposta a pagar o preço que for necessário para ser tudo, menos você.
Não vemos com bons olhos a sua tentativa de empoderamento, prosperidade e independência, desejamos que você faça o que todas as outras fizeram e, de preferência, sem questionar as nossas estruturas. Não nos importa a sua opinião, mas a sua submissão.

Mary Recomenda | A Pindonga Azarada

Quem gosta de festa junina tem grandes chances de amar a edição extraordinária do Mary Recomenda , em clima de São João. Não vou...