Por que eu não suporto o que todo mundo ouve
(um desabafo em tom menor)
Eu não sou feita de barulho.
Nunca fui.
Enquanto o mundo gira ao som de batidas que mais parecem buzinas emocionais, eu sigo procurando silêncio, pausa e letra que me respeite.
Não é que eu não goste de música sobre amor, dor ou até desejo.
Eu gosto, sim.
Mas precisa ter alma. Precisa me dizer algo além do óbvio.
Sweetest Goodbye, do Maroon 5, fala de uma despedida que ainda mora no peito — e em nenhum momento precisa vulgarizar o que aconteceu entre eles.
O que fica é a lembrança, o toque doído, a vontade de voltar no tempo.
Isso me toca.
Assim como me tocam os sussurros da Sade, as palavras do John Mayer que escorrem feito carta não enviada, a esperança suave do Lighthouse Family, o jazz que não precisa se provar, o lofi de madrugada que me embala mais que qualquer abraço.
Eu escuto Milton, escuto Bebel, escuto Adriana Calcanhoto dizendo que o amor “vai indo, vai indo, vai indo…”
Escuto Ana Carolina cantar de dor e despedida sem precisar berrar.
Sem precisar abaixar o nível.
Porque elas são voz.
Elas são corpo presente.
São emoção crua sem ser grosseira.
Elas sabem que a dor pode ser dita com dignidade.
O que não me toca — ou melhor, me agride — é esse festival de sertanejo universitário que me segue por onde vou.
Na farmácia, no Uber, na sala de casa, parece que o mundo quer me espremer como se eu fosse uma espinha fora do padrão:
“Ama e cama.”
“Bebida e cama.”
“Cama e traição.”
“Volta pra minha cama.”
Cama, cama, cama — como se o único espaço possível para uma mulher numa canção fosse horizontal.
Mas eu quero músicas que me permitam ficar de pé.
Que não falem de mim como se eu fosse um objeto.
Quero uma letra que me olhe nos olhos, não nas curvas.
Quero uma melodia que embale meu luto, meu amor calado, minha saudade mansa.
Sempre fui criticada por ouvir Avril Lavigne.
Algum metido a crítico musical erudito de plantão sempre surgia pra tentar diminuir a “música pra mulherzinha”, como se sensibilidade fosse um defeito.
Faziam vista grossa ao sertanejo universitário que, muitas vezes, retrata a mulher como vagabunda, interesseira, vulgar — e ainda ousam me chamar de preconceituosa por não aplaudir isso.
“Ain, você está sendo preconceituosa com música brasileira.”
De forma alguma.
Tem muita música boa, inteligente e sensível fora do top 50 das plataformas.
Avril cresceu. Mudou de visual. Experimentou parcerias.
Como se fosse crime crescer, amadurecer, mudar de ideia.
Ela cantou em Unwanted o sentimento de rejeição — algo que quase todas nós já vivemos.
Em Slipped Away, o luto por uma perda irreparável.
Em Let Me Go, a despedida de um amor-fantasma e o peso do recomeço.
Ela nos disse como é estar com a cabeça acima da água enquanto a vida tenta nos afogar com mãos pesadas.
Nunca precisou rimar "ama" com "cama". Nunca precisou pesar meio grama pra chamar atenção.
E eu não vou deixar falarem mal dela.
Meu Chorão era poeta, sim.
O poeta dos cadernos cheios, do skate, da rua, do trem.
O cara que queria amar sua menina, sonhar com um mundo melhor.
Andava de limusine, mas sabia o que era andar espremido num vagão.
Não foi o bombeiro que sonhava ser, mas salvou tantas vidas — mesmo sem ter forças pra salvar a própria.
Rita Lee era uma força da natureza.
Disruptiva, vanguardista, eterna.
Viveu o suficiente pra nunca ser esquecida.
Sabia ser.
Escreveu sobre fazer amor com beleza, com metáfora, com arte — sem precisar de refrão nojento, sem apelar.
Hoje, a moda não é só o sertanejo que bate na nuca e a raba descendo pra BC.
A moda é ser produção em série.
É escolher não pensar.
É ter nojo de leitura, mas idolatrar quem grita rimas vazias.
Não é sobre ser contra um gênero musical.
É sobre recusar o rebaixamento do que é sensível, inteligente, humano.
O problema não é o tema.
É o tom.
E o tom que me atiram nos ouvidos, todos os dias, é o de quem não me vê como gente.
Por isso eu rejeito.
Por isso eu desligo.
Por isso, quando posso, coloco Milton, Ana, Adriana, Sade, John, Lighthouse, Bebel...
Ou qualquer faixa que o algoritmo não entende, mas meu coração reconhece.
Não é birra.
É preservação.
E se isso me torna a esquisita do ambiente,
que assim seja.
Antes isso do que viver cantando letras que não me pertencem.
E eu não vou me calar por gostar do que sinto.
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