Você já percebeu como o Top 50 do Spotify parece uma playlist de castigo?
Castigo, não.
Tortura.
Se alguém de fora resolvesse estudar o Brasil pela nossa parada de sucessos, acharia que o país inteiro vive num looping eterno entre sertanejo universitário, sofrência plastificada, beat reciclado de arrocha e letras que rimam “cama” com “ama”, “copo” com “choro”, “dor” com “amor”. E não porque as pessoas amam isso, mas porque é o que tem. Porque os donos do agro sabem muito bem que música é território, e dominar o território das rádios, dos eventos e das plataformas de streaming é estratégia.
Enquanto isso, o rock… ah, o rock. Dizem que virou coisa de véio. De gente fazendo “hora extra” na Terra.
Veja bem: o Roger Waters está aí com quase 80 anos, setlist impecável, show lotado e voz firme. E não é o único. Tem muito músico que resistiu ao tempo, não aposentou a guitarra e segue fazendo música de verdade — aquela que não precisa gritar para ser ouvida. Porque o bom som, diferente de certos refrões, não precisa forçar intimidade. Ele te conquista pela inteligência.
Enquanto isso, os fãs de rock (alguns, não todos) se perderam em mimimis de saudosismo, desunião, e uma pitada de ressentimento reaça. Em vez de reagir com criatividade e atitude, ficaram se queixando do "fim da era de ouro", como se o mundo de 1987 fosse o paraíso e a culpa fosse da geração Z. Quando muito, romantizam um passado que nunca foi tão glorioso quanto lembram.
No meio disso tudo, tem gente como eu, que só queria poder andar na rua sem ser obrigada a ouvir Maiara e Maraísa berrando numa caixa de som de loja de celular. Que não aguenta mais Uber com rádio no último volume, como se gritar "sofre, bebê!" fosse prova de masculinidade. Que olha para o Top 50 e vê a derrocada intelectual da música, a premiação da burrice coletiva e o eco de mentes vazias.
E antes que alguém diga que é “frescura” ou “gosto musical”, fica aqui a pergunta: por que só um tipo de som grita por todos os lados? Por que o rock, o jazz, a bossa, o pagodão antigo, o samba bem tocado não recebem o mesmo empurrãozinho?
Simples: porque não tem dinheiro irrigando os bastidores. E porque, sinceramente, esses gêneros não precisam de bot para se tornarem imortais.
Talvez tenha sido quando o “top” virou sinônimo de “o mais comprado” — não de “o melhor”. Ou talvez tenha sido antes, quando os jurandires da vida começaram a achar que tocar violão e ouvir Cazuza era coisa de esquerdista, e que homem de verdade tinha que cantar com voz de cuíca cansada, tomar energético com gelo, e dar tiro para cima se a mulher não atender o telefone.
Talvez a gente esteja vivendo o fim de uma era — não da música, mas do direito de ouvir em paz.
E se você ainda acha que tudo é só questão de gosto, me diz: por que seu “gosto” precisa ser gritado em todo lugar, enquanto o meu tem que lutar para existir?
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