Enquanto isso, o rock… ah, o rock. Dizem que virou coisa de véio. De gente fazendo “hora extra” na Terra. Mas veja bem: o Roger Waters está aí com quase 80 anos, setlist impecável, show lotado e voz firme. E não é o único. Tem muito músico que resistiu ao tempo, não aposentou a guitarra e segue fazendo música de verdade — aquela que não precisa gritar para ser ouvida. Porque o bom som, diferente de certos refrões, não precisa forçar intimidade. Ele te conquista pela inteligência.
Enquanto isso, os fãs de rock (alguns, não todos) se perderam em mimimis de saudosismo, desunião, e uma pitada de ressentimento reaça. Em vez de reagir com criatividade e atitude, ficaram se queixando do "fim da era de ouro", como se o mundo de 1987 fosse o paraíso e a culpa fosse das novinhas do TikTok. Quando muito, romantizam um passado que nunca foi tão glorioso quanto lembram.
No meio disso tudo, tem gente como eu, que só queria poder andar na rua sem ser obrigada a ouvir Maiara e Maraísa berrando numa caixa de som de loja de celular. Que não aguenta mais Uber com rádio no último volume, como se gritar "sofre, bebê!" fosse prova de masculinidade. Que olha pro Top 50 e vê a derrocada intelectual da música, a premiação da burrice coletiva e o eco de mentes vazias.
E antes que alguém diga que é “frescura” ou “gosto musical”, fica aqui a pergunta: por que só um tipo de som grita por todos os lados? Por que o rock, o jazz, a bossa, o pagodão antigo, o samba bem tocado não recebem o mesmo empurrãozinho? Simples: porque não tem dinheiro irrigando os bastidores. E porque, sinceramente, esses gêneros não precisam de bot pra se tornarem imortais.
…e aí eu me pergunto: quando foi que a música parou de ser linguagem e virou só produto? Quando foi que deixamos que os algoritmos decidissem o que a gente sente, o que canta, o que dança?
Talvez tenha sido quando o “top” virou sinônimo de “o mais comprado” — não de “o melhor”. Ou talvez tenha sido antes, quando os jurandires da vida começaram a achar que tocar violão e ouvir Cazuza era coisa de viadinho, e que homem de verdade tinha que cantar com voz de cuíca cansada, tomar energético com gelo, e dar tiro pra cima se a mulher não atender o telefone.
A verdade é que o rock não morreu, ele só está em outro lugar. Mais discreto, mais seletivo, menos histérico. Ele ainda vive nos fones de ouvido de quem não se conforma. Nos sebos. Nos filmes bons. Nos bares que tocam discos de vinil. E, principalmente, nas pessoas que não precisam de palco pra continuar resistindo com gosto.
Talvez a gente esteja vivendo o fim de uma era — não da música, mas do direito de ouvir em paz.
E se você ainda acha que tudo é só questão de gosto, me diz: por que seu “gosto” precisa ser gritado em todo lugar, enquanto o meu tem que lutar pra existir?
Me deixa com meu som.
Me deixa ouvir sem assobio.
Me deixa resistir sem precisar gritar.
E que o silêncio entre um acorde e outro siga sendo mais poderoso do que o berro patrocinado da burrice coletiva.
Nina
(em boa companhia nos fones de ouvido)
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