O veneno também cura (manifesto de quem cansou de agradar) 🐍 🕷️ 🖋️

"Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro."
— Clarice Lispector 


Essa história não é sobre perdão e superação, tampouco terá frases genéricas para entulhar as redes sociais de falsas pílulas de autoajuda. É sobre uma pessoa disposta a abraçar as próprias sombras, recolher as cinzas das asas quebradas e lembrar de cada pessoa que me empurrou nesse abismo — porque quero ver a queda de um por um, no alto do meu camarote.

Não tenho vocação pra ser boba alegre. Gratiluz é o caralho. Tenho ódio, raiva e mágoa pulsando na mesma frequência do amor. São apenas as duas faces da moeda tomando as rédeas da minha vida, enfim.

O mundo não evoluiu com o silêncio autoimposto. Só ficou carente de uma voz sensata e lúcida, capaz de representar os que ficam à margem da hipocrisia — onde as luzes dos holofotes nunca chegam de verdade, na incômoda penumbra dos desvalidos de popularidade.

Sou boca suja mesmo, mas ela não é tão suja quanto o seu joguinho ridículo. Sem as frases de efeito, não sobra um argumento. O caráter muda de acordo com o algoritmo. Só a podridão que se tenta esconder com o verniz progressista aparece com sutileza no radar dos verdadeiramente atentos, pra quem aquele discurso manjado nunca se aplica.

Não esqueço dos olhares de deboche. Das indiretas veladas insuflando meu suicídio. Eu vou jogar a merda toda no ventilador. Sumi do mundo pra tentar sumir de mim, ser menos intensa, menos verdadeira, menos disruptiva, menos... eu. Pra ser o quê, afinal? Um espectro do que um dia fui? Uma mentira? Como pode alguém que morre pela verdade tentar ser uma fraude?

Não preciso implorar por amizade. Os verdadeiros de coração sempre me encontram. Mas não vou me esquecer de todos os trabalhos em equipe em que sobrei, daquela professora que preferiu me reprovar a me deixar apresentar um seminário sozinha — por pura insensibilidade, sem perceber a dinâmica podre e tóxica que norteava aquela turma.

Eu deveria agradecer aos céus por não ser “uma delas”. Porém, a rejeição me deixou a um passo de acabar com tudo. Todas essas atitudes mesquinhas ativaram feridas que eu nem lembrava ter, de tão bem enterradas que estavam. Feridas daquela criança pequena, pura e cheia de esperança que passou muitos recreios sozinha e encontrou na televisão os amigos que o mundo lhe negou.

Sim, para quem quer se pagar de cult e entendido de televisão, pode soar absurdo reprisar Maria do Bairro. Mas para aquela mulher que ainda tem uma menina de 8 anos ferida no peito, rever a Maria, o Luís Fernando, a Soraya e grande elenco é rever velhos amigos que sempre estão de portas abertas pra me receber — que não me odeiam por causa da minha idade, do meu status na pirâmide social, meu estado civil.

Não tenho vergonha de assistir uma novela mexicana de 30 anos atrás. Vou além: se daqui a 30 anos eu ainda estiver nesse mundão, com saúde, e o folhetim reprisar, vou assistir como se fosse a menininha lá de 1997 — em frente à televisão da sala, acompanhando cada capítulo e degustando cada emoção: o riso, o choro, a indignação, os gritinhos de alegria.



Não vou militar em cima de um personagem pra me pagar de entendida, pois conheço muita gente que já na internet tem a carteirinha de boa moça, ama tudo e todos, se coloca contra as injustiças — sendo que na vida real, onde não cabem os filtros, mostram quem são.

As pessoas que me fazem mal são sempre covardes. Agem só na surdina, pra eu não ter condições de provar ao mundo quem elas são sem as máscaras.

Algumas até se escondiam atrás de um discurso acadêmico polido, usando citações e jargões como quem usa perfume caro pra disfarçar o cheiro de podridão. Gente que falava em afetos e minorias só pra posar de evoluída, mas tratava com desprezo quem não cabia na estética da panelinha. Quem já foi silenciada por essas vozes melífluas sabe o quanto dói ser ridicularizada nas entrelinhas, nas omissões, nas dinâmicas veladas. E ainda dizem que é sensibilidade demais — como se não fosse violência. Como se não fosse bullying. Mas o que esses seres mais temem é alguém que escreve com a alma: não tem mestrado nem doutorado que dê conta de conter um coração que escreve por instinto, por urgência, por sobrevivência.

É sempre mais fácil me chamar de louca, amarga e problemática. Dá o tapa e esconde a mão, sim? Porque falar na minha cara, olhando nos meus olhos, ah, não tem coragem. Não aguentaria o tranco. Não porque eu fosse devolver na mesma moeda — mas porque deve ser muito difícil me vencer sem apelar. Deve ser muito tenso viver na mediocridade. E eu não tenho compaixão.

Entretanto, como a falsidade não é tão inteligente quanto pretende, tudo não passa de uma decoreba estúpida. Quem sabe eu veja muitas cobras morrerem vítimas do próprio veneno — porque a conta chega, meus caros. A roda-gigante não fica parada no mesmo lugar.

Não fui atirada na lama, nem na cova dos leões. Cortaram minhas asas e me acusaram de fazer corpo mole por não conseguir voar. Tiraram meu chão e me disseram que eu estava dando desculpas pra não caminhar.

Jesus nos orientou a perdoar setenta vezes sete, dar a outra face. Sábios ensinamentos — mas não está escrito em lugar nenhum que devemos ser capacho dos outros.

Nunca tive problemas em me desculpar pelos meus excessos. Os erros são meus professores. Agora que vejo tudo claramente, faço questão de quebrar todos esses espelhos. Já estou tão machucada que um corte a mais ou a menos não faz qualquer diferença em minhas mãos.

Não tente secar minhas lágrimas. Fingi estar bem tempo por demais.

Chega de eufemismos. De meneios de cabeça indulgentes. Tem amor dentro de mim — não esse amor hipócrita que precisa de credenciais pra decidir quem é digno dele ou não. Quem quiser julgar minha história contada pela boca dos embustes, que julgue a versão conveniente, sim — segurando um espelho de mão pra olhar pra própria cara e ver se ela arde.

É claro que o que eu escrevo é pesado. Ele não passa a mão na cabeça de ninguém. Não pensa em se ajustar ao algoritmo. Não quer vender nada, quanto mais fórmulas prontas.

Nem eu me entendo com todas as minhas esquisitices, por que falar de mim mesma com heroísmo se claramente sou uma anti-heroína? Ou alguém que merecia o palco, mas foi jogada pra fora do auditório e trancada no porão? Alguém que perdeu o protagonismo da própria existência pra tentar pertencer?

Ao mundo? À porcaria de uma panelinha de um curso que, no fundo, não é o sonho de ninguém?

Esse foi o preço de desistir dos meus sonhos pra parar de incomodar aqueles que nunca aceitaram que uma mulher pode escrever o que quiser — não só romance bobo de capinha bonitinha. Não me lembro mais como é ter um sonho dentro do coração, só sei que era bom. Aquele escudo que me fortalecia. Porque eu sabia que merecia mais. Que a recompensa pela luta poderia demorar a vir... A vitória era a certeza...

Mas era tão cansativo ver gente medíocre ser aclamada só por ser viral, que foi dando aquela canseira de insistir pra abrir aquela porta. Quem sabe eu estivesse no corredor errado...

Mas me diga: como ser autêntica num mundo que premia produções em série?

Minha escrita pode ter corpo, alma, motivações. Ser o escudo dos rebeldes, desajustados, maltratados. Mas não é comercial o bastante. Não é cínica o bastante pra ser pasteurizada em posts minimalistas com filtro bege e desenhos vetoriais óbvios, que um dia foram pioneiros e hoje são cansativos.

Aqui tem poesia, suor, verso que não rima. Tem coração partido. Reticência que dispensa estrofes. Tem uma alma persistente. Um bilhete que ficou por dizer, amassado dentro da bolsa, junto com a nota fiscal do mercado, com aquele absorvente de emergência e as chaves de casa — e a vontade de mostrar o dedo do meio pra um mar de gente.

Barulheira por barulheira, que meu fone de ouvido me devolva à terra firme — bem longe desse mundo ridículo que venera sofrência (ô palavra feia e inventada) gritada e se horroriza com os arranjos de uma guitarra.

Lógico que eu não sou a queridinha dos caras. Me recuso a parecer uma boneca falsa, não me visto como uma boneca bege de catálogo. É fácil ser leve quando as pessoas não te odeiam de graça, caminhar pelos corredores sem sentir os olhares de desprezo rentes a cada centímetro do seu corpo. Eu, em contrapartida, carrego o peso de cada rejeição, cada riso abafado no canto da sala, cada pedra que lançaram quando eu só queria ser eu.

Porque minha energia feminina se manifesta quando abro os olhos toda manhã e insisto — não por mim, mas pelos poucos que merecem. Tem que ser muito mulher pra estar na minha pele.

Isso não é para qualquer uma.

Estar na minha pele e ainda saber rir de mim mesma por entre as lágrimas não é pra qualquer uma. A maioria teria surtado na primeira oportunidade. Eu ainda me coloco de joelhos, ainda sei rezar, ainda olho pra Lua como quem nunca a tivesse visto — mesmo quando ao meu redor ninguém nota o cansaço.

Se a minha sinceridade em escrever e agir lhe soa um defeito, a interpretação é meramente sua — faça bom uso dela. Saiba de antemão que o direito de discordar me é garantido, tanto quanto me posicionar. E você não pode me calar porque não gosta do que eu falo, aqui é o tal do atura ou surta ou, num português vulgar, vá tomar no cu com filtro bege e fonte minimalista, sua opinião é tão esquecível quanto um story daqui a 24 horas.

Não vou ser a boba alegre que convém aos odiadores. Não tenho interesse em trocar minhas percepções por lentes cor-de-rosa — porque se quisesse agradar, teria preparado uma bandeja de brigadeiros (e ainda teria mal-agradecidos reclamando). Não teria escrito poemas, livros e novelas. Não teria escolhido ser jornalista.

Porque não, eu não sou difícil. Difícil é engolir a minha lucidez crua, sem açúcar, sem filtro, sem hashtag de gratidão pra camuflar o gosto. Difícil é suportar que eu não precise fingir santidade pra ter razão. Que eu não me curve pra agradar, que minha luz não aceite dimer. Me chamam de venenosa, mas o que escorre de mim é cura — só não serve pra quem vive de fachada. Eu sou o soro da verdade em forma de mulher. Sou a linha que separa o aplauso comprado do silêncio que incomoda. Se dói, não é porque eu sou cruel. É porque sou espelho. E espelho nunca foi feito para consolar, foi feito para mostrar.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Muito obrigada pela visita ao OCDM, espero que você tenha gostado do conteúdo e ele tenha sido útil, agradável, edificante, inspirador. Obrigada por compartilhar comigo o que de mais precioso você poderia me oferecer: seu tempo. Um forte abraço. Volte sempre, pois as páginas deste caderno estão abertas para te receber. ♥

Malacubaca | Noviça se pronuncia sobre sua fama de pé-frio na copa

  Por Noviça (A Inteligência Artificial precisará comer muito feijão com arroz para alcançar o mindinho do meu lindo pé direito. Aí, sim, a ...