Mary Recomenda | A Redoma de Vidro — Sylvia Plath



A recomendação de hoje já estava na minha tbr fazia alguns anos, porém eu não estava certa quanto a ser o “melhor momento” para lê-la, considerando o trágico e precoce final da autora. Entretanto, decidi ler e prometi a mim mesma que redigiria minhas modestas impressões no blog. Cá estou, bastante insegura, respirando fundo antes de prosseguir… porque desistir também um verbo que me ocorre com uma frequência considerável.

Todos esses sentimentos podem ser influenciados e até certo ponto insuflados pela perspectiva da redoma, não descarto essa possibilidade, mas não foi para falar dos meus dramas que vim aqui, foi para falar de uma autora brilhante, que, infelizmente, não conseguiu suportar a própria dor e nos deixou muito cedo. 

Sim, estou falando de Sylvia Plath e sua Redoma de Vidro, a estrela do Mary Recomenda de hoje.

Ler A Redoma de Vidro foi como segurar um espelho trincado diante do rosto.
Durante a leitura, vi a mim mesma. Vi o desânimo, a dúvida, o cansaço de tentar ser boa no que faço — e a culpa por não conseguir. Me vi em Esther Greenwood, essa jovem inteligente e angustiada que parece ter o mundo à disposição, mas não encontra sentido em nada. E isso doeu mais do que eu esperava.

Escrito por Sylvia Plath, ícone da literatura confessional, o livro retrata a lenta e dolorosa descida de Esther à depressão. E não é uma ficção qualquer: é o reflexo da própria vivência da autora, que pouco depois da publicação do livro tirou a própria vida. Saber disso não transforma a leitura numa tragédia anunciada, mas sim num grito abafado que ecoa até hoje.

Esther é uma personagem que está o tempo todo dividida: entre o que esperam dela e o que ela realmente sente. Entre o desejo de ser livre e o medo de falhar. O paralelo traçado com a redoma é bastante pertinente porque a personagem se vê sob uma redoma de vidro, onde se encontra sufocada, presa, observando o mundo sem conseguir tocá-lo, sem se sentir realmente fazendo parte dele.

Quem já sentiu a vida perder as cores não precisará sequer da metáfora da redoma para compreender essa grande sacada que casa tão bem com a chegada da depressão. 

A escrita da Sylvia é precisa, cortante, melancólica e, ao mesmo tempo, lúcida. Ela não romantiza a dor, apenas a traduz com tanta clareza que assusta. Sua narrativa é íntima, quase como se lêssemos o diário de alguém que não tem mais forças para disfarçar nada. E talvez seja por isso que a obra continue sendo tão lida, mesmo após seis décadas: porque dá voz ao que muita gente sente, mas não consegue explicar.

Naqueles tempos, discutir saúde mental era um tabu. Era normalizado submeter pessoas — especialmente mulheres — a tratamentos violentos, como os eletrochoques, aplicados sem anestesia e sem consentimento. 

Esther Greenwood vivencia isso. Vai parar em um hospital psiquiátrico, é isolada do mundo, tratada como um caso clínico, e não como uma pessoa em sofrimento. Ela descreve a sessão de eletrochoque com uma frieza que assusta mais do que qualquer cena dramática. Era o que se fazia com quem não se encaixava, com quem gritava, ainda que em silêncio.

O manicômio, no livro, não é exatamente um espaço de cuidado. É um reflexo de uma sociedade que não sabia o que fazer com o sofrimento humano, então o escondia atrás de portas trancadas e choques elétricos. Talvez por isso a metáfora da redoma seja tão forte: ela está ali, vendo o mundo lá fora, mas aprisionada num ambiente onde seus sentimentos são tratados como doenças a serem extirpadas.

Não é um livro fácil, nem “para todo mundo”, mas é, sim, necessário, afinal de contas, a depressão não deve ser assunto só lá no Setembro Amarelo, onde muitas pessoas fingem empatia que não têm só porque fica bonitinho postar sobre o tema. Os amigos somem, os conhecidos acham que é falta de Deus, do que fazer, de um namorado, que “basta querer” sair do fundo do poço, jogam na sua cara que “tem gente vivendo situação muito pior e nem por isso está fazendo drama”.

Ler Sylvia Plath me fez perceber que a dor da inadequação, da dúvida, da exaustão emocional… tudo isso já foi sentido por outras mulheres antes de mim. E, mesmo nas piores fases, elas escreveram. Sylvia escreveu. Esther sobreviveu… ao menos na ficção. E eu também quero sobreviver. Escrevendo, sentindo, compartilhando. Mesmo sob a redoma. Que agora eu só veja a dor, a raiva e o medo de nunca sair da escuridão. Com medo das recaídas. De ficar sozinha no mundo. 


Por hoje é só, minha gente. Fico por aqui, com essa leitura que não me deixou ilesa — e nem precisava. Na próxima edição do Mary Recomenda, prometo voltar com outra história, outro livro, outro espelho. Talvez menos trincado. Talvez não. Mas com o mesmo compromisso de sempre: indicar não só livros… mas sentimentos que sobrevivem à página. Até lá. 💜

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