Imagine um campo de batalha em chamas. Sirenes ecoando como lamentos. O céu cinza de fumaça e medo. Agora troque as armas por guitarras e a submissão por denúncia. É nesse terreno que o Black Sabbath finca os pés para compor War Pigs, talvez uma das maiores críticas musicais à guerra já escritas.
Lançada em 1970, a música não só escancara os horrores da guerra do Vietnã, como também constrói uma narrativa política densa — onde os verdadeiros vilões vestem terno e assinam decretos de morte no conforto de gabinetes. Aqui não se canta por cantar: se canta para gritar.
🧠 A gênese de um protesto
War Pigs nasceu em uma época de inquietação global. Jovens sendo convocados, caixões voltando cobertos com a bandeira, famílias destroçadas. Em vez de exaltar soldados como heróis, a música revela o teatro por trás do front: generais e políticos tratados como feiticeiros manipulando vidas alheias como se fossem peças descartáveis. Não há glamour aqui — só cinismo, ironia e revolta.
A canção originalmente se chamaria Walpurgis (nome de um sabá de bruxas na mitologia germânica), explicando o tom sombrio e ritualístico que permeia a letra. Mas o nome foi alterado para evitar boicotes e tornar a crítica ainda mais direta: porcos da guerra.
🎙️ Trecho a trecho
“Generals gathered in their masses / Just like witches at black masses”
Não há introdução sutil. A comparação entre líderes militares e feiticeiros satânicos estabelece o tom: a guerra é uma cerimônia macabra comandada por homens em posição de poder. O verdadeiro “mal” não está no campo de batalha, mas nos bastidores da política.
“Evil minds that plot destruction / Sorcerer of death’s construction”
Aqui o Sabbath coloca os arquitetos da guerra como engenheiros da morte. Eles não apenas autorizam — eles planejam a destruição com frieza. A guerra deixa de ser consequência e vira produto.
“In the fields the bodies burning / As the war machine keeps turning”
A imagem é crua: corpos carbonizados enquanto a engrenagem militar segue inabalável. A máquina de guerra é insaciável — não para por luto, não freia por dor. É movida a sangue.
“Politicians hide themselves away / They only started the war”
Essa é uma das partes mais potentes da música: os responsáveis pela guerra não sofrem suas consequências. Eles se escondem — figurativa e literalmente. Os que decidem não são os que morrem.
“Time will tell they are the power / Making war just for fun”
O tempo revelará que muitos desses líderes agem por vaidade, ego, lucro. A guerra como passatempo perverso, como espetáculo. Não é estratégia defensiva — é sadismo institucionalizado.
“Day of judgment, God is calling”
Quando a justiça humana falha, o julgamento divino é invocado. Essa cena do acerto de contas final é quase bíblica — não como consolo, mas como esperança de que um dia esses “porcos” encararão as próprias chamas que acenderam.
🔊 Som que arranha a alma
A música tem mais de 7 minutos e carrega em cada riff um recado: o desconforto é necessário. Não estamos ouvindo para relaxar, mas para refletir. O solo cortante de Tony Iommi soa como se fosse esculpido à navalha. As pausas dramáticas entre os versos não são falhas — são silêncios que gritam.
O uso de sirenes na introdução remete a bombardeios, alertas, evacuações. Não é trilha sonora de guerra — é a guerra transformada em som.
📚 Por que ainda importa?
Porque ainda tem “porco” assinando ordens de ataque. Porque os inocentes continuam morrendo enquanto os líderes posam para fotos. Porque o discurso de “libertação” continua sendo usado para justificar massacres. Porque se não nos incomodamos mais ao ouvir essa música, talvez já tenhamos virado cúmplices do sistema.
🙋♀️ Uma observação da autora do blog:
Não é uma canção para fãs de refrão chiclete. War Pigs não se presta a fundo de story no Instagram. Ela incomoda, lateja, arranha. E é para isso que serve: para nos lembrar que, num mundo onde a guerra é vendida como solução, toda arte que ousa gritar verdades se torna ato de resistência.
🟨 Indicado para quem:
Questiona o poder e sua impunidade;
Acredita que música pode ser protesto;
Precisa de um hino para não aceitar passivamente o horror.
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