29 de julho | Dia da Lasanha


Muito além do forno e do prato fumegante, a lasanha é uma dessas criações humanas que atravessam o tempo carregando em suas camadas um pouco de memória, de mistura cultural e de resistência ao esquecimento. Celebrada no dia 29 de julho, essa iguaria que nos reúne aos domingos ou nos salva em jantares apressados guarda uma trajetória milenar, marcada por adaptações e reinvenções — como toda boa narrativa.

📚 Das vasilhas gregas ao forno italiano: uma origem com várias camadas

O nome “lasanha” (ou lasagna, no original italiano) tem raízes no grego antigo: lasanon, que significava “vasilha” ou “recipiente de cozinhar”. Os romanos absorveram o termo como lasanum e, com o tempo, o que antes nomeava o utensílio passou a nomear o conteúdo — uma inversão que só a boa comida é capaz de provocar.

Mas a estrutura que hoje conhecemos — camadas de massa intercaladas com molhos e recheios — começou a ganhar forma na Idade Média, especialmente na região da Emília-Romanha, berço também do ragu à bolonhesa. Um dos registros mais antigos está no Liber de Coquina (séc. XIV), um dos primeiros livros de culinária da Europa, que descreve algo muito próximo da lasanha moderna.

Curiosamente, ainda há debates entre estudiosos gastronômicos sobre qual povo teria inventado “a primeira lasanha”: os gregos, os romanos, os ingleses (que tinham um prato chamado loseyns no século XIV) ou os italianos. O consenso é que a lasanha, como toda receita afetiva, nasceu do cruzamento entre o que havia na despensa e o que pulsava no coração das cozinheiras.

🇧🇷 Lasanha à brasileira: da tradição ao improviso de domingo

No Brasil, a lasanha chegou com os imigrantes italianos entre os séculos XIX e XX, sobretudo no Sul e Sudeste. Inicialmente um prato de festa, foi se popularizando em famílias que adaptavam os ingredientes disponíveis — trocando, por exemplo, o molho bechamel por requeijão, ou a carne moída por frango desfiado.

Hoje, está presente nos cardápios dos mais diversos lares: da lasanha requentada com Coca-Cola no jantar de terça-feira até a versão gourmet servida em festas de casamento. Poucos pratos conseguem ser, ao mesmo tempo, símbolo de conforto, de afeto e de praticidade. A lasanha é a crônica da casa brasileira que se reconstrói com criatividade e panelas cheias.

🍽️ Anatomia de uma lasanha: entre tradição e rebeldia culinária

A lasanha tradicional italiana leva massa de trigo fresca, ragu (molho de carne cozido lentamente com tomate) e queijo — normalmente parmesão e muçarela. Mas como toda obra aberta, ela foi sendo reinventada.

Veja abaixo alguns sabores que revelam as muitas camadas da cultura alimentar brasileira:

🍅 Clássicas (aquelas que fazem a nonna sorrir)

  • Bolonhesa: carne moída, molho de tomate, presunto e muito queijo. É o arquétipo.

  • Frango com catupiry: sabor que grita “Brasil” em cada garfada.

  • Quatro queijos: para os que acreditam na força do cálcio como pilar da civilização.

🥦 Vegetarianas (ou quase, dependendo da tia que faz)

  • Espinafre com ricota: frescor e leveza sem abrir mão da cremosidade.

  • Berinjela com abobrinha: quase uma ratatouille entre camadas.

  • Funghi com bechamel: versão sofisticada e aromática.

🌶️ Regionais e criativas (as que quebram o protocolo)

  • Calabresa com queijo coalho: influência nordestina com sotaque carregado.

  • Feijoada: sim, ela existe. Em festivais, empórios e corações corajosos.

  • Bacon com cheddar: se Garfield morasse nos EUA, talvez fosse essa a favorita.

🍫 Lasanhas doces (para chocar a ortodoxia gastronômica)

  • Doce de leite com coco

  • Chocolate com morango

  • Romeu e Julieta (goiabada com queijo)

As versões sem glúten, veganas e com massa de mandioca, arroz ou pupunha mostram que a lasanha também se adapta às novas demandas alimentares — sem perder sua essência de comida que abraça.

🎭 A lasanha na cultura pop: entre gatos e jantares de reconciliação

A lasanha ganhou status de personagem no imaginário popular quando Garfield, o famoso gato das tirinhas de Jim Davis, declarou seu amor eterno por ela — um amor que ultrapassa dietas e calendários. Mas no Brasil, a lasanha é mais do que objeto de memes: é protagonista de cenas familiares, plot twist de geladeira e redenção de cozinheiros iniciantes.

Dizem que uma lasanha bem feita é capaz de selar a paz em jantares de domingo após brigas homéricas. Nisso, talvez, resida sua força simbólica: unir o que foi desfeito, alimentar o que parecia desnutrido — seja o corpo, seja o afeto.

✨ Reflexão final: entre a colher de pau e a identidade

A lasanha é uma metáfora culinária para muitos aspectos da vida: camadas de passado e presente, sabores que se intercalam, tempo de forno e paciência. O Brasil soube acolher esse prato, dar-lhe nome e tempero próprios, sem apagar suas origens.

Em tempos em que tudo precisa ser rápido, individual e funcional, a lasanha resiste como um manifesto a favor do tempo compartilhado, do preparo com intenção e do prazer coletivo.

E, convenhamos, ela é uma delícia.


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