No inferno toca sertanejo universitário
Não me pergunte de onde vim, porque a resposta é mais feia do que você suportaria ouvir. Sou o resultado de todos os silêncios engolidos, dos “deixa para lá”, dos “pelo menos você tem um emprego”, das lágrimas que secaram antes de cair porque o tempo não me permitia chorar. Sou filha bastarda do cansaço com a indignação, irmã mais velha da raiva contida e amante fiel da ironia. Nasci do grito que nunca ecoou, das vontades que mofaram no fundo do peito e das humilhações que fincaram raízes no estômago.
Disseram que trabalhar dignifica, mas esqueceram de avisar que, para alguns, trabalhar é ser espancada em parcelas, todo fim de semana, com sorrisos falsos e coletes ridículos. Sou atendente. Uma atendente invisível. Uma peça de reposição em eventos que fingem ser alegria, mas fedem a opressão com cheiro de fritura velha. Sou aquela que não tem nome, só um número no colete, como uma presidiária. Aquela que precisa sorrir enquanto é empurrada, xingada, ignorada, usada. Aquela que “está ali para isso”. Aquela que, se responde, é insolente. Se cala, é fraca.
Para sobreviver, escrevo. E escrevendo, sangro. E sangrando, sigo um dia de cada vez. E ainda bem que é um de cada vez.
Bem-vindos ao inferno. Lá, a trilha sonora é sertanejo universitário.