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sempre foi um poema de amor 💞



o amor não prende-se a falidas convenções,
ama-se sem medidas, sem impor condições.
reconheço o amor na essência de quem amo,
tampouco amo um em detrimento de outro.
cada sentimento corresponde ao que se vive.
com cada pessoa, cada vez mais aprendo a amar.
a isso os moralistas chamam de libertinagem,
eu, por minha vez, entendo por liberdade.

— sempre foi um poema de amor 🪻




Orgulho 🌈

homofóbicos NÃO PASSARÃO

Hoje meu pai estava assistindo ao discurso de um deputado e o político, em certa altura, criticou a Parada do Orgulho LGBTQIA+, utilizando a falaciosa desculpa de que "as criancinhas podem ser mal influenciadas pelos LGBTS".
Nesse ínterim, minha mãe, mulher de outra geração, discordou do deputado porque considerou o discurso dele LGBTfóbico. Esse coraçãozinho aqui foi tomado de alegria e ternura porque minha batalha não foi, não é e não será em vão.
O deputado tem o direito de se expressar dentro e fora do plenário, no entanto, da mesma forma temos o direito de discordar e desde que a troca de ideias mantenha-se dentro das quatro linhas da legalidade, tudo certo.
A questão mais determinante é sobre quando o discurso coloca vidas em risco, oprime e invisibiliza a existência de outrem porque temos liberdade (ou acreditamos ter) para sermos quem somos, no entanto, seria insano pensar que iremos agradar a todos os públicos, nem nós gostamos de todo mundo.
Ninguém está nem aí se você concorda e ninguém aqui quer ler versículo bíblico jogado fora de contexto para sustentar a falsa santidade, a questão é respeitar. Se o seu deus é aquele que só pune, odeia, castiga e condena, sinto muito, mas ele não é o meu. E que bom.
Por outro lado, ver minha jornalista favorita se assumir em rede nacional enche o coração de ternura, nos lembra que temos de nos posicionar, ser para os outros as referências que não tivemos, não permitir que ninguém se aproprie do nosso lugar de fala, nem que ninguém nos diga o que é ou não preconceito.
Há pessoas que temem aquilo que não conhecem e não compreendem muito bem, logo, é preciso ter carinho e respeitar o espaço de cada pessoa da mesma forma que reivindicamos nosso respeito e nosso espaço por meio das artes, das políticas de inclusão e da força de vontade de cada um todos os dias para ser quem se é, para que deixemos de integrar estatísticas nefastas. 

Sou quem eu sou, seja quem você é. Com muito orgulho. 🌈

fetiches

 


afáveis e cálidos braços envolvem-me
respirações entrecortadas,
o olhar cúmplice depois do beijo,
as continuações,
as roupas vão ficando pelo chão,
seus dedos tocam uma canção,
sou apenas sua.
estamos em casa.

se nuvens derramam lágrimas furibundas
e ventos tempestuosos prenunciam perigos, não tememos.
nós já protagonizamos esta cena diversas vezes,
no entanto, nossos personagens tinham nomes distintos,
os cenários de outrora são nossas
"saudades do que afirmamos nunca ter vivido".
estamos em casa.

se nós sempre nos reconhecemos
em meio ao turbilhão de deveres mundanos,
sabe-se que o esquecimento nunca apagou as impressões
que nos reconectam àquela parte da nossa essência
— tão necessária para que o ritmo do processo de evolução não enfraqueça —,
tampouco o apreço responsável
por tão memoráveis encontros de almas, corpos e intenções.
estamos em casa.

toques sagram reencontros e sanam tão doloridas ausências,
fecho os olhos e continuo sonhando,
após uma vida de tombos e desencontros
eis o sim para o sonho que hoje faz da realidade a poesia
porque ela é a sensível ilustradora
dessa história que nunca terá fim,
apenas breves intervalos entre os atos.
estamos em casa.

- fetiches


Curitiba, 06 de julho de 2022.

consentimento 💕

 



as regras devem ser claras

este jogo é jogado por dois
joga-se limpo ou fim de jogo
avançamos neste torneio
ou permanecemos estáveis
o objetivo deste campeonato
não se dá por competirmos
um com o outro
e sim por compartilharmos
dessas sensações inigualáveis
corpos unidos e encaixados
ocupam o mesmo espaço
dois corações num ritmo afim
histórias que se encontram
poucos mergulham tão fundo assim
um ponto fora da curva
mas jamais perdido
um beijo na testa e outro nos olhos
me abraça e fica aqui comigo

— consentimento ðŸ’•

Reflexões de Ceci

 N/A: Encontrei esse texto de 2018, cuja narradora é a Ceci Paternostro ♥, da obra Aconteceu naquela tarde de verão. Cecília completará 5 anos de criação em agosto. Submeti o texto a uma revisão, reedição e reescrita. Conjugando corretamente o pronome da pessoa amada. B não é biscoitinho da sigla. Nós existimos.

Toda forma de amor tem espaço no OCDM

A postura de quem passa por todos os estágios de um coração partido é a mais defensiva possível. Erguemos uma muralha à nossa volta no intento de proteger o pesado portão para barrar possíveis ameaças. Invejamos o Homem de Lata, que não tinha coração, porque dói tanto olhar para a hora que não passa, sentar diante de uma mesa vazia e o silêncio incomodar mais do que a bagunça. 
Viver dói.
Esquecemo-nos de que o mesmo amor que machuca, também pode ser a cura.
Esquecemo-nos de não determos o controle de nada. Na inútil tentativa de buscar segurança em qualquer subterfúgio que não exponha nossa fragilidade, nos machucamos e deixamos rastros de nossa imaturidade por todos os cantos.
Esquecemo-nos de que pedir desculpas não nos desumaniza, lutar pelo amor não nos torna tolas, fracas e desconectadas da realidade.
Muitos recuam ao sinal do primeiro obstáculo, desistem de lutar à medida que não se sentem merecedores do amor que sentem, dizem amar quando desejam tão somente a afirmação e aprovação da sociedade inclinada a demonizar a solidão, condenando aqueles que por inúmeras razões esperam a uma condição injusta de doente, inapto, incapaz, desinteressante. 
E depois de um coração partido, a impressão que se tem é a de que o amor apenas serve para machucar, que todas as pessoas são uma ameaça em potencial.
Escondemo-nos de que, mesmo excedendo as intimidades, tentam nos tirar da concha. 
Escondemo-nos de qualquer convite tentador que nos furte o conforto trazido pela inércia.
Escondemo-nos de nós mesmos, suprimindo também a capacidade de florescer amor.
E nessa brincadeira de pique-esconde com o universo, surpresas acontecem. Não antes que o coração cale-se para se ouvir. E se ouvir sem pudor. Aquele mergulho interior que deixa as paredes da alma arranhadas como se fossem um disco que nunca para de tocar.
O apego desmedido tornou-me refém do egoísmo. O sentimento predominante não se chamava amor. Era a junção de traumas, inseguranças, expectativas distorcidas. O medo de perder era tão imenso que nunca me permitia viver o presente. Os pensamentos projetavam um futuro sombrio sem ela, o passado retornava em doses esporádicas de gatilhos. O ninho de amor era um lugar solitário e não mais o pacto entre duas pessoas que se entregavam ao desejo e poderiam se demorar, o único compromisso urgente naqueles bons tempos era amar.
Deixou de ser. 
A passarinha escolheu pousar no meu ninho porque naquele momento não havia mais nenhum lugar no mundo no qual se sentisse acolhida e segura. Éramos cúmplices, confidentes, planejávamos para aquele futuro distante. Felicidade demais sempre embrulhou o estômago. Eu sabia, sabia que estava perfeito demais para ser verdade. Eu aceitaria tudo, menos te perder. Eu daria literalmente tudo por você. Ninguém me interessava mais.
Em busca de conquistar seu amor para que nós não tornássemos aqueles casais que julgávamos, cansei minha imagem, admito com vergonha que tentei moldar você para ser mais parecida com aquela mulher da minha imaginação, quebrando, portanto, a promessa de amar você do jeitinho que você era.
Nossas longas conversas sobre assuntos aleatórios transformaram-se em longas discussões as quais levantávamos a voz, batíamos portas e passávamos dias sem qualquer contato, como se não passássemos de meras colegas de quarto. O arrependimento vinha e o perdão, banalizado, já não era mais um ponto final ao conflito. A paz, fadada à efemeridade, afetada sobremaneira pelas circunstâncias, passava longe de nós.
As vírgulas eram vislumbres de um novo olhar para a nossa história, mas o que nenhuma de nós tinha coragem de admitir a si própria, estava óbvio para todos os nossos conhecidos. Mentíamos porque a situação, apesar de desconfortável, era conveniente. Eu precisava de você. Eu não queria perder você.
Foi naquela madrugada tão fria e longa a nossa última briga. Você quebrou meu celular várias vezes e eu perdoei porque tentava não dar motivos para desconfianças, depois você me empurrou, deixei passar porque você estava nervosa, mas quando suas mãos me agrediram e colocaram por terra o que ainda havia de dignidade, continuei no chão e ouvi todas as palavras mais amargas do mundo de alguém que abriu a porta e saiu fazendo escândalo. Eu não poderia tolerar isso. Amor nenhum no mundo sobreviveria àquele caos.
Remoer o rancor denota a postura arrogante de quem insiste nos mesmos desatinos sem ter a humildade de aprender com eles. Juntas aprendemos a viver num mundo que exige que “crianças grandes” estejam prontas para todos os reveses, para se curvar sem se envergar.
Juntas aprendemos a amar.
Juntas amamos. E muito.
Juntas demos as mãos, sentamos no chão, nos abraçamos e choramos.
Juntas, já fomos um só coração, mas fomos deixando de ser, porque as metades que nos tornamos deixaram de ser um encaixe harmonioso para ser a lança afiada que torna a convivência cada vez mais pesada.
Juntas ainda podemos aprender, porque a ideia central de uma união é que um braço ampare o outro, que se busque a concórdia, o equilíbrio, que valores primordiais como o respeito e a compaixão pela outra parte estejam acima de quaisquer interesses escusos.
As pessoas que passam pela nossa vida irão quebrar nossos corações de alguma forma, é inevitável, diante do encontro das almas, da marca que deixamos nelas também. Aprendemos, assim, que o sofrimento faz parte da nossa jornada de evolução, que sempre estaremos à frente de um obstáculo que nos exige coragem, força e sabedoria. Não caminhamos em linha reta. Estamos sempre fazendo escolhas, até quando silenciamos.
E falar de coração partido é virar a outra face da moeda para enxergá-la, de fato.
Se tive o coração partido, também parti outros corações. E estou não apenas refletindo sobre a situação, como ponderando cada visão de mundo envolvida, porque estou amando novamente e espero oferecê-la a versão mais madura de mim, aquela que enquanto deu um tempo ao coração, ouviu realmente o que ele queria dizer.
Durante a negação quis crer que a culpa não foi minha, durante a tristeza esperei pela ligação que jamais aconteceu, durante a raiva arrependi-me de cada jura de amor, o ódio foi o meio menos digno de remover-te do pedestal e durante a suposta “aceitação”, findei-me na premissa de que chegava o momento arrastado para debaixo do tapete: ser a minha própria namorada.
Viver sozinha era menos trabalhoso e me asseguraria à segurança emocional tão necessária, constatando apenas quando meu coração voltou a bater por alguém que eu não queria passar a vida inteira solitária e me privando de amar com a intensidade que me define, apenas esperava pela certeza de ser correspondida. Agora que sou, recuo.
Os livros não contam, você descobre por conta própria: os adultos também sentem medo, apenas não podem reproduzi-los da maneira que uma criança tem autorização. Admito sem firulas que sinto medo. Não de amar. Não de ser correspondida ou de não ser. Não de que o nosso “para sempre” não dure o previsto. Temo que o egoísmo e a vaidade me dominem outra vez, de amar sem reservas e me esquecer de que quem caminha ao meu lado precisa da segurança a qual não sei se posso oferecer, porque nem mesmo confio em mim às vezes.
Eu também estou aprendendo a amar. A me amar. A respeitar limites. A me tratar com o respeito que jamais me tratei. A aprender a diferença entre ser uma pessoa boa e ser uma pessoa boba. A perdoar. A me perdoar. A dominar meus pensamentos ou pelo menos administrar melhor as crises.
Sinto medo de ter medo. Medo do desconhecido.
Talvez tenha chegado a hora de tomar partido e preparar-me para as eventuais consequências. Estarei pronta para assumir ao mundo o meu verdadeiro eu, ou por assim dizer, um recorte discreto, mas sincero do meu verdadeiro eu?

Diga que me ama (cap. 10) ele fala


        Você já está nos braços de outra pessoa, amando e se deixando amar. Vocês formam um belo par. Ainda assim, dói. Meus sentimentos estão bagunçados. Alegro-me por saber que depois de todas as desilusões que lhe furtaram a fé, seu coração te guiou com a razão e as portas se abriram para que alguém adentrasse e cuidasse um pouco dessa alma incrível. 
Por outro lado, não serei hipócrita: eu queria ser essa pessoa que te proporciona tantos sorrisos, com quem você imagina um futuro ao lado, ainda que não possa mudar os fatos. Te ver sem poder te tocar, te sentir, ter qualquer esperança de te provar que meu apreço sempre foi verdadeiro, me martiriza sobremaneira. Preciso aceitar que agora você é meu maior impossível.
Queria te abraçar sem pressa e deslizar as mãos pela sua cintura, deixar os dedos correrem por entre os seus cabelos e te beijar. Eu ainda me lembro do seu gosto, deixou saudades no céu da boca. Seu cheiro na fronha do travesseiro, as pontas dos dedos curando feridas que a insegurança encobria com camadas de vaidade. Hoje te enviei aquela música, talvez tenha colocado tudo a perder, porque as mágoas não são muralhas que impedem o contato. Lágrimas não choradas nos surpreendem. Somos tão francos com o papel, libertamos nossos pesos conforme as páginas avançam.
Você se lembra de quando demos nosso último beijo? Sabíamos que seria o derradeiro? Havia algum sinal que não interpretamos muito bem ou fomos vítimas de uma sucessão de desencontros?
        Não quero te constranger te perguntando a respeito da música porque ela, por si só, diria muito mais do que eu, em minhas tentativas pífias de escrevinhar uma resposta digna. Melhor acreditar que te marquei por saber que The Corrs Ã© uma das suas bandas favoritas. Poucos têm conhecimento de que você ainda guarda com carinho os CDs e discos ganhados e comprados. Forgiven, not forgotten Ã© um deles. 
        Ora bolas, você está comprometida. Quase dez anos se passaram desde o nosso último beijo. Seguimos o curso de nossas vidas, nos permitimos beijar outros lábios, dormir em outros braços, encarar desafios e provações. O tempo não parou. Nossas escolhas nos levaram a estar onde estamos hoje. Se decorresse o inverso, a abnegação seria sua prova mais de pura de amor. 
Você viu Yasmin nos braços de outro rapaz e mesmo com o coração quebrado por saber que eles se envolviam enquanto vocês estavam juntas, seguiu em frente e decidiu cuidar um pouco mais de você mesma, não focou sua energia em planinhos ridículos de vingança.
       Ainda me lembro dos seus longos cabelos castanhos cobrindo a cintura, daquele vestido de verão branco com estampas florais e manga ciganinha que você usava naquele happy hour de ano-novo, do colar cujo pingente era um coração vazado, de seu sorriso também. 
Você me disse uma vez não se sentir bonita. Isso ainda se dá por você nunca ter enxergado sob as lentes de quem a ama. Se fosse capaz disso, se surpreenderia. Porque me surpreendi com a intensidade das batidas do meu coração quando nossos olhares se encontraram naquela mesa cheia de gente risonha e paqueradora e nos cumprimentamos pela primeira vez.
        Você estava desacompanhada e não usava anel de compromisso. A noite era longa. Amigos se reuniam e colocavam a prosa em dia. Suas amigas estavam trocando amassos com os companheiros enquanto você conversava e parecia até um pouco deslocada, não exatamente por não ter um par, mas porque não estava em seu lugar.
        — Está esperando alguém?
        Você fez que não com a cabeça.
        — Tudo bem se eu me sentar aqui?
        Você me perguntou se eu era quem era, confirmei com um sorriso e então me lembrei de uma moça bonita a qual alguns amigos meus comentavam, que apesar do talento não ascendia na profissão porque não dormia com o patrão. Não se aborreça comigo, mas era o papo que rolava entre amigos em comum, que a Cláudia Barreto só se tornou âncora do TVTV News porque saía com o Sr. Velloso, enquanto você, que havia estudado por quatro anos, feito pós-graduação e vários cursos livres, era preterida, apesar de talentosa.
        Essa moça bonita era você, também conhecida por não dar moral a ninguém.
As línguas maldosas diziam que você almejava ser à preferida do velho Velloso e por isso não assumia nenhum relacionamento. Outros já questionavam sua orientação sexual, embora naquela época você não falasse a respeito, fosse por medo de portas fechadas ou por separar vida pessoal da profissional com a maestria que poucos de nós conseguimos.
        — Pois é, tenho que estar de pé às sete. — Você deu de ombros. — Estou de plantão, por isso não vou beber nem um golinho, só vim dar um abraço no pessoal…
        — Não vai nem acordar para ver os fogos?
        — Talvez… — Você me respondeu, sorridente, e a conversa fluiu tanto que, por mais que seus sinais não fossem tão claros, a ideia de dormir com você se agigantou dentro de mim. Se você também curtia viver intensamente sem problematizar tudo, trato feito.
        — Depois do plantão, você vai ter uma folguinha? — Arrisquei, porque tudo que poderia ouvir de você era um não e até onde sei, ouvir não faz parte da vida. Pior do que ele, o nada, o nada que poderia ter sido tudo, a teia destrutiva da suposição.
        — Não. Sigo na labuta. Não paro nunca. — Você me respondeu.
        — Nem gripe te derruba? — Brinquei.
        — Só gripe e olha lá.
        A primeira impressão nem sempre é a mais correta, mas a sua desmontou todas aquelas teorias da conspiração que pipocavam a seu respeito. 
Naquele instante, vi uma jovem jornalista focada batalhando para construir uma reputação ilibada no trabalho, dedicada, entretanto, esgotada e ferida pela total falta de reconhecimento, sem oportunidades reais de ascensão.
Gozei desse privilégio, não posso negar; só agora me dou conta disso, de que o caminho que você trilhou para estar onde está, foi muito mais repleto de buracos, trechos íngremes e curvas perigosas. No entanto, para a felicidade geral, você nunca se intimidou nem com a pior das tempestades.
        — Me passa seu número?
        Meus planos para 2009 eram os de sempre, comuns a todos nós, os clichês que repetimos para que se tornem verdades. Aquele que brotou quando 2008 já se aproximava do derradeiro fim, foi te ver naquele novo ano, te ver nem que fosse uma só vez, quiçá a última.
        E você me passou seu número, aproveitando o ensejo também para se despedir da turma. Provavelmente até hoje você pensa que flertei com outra moça e passei a virada do ano acompanhado.
       Pouco depois que você saiu, eu poderia, sim, ter entornado vários drinques e me divertido com outra. Em vez disso, voltei para casa e passei a virada vendo televisão, olhando para o seu número gravado na minha agenda e pensando se seria muito atrevimento te deixar uma mensagem de feliz ano-novo.
        O tal do “escrevi, mas não tive coragem de enviar”.

Diga que me ama (cap. 2) - por Ceci



Amar o amor Ã© muito diferente de aprisioná-lo em uma convenção atulhada de regras quase sempre egoístas, egocêntricas e retrógradas. Próxima dos 30 anos, as comparações com primas da mesma idade que já haviam deixado a vida de solteiras para construir famílias era constante. Olhares de piedade vindos das tias mais velhas que me pediam para “não perder a esperança”, como se o fato de não estar comprometida nos moldes mais tradicionais me condenasse a uma existência sem brilho.
Eu já não era mais uma foca na redação. Trabalhava arduamente e os imprevistos combinavam tanto quanto meu figurino. Às vezes preterida, às vezes esperançosa. A carreira era o foco central da minha vida, afinal, dela vinha (e ainda vem) o pão de cada dia. Vinha lutando para um propósito maior do que me sentar em uma bancada e passar dez ou até vinte anos (isso com sorte) fazendo o mesmo, muitos colegas nossos pereceriam por tudo isso. 
Eu buscava um sentido no ofício, um meio de me realizar como pessoa e compartilhar com a comunidade o aprendizado diário nas atividades que executava dentro e fora do ambiente de trabalho.
Meu coração, se assim pode dizer, estava ocupado demais para joguinhos estúpidos e pessoas que atravancassem meu caminho com possessividade e egoísmo. Não posso dizer que sempre sonhei em me casar de véu e grinalda e brincava de casinha porque seria uma tremenda hipócrita. Estava sempre metida nas partidas de futebol de rua com os meus irmãos, batendo figurinha, construindo carrinho de rolimã, passando longe de ser aquela menininha-padrão que toda mãe sonha em colocar frufru no cabelo e vestidinho com bainha de renda. 
Eu herdava a roupa dos mais velhos — o que podia ser aproveitado, sentia-me confortável, escaramuçando até a Vó Hilda gritar da janela do apartamento: “pra dentro, cambada!” e vivia cada dia de uma vez, sem me preocupar com o amanhã ou com o que pensariam de mim, eu estava ocupada demais me divertindo.
Tudo mudou quando eu estava com doze anos e meio. Eu já notava algumas mudanças no meu corpo, sobretudo em relação à estatura, que impressionou, porque as outras são irrelevantes ao contexto. Teria futuro enquanto levantadora, se assim desejasse, altura eu tinha. Poderia pensar em jogar basquete também. 
As transformações que encerrariam minha infância seriam mais cáusticas, profundas e inquestionáveis.
A família sempre foi o meu grande pilar. Não era novidade para ninguém que os parentes promovessem uma grande reunião no Natal e no ano-novo, oportunidade para os primos se reverem, colocarem as conversas em dia e brincarem até adormecerem nos colchões dispostos na sala do apartamento de vovó. 
A preparação começava cedo, com a Vó Hilda assando os perus e a Tia Zuleica, minha madrinha, correndo no mercado para comprar algum ingrediente que faltou, enquanto o Vô Ariosvaldo preparava o salão de festas do prédio porque a maioria dos moradores viajava durante o recesso.

****

1994 foi um ano bastante difícil e movimentado. Tivemos a perda do Senna, devastadora para o meu pai e meus irmãos mais velhos que apreciavam a Fórmula 1 até aquele sombrio primeiro de maio.
Em julho, com ou sem tetra, meu aniversário estava garantido, mas depois daquele pênalti que rendeu à seleção canarinho o quarto título mundial, não me importei em ser “esquecida”, meu aniversário foi dois dias antes. 
Triste foi perder minha cachorrinha Susi, uma vira-lata cor de caramelo, minha parceira desde os 4 anos. Ela se assustou tanto com os foguetes e rojões que fugiu do festerê no salão de festas, foi encontrada esmagada debaixo da roda do carro de um amigo do meu pai.
Esperava que 1995 fosse melhor, mesmo estando naquela fase em que quebraria todos os espelhos do mundo sem me importar com as superstições relacionadas. Fiz questão de usar o cropped branco de rendinha e a saia rodada cuja barra ficava a dois dedos das minhas coxas finas. Era presente da Dinda, não podia fazer desfeita.
Meus irmãos me achincalhavam dizendo que minhas pernas pareciam duas varetas. Eu estava medindo quase o mesmo que o papai e só não cheguei a ser modelo de passarela, apesar dos inúmeros clamores, porque nunca quis parar de comer e ser um cabide humano, descartado tão logo aparecesse outra de treze que contemplasse às expectativas. Zuleica me dizia que aquela fase de insegurança, angústia e inadequação daria espaço para algo muito maior, para a minha percepção real do que significava ser mulher.
Com a Dinda eu era totalmente transparente. Pelo fato de meu pai ser médico e minha mãe enfermeira, minha madrinha era uma figura de autoridade com quem podia desabafar naqueles tempos em que tinha tantas dúvidas, tantas curiosidades, tantos desejos. 
Ela morava com os pais para cuidar deles, porém trabalhava e custeava os próprios caprichos. No meio daquele ano pretendia conhecer Machu Pichu, no Peru, e queria me levar junto, com a condição de que eu me comportasse bem em casa e tirasse boas notas na escola.
Nosso último abraço sempre terminava com um “até mais” depois que eu pedia a bênção. Não tinha nenhum indício de que seria o último. Ela não tencionava nem por um segundo dar cabo da própria vida, amava acordar toda manhã, acender incensos para fazer suas preces matinais e nunca saía de casa com a barriga vazia. Vovô reclamava do aroma de mirra que se expandia por todo o apartamento. Para agora, Zuleica seria um exemplo de mulher empoderada que jamais precisou de um namorado ou marido para deixar um legado.
Falecer aos 42 anos era impensável. Jovem demais. Machu Pichu a esperava. Aquele ano e tudo o que perderia. Eu precisava dela mais do que nunca. Eu a amava mais do que a minha própria mãe. Muito, muito mais.
Quando acordei naquele fatídico primeiro de janeiro de 1995, lá por volta do meio-dia, escutei a choradeira na sala. Pensei que Drica, minha irmã caçula e pimentinha, havia aprontado das dela. Da última vez que bancou a engraçadinha, levou quatro pontos na testa, mas Adriana, de cócoras ao lado do sofá, observava aquela movimentação tensa com os olhos negros, bem arregalados.
— Que ano! — ironizou meu pai. — A Zuleica morre assim e agora a mamãe vai parar no hospital.
— E queria o quê, homem? Que sua mãe comemorasse a perda da Zuleica?
Mamãe me viu pelo corredor e a expressão tensa em seu rosto tanto poderia ser uma reprimenda em relação ao meu comportamento, como um sinal para o tal do “precisamos conversar”.
Minha madrinha tinha mania de limpeza, nunca dormia sem guardar toda a louça, por mais que vovó insistisse que daria conta de tudo pela manhã. Zuleica se angustiava com louça suja e fora do lugar, chão cheio de migalhas e vasos de lixo transbordando.
Meus avós costumam rezar o terço antes de dormir. Eram católicos fervorosos. Se tivessem dormido tão logo os convidados se despedissem, não ouviriam o estrondo vindo lá da cozinha. Foi um ataque cardíaco fulminante, igual ao da personagem de uma novela que passou no ano anterior e a qual amávamos muito.
Saí de casa para desmentir minha mãe e por mais que apertasse a campainha do apartamento dos meus avós até o dedo indicador ficar roxo, ninguém me atendia. 
Quando notei que a caravana voltava não para celebrar e sim para lamentar, fugi pela saída de emergência e corri até onde minhas pernas de gazela desengonçada suportaram, queria que meu coração parasse também.
Viver havia perdido todo o sentido.
Naquele dia, perdi completamente a noção das horas, me escondi na copa de um pé de ameixa que não ficava muito longe do complexo residencial onde meus avós e a Dinda residiam, não porque fosse indiferente à dor dos demais, mas porque precisava daquele momento comigo mesma. Não queria ver Zuleica presa a um caixão escuro, todo fechado. Tinha ciência de que não poderia passar o resto dos meus dias escondida e que não queria voltar para casa.
A morte da minha madrinha abalou as estruturas emocionais de todos. Vovó teve várias crises de hipertensão durante o sepultamento da filha do meio e meus pais sofriam porque tinham noção do efeito dominó. Meus irmãos lamentavam o falecimento de uma tia próxima e querida, contudo, não a amavam como eu a amava.
Tudo perdeu a graça: comemorar aniversário, brincar com as outras crianças na rua, até mesmo estudar. Só não repeti de ano, seria uma humilhação ficar atrasada em relação aos meus amigos, por mais que não sentisse vontade nenhuma de interagir com ninguém e em alguns momentos carregasse a culpa por não ter forças para superar a perda da pessoa que mais me amava no mundo.
Meus pais me amavam, todavia Drica, por ser a filha mais nova, recebia mais atenção. No outro extremo o Sérgio, o primogênito, que estava em ano de prestar vestibular e seria o primeiro Paternostro da geração a terminar os estudos regulares.
Só de ver a chamada do Réveillon do Rubão na televisão eu já entrei em pânico. A família tomou a decisão de manter as tradições, mas a Cecília de um ano antes não era aquela que surrupiou uma garrafa de bebida destilada e uma cartela dos comprimidos que meu avô utilizava para manter a pressão arterial em níveis estáveis.
Pela primeira vez na vida não me interessava nem um pouco em receber um ano, escolher roupa branca ou fazer penteado especial. Aquele que se passou como um borrão na memória não deixou saudades. Primeiro de janeiro sempre traria consigo a lembrança de uma dor que nunca passou por completo.
 Ainda hoje não sou simpática ao ano-novo, motivo pelo qual preferiria trabalhar para poder dormir durante a queima de fogos e ficar quase sozinha numa redação vazia e carente de grandes reportagens, posto que salvo alguma tragédia ou evento político, os primeiros dias de janeiro costumam ser pouco movimentados.
Despertei numa cama de hospital, vendo meus pais e irmãos se controlarem para não chorar. Um médico, amigo de longas datas do meu pai, desconfiou de tentativa de suicídio, no entanto, ninguém queria falar sobre aquele assunto tabu e me encher de perguntas. 
Papai sempre diz que quem me salvou foi Drica, pulando na minha cama para me acordar e ver a queima de fogos. Ao notar que eu não reagia, puxou as cobertas, gritou na minha orelha, puxou meu cabelo e, aos gritos, chamou meus progenitores, esperando que eles me dessem uma bronca por dormir na hora da virada.
Dez anos atrás, numa balada de ano-novo, conheci você…

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