Amanhã será outro dia, a noite apagará as lembranças
desta tarde de céu azul, calor e diversão. O amanhã está por vir, embora não
saibamos o que nos reserva. Estou muito cansada e presumo que você também
esteja, afinal, a adrenalina foi o cerne da aventura que com o apoio dos
recursos tecnológicos foi registrada em fotografias, vídeos inesquecíveis e
risadas, aquelas que ecoaram das profundezas na alma e espantaram qualquer
indício de desânimo.
Não perguntei seu nome, nem você o meu, mas
de vez em quando coincidia de estarmos no mesmo brinquedo, a exemplo de quando
nos conhecemos lá na montanha-russa e o medo norteou a socialização.
Uma pontinha de medo todo corajoso sente,
mas enfrentá-lo nos enche de satisfação e aquele monstro de sete cabeças e mil
tentáculos se desvanece.
O carrinho ia subindo pelos trilhos, o
caminho me era conhecido de outro parque, embora eu tenha te respondido que
nunca estive numa montanha-russa. Tudo bem, eu menti. Não faz mais diferença
agora, entretanto não me agrada a ideia de mentir. Uma meia verdade, talvez. O
mais correto seria explicar que eu não frequentava um parque de diversões havia
quase dez anos, o que seria brecha para engrenar uma conversa na qual pudesse
perguntar seu nome, você o meu e trocar algumas informações, quem sabe até o
contato do whatsapp mesmo que de crush de uma tarde você se tornasse apenas
mais um contato que não interage comigo como tantos, isso é, se eu não fosse
tão tímida, se as palavras não me acanhassem.
Eu estava tão concentrada em viver aquele
instante e só ele que me deixei guiar pelo frio na barriga, não disse nada e
isso disse tudo. Os batimentos cardíacos alinhados em plena sintonia com aquele
frio na barriga que nos fez gritar, exorcizar nossos temores, nossos gritos
silenciados e entrar no clima de aventura. O percurso pode ter sido breve ao
mesmo tempo em que foi eterno na dosagem certa para que eu não me esquecesse
dele.
Um punhado de gentileza, simpatia e
descontração. Um sorriso, um olhar de identificação. Espero que você tenha se
divertido tanto quanto eu no dia de hoje, mesmo que acabemos por nos esquecer
dos detalhes mais pequenos, o que é natural, certas coisas ficam guardadas
porque não se repetem. Antes de sair de casa, enquanto me arrumava, essa frase
que ouvi numa novela me invadiu de súbito.
Nessa vida os momentos jamais se repetem.
Por mais azul que esteja o céu amanhã, nunca
será tão azul quanto foi hoje. As ondas que quebram à beira-mar são
cristalinas, mas também não são as mesmas de outrora. A água molha os pés do
turista e na areia molhada aquela menina que vê o mar pela primeira vez deixa
suas pegadas ali, ainda que não permaneçam e outros pés por ali passem, a
experiência imortalizou o instante.
Não, o que houve hoje não vai se repetir nem
amanhã nem depois, nem que quiséssemos com todas as forças que sim. O tempo
sempre tem tempo para acabar.
Amanhã outras pessoas levantarão os braços
no embalo do Barco Viking que me fará lembrar de você, do seu sorriso e
da animação que aquela breve viagem teve. Alto, baixo. Uhuuuuuu, gritou a
multidão. Alto, baixo. Quanto mais alto melhor, a graça é essa.
Amanhã haverá uma fila de gente esperando
para brincar no Crazy Dance, jurando não ter medo de montanha-russa,
repetindo a fila para o carrinho bate-bate, puxando uma conversa amigável com o
coleguinha ao lado para ter com quem partilhar aqueles instantes de animação,
flertando com o Kamikaze, na fila para o algodão-doce, se esbaldando com
o sorvete, de mãos dadas sendo tão crianças quanto aquelas que ainda o são no
tamanho e na pureza, registrando em suas câmeras algum amigo ou ente querido numa
atração. Ou a si próprios. Ou registrando com os olhos do coração.
Amanhã em nosso lugar estarão a perambular
naquele espaço outras pessoas de pulseira colorida no pulso esquerdo, outras
histórias serão vividas, tudo será diferente do que foi hoje. Ainda assim
desejo que a alegria em sua alma se conserve como a luz do sol aquece as folhas
das árvores e é tão intensa no verão, a fim de nos guiar por essa estrada nova
cheia de páginas em branco esperando para serem escritas com as nossas
experiências e impressões de nossos mundos sobre esse mundo maior, os embustes
e os deleites que ele nos reserva.
Janeiro é sempre janeiro, mas repare nos
detalhes que nada é igual. Se porventura retornarmos ao parque, ainda que ele
esteja no mesmo lugar, a experiência será diferente.
Não pretendo te procurar porque é certo que
os contornos do seu rosto se apagarão com o passar dos dias, não faria o menor
sentido porque nunca saberei seu nome, nem você o meu, as probabilidades de nos
encontrarmos de novo são ínfimas e provavelmente eu fui alguém que você também
vai se esquecer. Nem te culpo por isso, todo mundo tem uma história desse tipo
para contar. Um rosto dentre tantos na multidão. E só. E o que ficou onde
esteve. Às vezes na poltrona ao seu lado no ônibus talvez com um livro por
entre as mãos, talvez não. Alguém que te despertou um olhar mais atento na fila
do cinema ou que se sentou ao seu lado na montanha-russa.
Nunca se sabe quando esse alguém vem, mas é
sempre alguém. Um alguém que sem pedir licença toma conta dos seus pensamentos.
E dos meus. E de outros tantos corações que deixam aquele milésimo de
eternidade cair no esquecimento e prosseguem. Como chegam também se vão, num
estalo.
Bem ali naquele terreno onde a cada
temporada brinquedos radicais são montados para animar o verão vai ficar o meu
segredo, o ponto final daquela conversa imaginária que tive com você, os
momentos em que nos vemos e sorrimos como se fôssemos amigas de longas datas.
Não sei onde você mora, quais são as suas
expectativas para este ano que acabou de chegar, não sei de nada e jamais
saberei, mas quero guardar na memória aquilo que nenhuma câmera de celular
registrou, que dentro de mim se passou, uma vez que a duração não importa e sim
a intensidade do que se vive.
Tudo o que sei é que quis muito ter uma
oportunidade de conversar com você e já que não pude, me contentei em te
observar porque enquanto estive lá e brinquei com outras pessoas, elas foram
minhas conhecidas e sentada numa cadeira de plástico foi inevitável negar minha
essência, a de olhar para cada um e imaginar o que se passava em seus corações,
de onde vinham e para onde iriam, seus amores, suas descobertas, suas saudades,
mas não possuo o dom de ler pensamentos.
Não poderia ser diferente com você.
Sua camiseta cinza e aquela aura de animação
e coragem que pareciam inesgotáveis, o sorriso daquelas duas menininhas tão
pequenas e tão valentes que remeteram à inocência e pureza que ainda se tem na
idade delas, a sensação de que naquela tarde tive a idade do meu coração, fui
criança e fui mulher, um híbrido das duas em mim e na poesia que não fiz porque
não trouxe caderno, não trouxe nada comigo senão o dinheiro para o ingresso e o
desejo de me divertir, saindo dali no final da tarde tocada por uma vontade
inquietante de transformar esse dia em verso e de te fazer personagem de um
conto que você certamente não lerá porque são raras as chances de nossos
destinos se cruzarem morando numa cidade tão grande, isso se você realmente
reside aqui (se não estiver de passagem) e também porque eu nem sequer saberei
se você escreve, se gosta de ler tanto quanto de se aventurar, faz parte de
olhar de longe, de prestar mais atenção numa pessoa do que nas outras, e eu não
tenho a pretensão de que tal atitude tenha sido recíproca. Se foi, ótimo. Se
não, nem posso te culpar. Você foi aquele alguém.
Aquele alguém.
Você foi alguém que fez uma participação
especial na minha história e já se foi. Não doeu nem morri de coração partido.
Isso só me fez pensar que o mundo é tão grande e mesmo tão imprevisível quanto
perigoso, nos reserva esses pequenos presentes recheados de sensações que
reativam nossa crença de que as pessoas mais ingressantes não se oferecem,
simplesmente nos encontram e o resto... esse alguém pode se sentar na
montanha-russa comigo ou então cruzar meu caminho de outro jeito. O fato de não
saber quem é e como esse alguém virá é que acentua a graça e me recorda de quão
bom é viver a chuva, o sol, o ciclo e o seu fim.
Posso recriar você de modo a te tornar
imortal aqui, ao menos neste dia porque se você escrevesse e quisesse guardar a
memória de alguém que te chamou a atenção mesmo sem tantas informações e nada
além de boas intenções, também se poria a escrever como se o amanhã não fosse
chegar, para amanhã de manhã a tudo apagar...
Por hoje, durma bem, menina da camiseta
cinza. E tenha bons sonhos. Tenha uma boa vida e não se esqueça nunca que
dentre os altos e baixos inevitáveis da existência, o frio na barriga sempre
compensa. Aonde quer que esteja, qualquer que seja o seu nome e o seu endereço
e o que faz o seu coração acelerar, até mais ver!
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