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Quando a beleza mata: reflexões sobre a estética do retrocesso


Há quatro anos, li uma reportagem sobre o retorno das calças de cintura baixa, impulsionado pelo revival da estética Y2K. Para muitas de nós, mulheres que cresceram naquela época, esse revival traz à tona um ciclo de padrões antigos que continuam a afetar a forma como somos vistas. 

A obsessão por cabelo liso extremo e um corpo esquelético ainda ressoam como uma ditadura silenciosa, que levou muitas de nós a adoecer na tentativa de atender a esses padrões. O número do manequim, como sempre, continua sendo o critério de aceitação, e isso é preocupante.

Houve uma lufada de esperança com o advento do movimento body positive, que prega a autoaceitação do próprio corpo, nos ajudando a expandir nossas percepções sobre beleza e valor. Parecia que o mundo estava demonstrando uma transformação profunda em relação a isso, que nesses tempos sombrios, a resistência se levantaria em favor de uma realidade mais saudável, onde cada uma seria seu próprio padrão.

A ideia aqui não é demonizar a busca por uma melhor qualidade de vida e bem-estar. É sobre refletir que o retorno da tendência Y2K veio com mais força, trazendo de volta não só as calças de cintura baixa e a ditadura do cabelo liso, mas também uma forma sorrateira de aprisionar a mulher, frear seu empoderamento e minar sua autoestima.

Não é coincidência. Naomi Wolf, em seu livro O Mito da Beleza, já apontava que os padrões de beleza muitas vezes se intensificam justamente quando as mulheres conquistam avanços sociais. Segundo Wolf, quando as mulheres ameaçam romper barreiras e ocupar espaços antes negados, o sistema responde criando novas formas de controle — e a beleza, nesse cenário, se transforma em mais uma prisão.

Até mesmo os critérios para ser considerada magra são mais cruéis do que há duas décadas: hoje, é preciso parecer um cadáver ambulante com shape de academia. Não à toa, a “canetinha mágica” se popularizou mais do que deveria. Embora tenha um propósito legítimo no tratamento do diabetes, seu uso foi banalizado, graças à exposição de artistas que são mais valorizadas na mídia pela "boa forma" do que pela mensagem que deveriam deixar aos fãs.

Para quem viveu aqueles tempos horríveis, tem sido pavoroso estar no meio desse fogo cruzado de cobranças e pressões. Como se ser mulher já não fosse tortuoso o bastante — enfrentando o medo constante de ser violentada e vivendo num mundo feito para os homens —, o controle sobre nossos corpos se mostra um atentado contra a criatividade e a autenticidade.

Ser extremamente magra é promessa de felicidade? Bem, é isso que nos vendem não só nas revistas, mas impõem nas redes sociais, no círculo de amizades, nos produtos midiáticos, silenciando as vozes sensatas que propõem uma reflexão mais séria do retrato de uma sociedade frívola, imediatista e pautada em pilares frágeis.

Sucumbir à moda da magreza extrema é assinar um acordo de rendição, cuja moeda de troca pode ser o próprio sopro de vida.

Clean girls: minimalismo do retrocesso


Essa nova onda não acontece isoladamente. Outra face moderna dessa tentativa de controle é a tendência “clean girl”, que começou a ganhar força nas redes sociais entre 2021 e 2022, especialmente no TikTok. Inspirada na estética minimalista, de aparência “natural” e “perfeita sem esforço”, a clean girl é a mulher de pele impecável, cabelo alinhado, roupas básicas e aparência polida — mas tudo isso exige tempo, dinheiro e, claro, muita disciplina estética para manter o “ar de naturalidade” que, no fundo, é artificial.

A exigência não é só estética: é também comportamental. A clean girl precisa ser discreta, sorridente, elegante, silenciosa. Precisa parecer saudável, mas sem exagero. Sensual, mas jamais vulgar. Uma reconstrução moderna da boa moça dos anos 1950 — que deveria agradar os homens sem jamais ameaçá-los.

Essa estética, aparentemente inofensiva, tem raízes na construção de um padrão inatingível e superficial de perfeição, que mais uma vez coloca as mulheres como objetos a serem admirados por sua aparência, principalmente por seus pares masculinos.

A romantização da "clean girl" reforça um estereótipo de beleza que, como outras tendências anteriores, limita a autonomia da mulher. Embora em tese ela pareça representar empoderamento e autossuficiência, no fundo, carrega consigo a pressão de atender aos padrões de um "modelo" desejado e aceito pela sociedade, em grande parte controlado pelos interesses de consumo e imagem.

Ao se comparar a essas representações midiáticas, as mulheres se veem forçadas a lutar pela aprovação masculina, perpetuando a ideia de que seu valor está atrelado à sua aparência e à sua capacidade de agradar aos outros, um reflexo de como o patriarcado ainda opera nas pequenas e grandes narrativas da cultura contemporânea.

A abordagem crítica dessa tendência não é sobre criticar quem adota esse estilo, mas refletir sobre os efeitos dessa pressão estética que, como afirma Naomi Wolf em O Mito da Beleza, está diretamente ligada ao controle da imagem feminina, algo que nos é imposto desde a adolescência e que, com o tempo, vai se enraizando em nossas mentes como um ideal a ser perseguido a todo custo.

Ao mesmo tempo em que algumas mulheres são seduzidas pela estética clean girl, uma reação conservadora se fortalece, empurrando-as novamente para papéis tradicionais e muitas vezes opressores. Como falado por Susan Faludi em Backlash: The Undeclared War Against American Women, a cada avanço significativo das mulheres, surge uma tentativa de retroceder suas conquistas, disfarçada de escolha e glamour. A tendência clean girl, assim como o culto das 'trad wives', é uma das várias formas de minar a autonomia feminina e a verdadeira liberdade.

Engajamento e irresponsabilidade: quando a desinformação coloca a vida em risco 


A responsabilidade dos influenciadores nas redes sociais é um tópico crucial, especialmente quando consideramos como suas postagens contribuem para a perpetuação de padrões estéticos prejudiciais. Muitos promovem dietas e rotinas de exercícios sem respaldo científico, alimentando a desinformação e colocando os seguidores sob uma pressão desnecessária para atingir o "corpo perfeito". 

Em O Mito da Beleza, Naomi Wolf discute como a mídia e a sociedade impõem padrões inatingíveis às mulheres, sendo esses influenciadores um reflexo disso. As promessas de transformação rápida ignoram as reais necessidades de bem-estar físico e emocional.

Nos Estados Unidos, por exemplo, um estudo realizado pela Pew Research Center em 2019 revelou que apenas 24% das mulheres preferem ser donas de casa em vez de trabalharem fora, o que demonstra que a maioria das mulheres prefere a independência profissional. A visão de uma "trad wife" não só retrocede o papel feminino, mas também nega a ideia de que as mulheres podem, e devem, ter escolhas livres sobre suas vidas e seus destinos.

O retorno da moda Y2K e a nostalgia da magreza extrema


Nos anos 2000, a internet ainda engatinhava, mas já começava a formar comunidades que giravam em torno da glorificação da magreza extrema. Blogs e fóruns “pro-Ana” (anorexia) e “pro-Mia” (bulimia) espalhavam “diários” de dietas absurdamente restritivas e incentivavam jovens a atingir padrões impossíveis. A estética exaltava clavículas saltadas, ossos do quadril aparentes, barriga seca e coxas separadas — como se tudo isso fosse sinônimo de beleza e sucesso. Pior: associava o corpo gordo a ideias de fracasso, preguiça e falta de valor.

Essa mentalidade, ainda que aparentemente esquecida por algum tempo, nunca desapareceu. Apenas mudou de máscara. E agora, com a volta da moda Y2K, vemos ressurreições dessas referências perigosas sob o pretexto da nostalgia: o retorno da calça de cós baixo, da cultura da magreza extrema como um "padrão estético desejável", das roupas feitas para corpos quase infantis.

Hoje, diferentemente dos anos 2000, existem mecanismos nas redes sociais que tentam sinalizar quando alguém procura por termos ligados a transtornos alimentares, sugerindo ajuda profissional. Mas o culto à magreza continua sendo onipresente — só que agora se disfarça no discurso da “vida saudável”. E aí entra outro problema: a avalanche de desinformação propagada por falsos especialistas.

No Brasil, por exemplo, uma pesquisa de 2021 realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) revelou que 48% das mulheres brasileiras têm alguma insatisfação com seu peso. Isso se reflete também em dados alarmantes sobre transtornos alimentares, que afetam especialmente mulheres jovens. 

Segundo o Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA, a prevalência de transtornos alimentares, como anorexia e bulimia, aumentou significativamente nos últimos anos, com a pressão para alcançar um corpo magro sendo um dos fatores de risco.

A cada deslizar de dedo, somos bombardeadas por dicas de nutrição vindas de influenciadores sem qualquer formação séria na área. Pessoas que usam seus seguidores como aval de credibilidade, vendem dietas milagrosas, cursos de emagrecimento duvidosos e se autopromovem como se popularidade fosse sinônimo de competência. Isso não apenas perpetua o ciclo de insatisfação corporal, mas também coloca em risco a saúde de quem, sem saber, confia em promessas sem embasamento.

A escritora Roxane Gay, em seu livro "Fome: Uma autobiografia do meu corpo", traz um relato profundo sobre como a cultura da magreza destrói a autoestima e como a pressão social molda o relacionamento que mulheres têm com seus corpos desde a infância. A obra de Gay serve como alerta: não é sobre "escolha pessoal", é sobre sobrevivência num mundo que, a cada década, inventa novas formas de controlar nossos corpos e nossos sonhos.

O espetáculo do mau-caratismo e a indústria da culpa


Com o crescimento das redes sociais, um novo tipo de mercado floresceu: o da transformação pessoal instantânea. Só que, por trás da promessa de "vida saudável", "autoestima elevada" e "corpo dos sonhos", o que se consolidou foi uma indústria bilionária baseada na culpa feminina.

Influenciadores sem formação adequada — que misturam dicas vagas de nutrição, coaching motivacional e estética — vendem a ideia de que a felicidade e o sucesso são alcançados através do corpo magro, tonificado e “perfeito”. Mas, para isso, é preciso consumir: consumir suplementos, consumir cursos, consumir rotinas extenuantes, consumir a ilusão de que a transformação é uma questão puramente de "força de vontade".

A escritora Bell Hooks, em seu livro "O feminismo é para todo mundo", já alertava que a sociedade capitaliza sobre as inseguranças das mulheres, transformando cada etapa da vida feminina em mais um produto a ser vendido. Segundo Hooks, enquanto a mídia reforça padrões inalcançáveis de beleza e sucesso, cria também uma demanda infindável por soluções mágicas — soluções que, no fundo, alimentam o sistema em vez de libertar quem consome.

O resultado desse espetáculo é perverso: as mulheres são levadas a crer que o problema está nelas — na falta de disciplina, na suposta "preguiça", no "não querer o suficiente" — quando, na verdade, o verdadeiro problema é um sistema inteiro que lucra com a nossa eterna sensação de insuficiência.

A "energia feminina" vendida como mansidão, a "cara de rica" traduzida em cabelos lambidos e peles impecáveis, a ideia de que uma mulher valiosa é a que melhor performa esses padrões: tudo isso não é liberdade de escolha. É marketing.
É capitalismo travestido de autocuidado.

Movimento Body Positive: uma resposta à opressão estética


Diante da pressão incessante para atender a padrões irreais, surgiu uma reação poderosa: o movimento Body Positive. Originado no final dos anos 1990 e fortalecido na década de 2010, o body positive propõe uma visão radical: todo corpo é digno de respeito e representação, independentemente de seu tamanho, forma, cor, idade ou capacidade.

Essa filosofia surge como uma recusa direta à lógica de que a autoestima feminina deve ser condicionada à aceitação ou aprovação alheia. Ao contrário, prega que autoestima é um direito inegociável.

A ativista e escritora Sonya Renee Taylor, autora de "The Body Is Not an Apology" (em tradução livre, "O Corpo Não é um Pedido de Desculpas"), reforça que o amor-próprio não é apenas um ato individual, mas também uma postura política que combate sistemas de opressão que se alimentam da nossa autocrítica.

O movimento body positive não nega a importância de cuidar da saúde. O que ele contesta é a ideia de que saúde tem um padrão estético único, e que a felicidade está condicionada a esse molde.
Amar e respeitar o próprio corpo não significa desistir de si mesma — significa, sim, recusar a narrativa de que apenas um tipo de corpo é válido.

Apesar das tentativas do mercado de esvaziar o movimento e transformá-lo em mais uma vitrine de consumo, sua raiz continua forte: um chamado para que mulheres sejam donas de si, de sua história e de sua própria imagem.

Ter vivido a dor dos transtornos alimentares nos anos 2000 e, agora, ver novas formas de opressão surgirem, só reforça em mim a certeza de que precisamos resistir.
A pressão para nos moldarmos a padrões inatingíveis não traz a felicidade que prometem; apenas esvazia sonhos, silencia revoluções interiores e nos afasta de quem somos.
Cada vez que recusamos essa imposição, reafirmamos que nossa existência vale mais do que caber em moldes sufocantes.
A beleza está em resistir. A liberdade, em ser.

Diante de tantas armadilhas disfarçadas de tendência, é preciso coragem para enxergar além da estética e reivindicar o direito de existir fora das expectativas que nos impõem.

A beleza verdadeira não está em caber nos moldes de cada nova moda, mas em resistir, questionar e cuidar de si com honestidade, sem se render às pressões silenciosas que vendem submissão como escolha. Não devemos mais aceitar que o padrão mude como estratégia de contenção social.

O corpo, a voz e o destino pertencem a quem os habita — e a liberdade nunca esteve na aprovação dos outros, mas na nossa própria aceitação.

frases de impacto

 


Ah, as frases de impacto. Elas conferem um charme ímpar quando proferidas e não cansam a leitura de ninguém, no entanto, assim que os dedos arrastam o feed para baixo, perdem o sentido, o destino de todas as postagens.
As crenças internalizadas são as mesmas de duas gerações atrás: ninguém tem interesse que você seja você mesma e se sinta linda como é. Eis o contrário: você deve se odiar e ser uma eterna insatisfeita, disposta a pagar o preço que for necessário para ser tudo, menos você.
Não vemos com bons olhos a sua tentativa de empoderamento, prosperidade e independência, desejamos que você faça o que todas as outras fizeram e, de preferência, sem questionar as nossas estruturas. Não nos importa a sua opinião, mas a sua submissão.

Uma carta para todos os meus amigos, leitores e simpatizantes!


Recaídas acontecem. Luto contra a anorexia desde 2006, quando comecei a mutilar meu corpo por nutrir ódio por ele. Nunca usei laxantes, diuréticos ou inibidores de apetite. O método era o exercício extremo: malhava de duas a três horas sempre que comia algo como um pedaço de bolo, na tentativa de "expurgar" a culpa. Minha alimentação era mínima, movida pelo pavor de engordar, mesmo que, no auge da doença, eu pesasse menos que uma menina de oito anos.

Ainda não se sabe o que realmente motiva o desenvolvimento da anorexia nervosa, pois cada paciente traz uma história única. Fatores emocionais, como o medo do fracasso, o perfeccionismo extremo, o bullying ou eventos traumáticos, podem ser gatilhos. No meu caso, em 2006, o fim do ensino médio foi um fator significativo. Separar-me dos meus melhores amigos e perder o contato com pessoas da minha idade me deixou à deriva. Eu não sabia o que queria fazer na faculdade e era bombardeada por opiniões e cobranças sobre escolher uma profissão.

Eu e meus demônios interiores



        Encontro-me numa corda bamba moral. Os demônios interiores estão vencendo essa luta. Durante o avanço, as chances de retrocesso nunca devem ser ignoradas. A cura é uma mentira comprada. A tristeza é o lamacento vício que engole as almas mais frágeis no dom da vida, lhe rouba as cores, o ânimo, a energia e se instala no peito sem apego.

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