Terças com Tita | Cheiro de banho

Uma das lembranças mais agradáveis da quinta série é, sem dúvida, posar na casa da Mari Franco. Não era sempre que a minha mãe deixava ir lá, mas era uma alegria só quando dava certo.
A gente não parava de tagarelar sobre qualquer assunto, das aulas até o porquê de o milho sair no cocô. Nesse nível. Era uma olhar para a outra que começava o acesso de gargalhadas. 
Numa dessas noites em que o sono não vinha, ficamos conversando com a luz apagada.

— Sabe o que eu tava pensando? — disse a Mari, com o queixo apoiado no caderno. — Por que o cheiro do sabonete do meu pai parece diferente? Tipo… mais cheiro de banho mesmo?

Ri, ajeitando a franja atrás da orelha.
— Cheiro de banho?
— Quando ele toma banho, parece que o cheirinho do sabonete fica pela casa toda, mas quando eu saio do banho, não fica o mesmo cheiro.
— Já reparei nisso também. Quando ele sai do banheiro, parece que o banheiro todo se perfuma. Eu uso o mesmo sabonete e parece que some. Será que é porque ele esfrega mais?
— Parece quando a minha mãe lava o cabelo e eu sei só pelo cheiro do xampu dela.
— Eu pensava que era a única que pensava nessas coisas.
— Não, não é. Eu também penso.
— Isso é muito curioso, você não acha?
— Será que isso acontece porque a gente não sente mais nosso cheiro depois de um tempo? Tipo quando você passa perfume e acha que sumiu, mas todo mundo sente.

Mari deu um longo suspiro.
— Acho que é porque meu pai quase nunca fica em casa. Quando sinto o cheiro do sabonete dele, sei que ele está em casa.
— O cheiro do seu pai lembra o do meu.
— Você sente muita saudade dele?

Ficamos em silêncio por uns instantes, ouvindo o barulho da chuva fina caindo nas folhas da mangueira lá fora.

— Sabia que meu pai já chegou do trabalho e foi direto tomar banho pra me levar no médico, mesmo cansado? — contou Mari, baixinho. — Acho que por isso o cheiro do banho dele nunca sai da memória.
— Então deve ser isso. O cheiro de quem a gente ama. Fica pra sempre.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Muito obrigada pela visita ao OCDM, espero que você tenha gostado do conteúdo e ele tenha sido útil, agradável, edificante, inspirador. Obrigada por compartilhar comigo o que de mais precioso você poderia me oferecer: seu tempo. Um forte abraço. Volte sempre, pois as páginas deste caderno estão abertas para te receber. ♥

Mary Recomenda | A Pindonga Azarada

Quem gosta de festa junina tem grandes chances de amar a edição extraordinária do Mary Recomenda , em clima de São João. Não vou...