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Já era início de junho, e a estreia de Bilu como âncora titular do Vinte Horas estava marcada para o dia 4. Dois meses haviam se passado desde a saída de Érica Novaes, e nesse período, Bilu encarou jornadas duplas na Malacubaca, acumulando trabalho e expectativas. A alta cúpula da emissora até cogitou Noviça para a bancada, porém, ela estava envolvida em coberturas especiais, o que a levou a declinar do convite.
Desafio, no sentido literal da palavra, para Bilu Valdez, era voltar a conviver com o homem que amou e clamar ao coração para sair-se bem no papel da mulher indiferente, quando era tão penoso ignorar os desejos, sobretudo quando Will a tratava como uma boa amiga e colega de trabalho.
Cada encontro era um teste de força interior, no intento de manter a fachada de indiferença enquanto o coração gritava o contrário. Cada sorriso amigável e palavra de encorajamento de Will fazia Bilu lutar contra os sentimentos que ainda nutria por ele, tentando manter o profissionalismo acima de tudo. Ambos sabiam que, para essa parceria funcionar, precisariam redescobrir a confiança e a sintonia que um dia os uniu na bancada.
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“Hard breaking news” era uma daquelas trilhas sonoras que evocavam memórias. Para Bilu e William, significava o frio na barriga antes de cada chamada do telejornal, ao fazer a tradicional escalada. Era um lembrete das reuniões de pauta de todos os dias, as longas discussões sobre a melhor forma de abordar determinados assuntos, a parceria com a equipe que o respeitável público não conhecia, mas que era responsável pela excelente reputação do noticiário. A música revisitava o nervosismo e a adrenalina que eles sentiam, uma nostalgia de tempos de grande colaboração e sucesso.
Rumores internos indicavam que a emissora, a princípio, cogitou seguir com William sozinho na bancada. Mas a ausência da aliança e a curiosidade do público por sua vida pessoal reforçaram a necessidade de uma figura feminina ao lado — e Bilu, com sua popularidade intacta, foi escolhida.
Outro rumor que circulava pelos corredores era o fato do âncora não ser mais visto usando a aliança de compromisso, prato cheio para especulações de toda natureza. Polido e discreto, desconversou acerca das especulações, mantendo a postura ao declarar que a grande estrela da Malacubaca era a notícia, não a figura dele. Bilu, por sua vez, não conseguia evitar se sentir curiosa sobre o motivo da ausência da aliança e como isso afetaria a dinâmica deles na bancada.
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Luís Carlos era uma junção de peculiaridades que faziam sentido no contexto geral. Sem uma delas, não seria o mesmo. Se por um lado não era um gênio injustiçado, quando se dedicava a algo com afinco, surpreendia.
Algumas pessoas funcionam mais pela manhã, outras quando cai a noite, Luís Carlos encontrava uma motivação na música. Se passaria alguns dias envolvido naquela tarefa minuciosa e bem-remunerada, o rádio permaneceria ligado, só teria o trabalho de usar o controle remoto para o aparelho de som com carrossel com três CDs se manter disposto.
Já Lilly estava desconfiada daquele comportamento “suspeito”. Luís Carlos deixou até de jogar videogame e assistir televisão. Com a proximidade do Dia dos Namorados, uma explicação era bastante plausível: ele estava vidrado por alguma mulher com quem começou a conversar em salas de bate-papo.
A porta não estava trancada quando Lilly bateu. Ninguém a atendeu. Ela segurou no trinco e chamou por ele, que não a respondeu. Desejando ser ouvida, a gêmea desligou o aparelho de som.
— Quem desligou o som? — Perguntou Luís Carlos, contrariado.
— O que você está fazendo aí, mano véio? — Devolveu Lilly, aproximando-se da mesa onde o irmão utilizava o computador.
— Estou ocupado. Estou muito ocupado escrevendo mensagens de amor.
— Copiando frases dos outros é fácil! — ironizou Lilly. — Assim, qualquer um vira poeta!
— Descolei um freelance dos bons.
— Isso está na cara, mas para fazer o quê exatamente?
— Cartões. Cartões de Dia dos Namorados.
— Uma gráfica contratou os seus serviços? — Lilly cruzou os braços.
— Não exatamente, mas recebi um sinal tão bom que comprei à vista essa belezinha aqui — com as mãos indicou a impressora a jato ao lado dele —, tinta à vontade e uma impressora porreta dessas custam um olho da cara.
— O que não está custando um olho da cara hoje em dia? Luís Carlos editava textos e imagens em um software e demonstrava estar compenetrado demais para manter aquele colóquio.
— A demanda está tão grande que tenho medo de não dar conta.
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Dois dias e muito trabalho depois, quando Luís Carlos concluiu comunicou ao cliente que a encomenda estava pronta, pediu ajuda à Lilly para verificar se não ocorreram erros de impressão. Eles estavam sentados no chão da sala de estar e os cartões estavam espalhados pelo tapete bege de pelúcia.
— Por enquanto tenho que dar os parabéns, mano véio. Você me surpreendeu! Mandou bem mesmo!
— Hoje o jantar é por minha conta! Vista a melhor roupa que você tiver ou então saia para comprá-la. Escolha o restaurante e eu reservo uma mesa para nós!
— Que bicho te mordeu?
— Mais tarde, o cliente passará aqui para pagar o restante do acordo e ele me pediu total sigilo.
— É um traficante de drogas?
— Não!
— Um político?
— Político estaria distribuindo santinhos, não cartões de Dia dos Namorados.
— Uma figura pública?
— Ele aparece na Malacubaca.
— Muita gente aparece na Malacubaca.
— Por que quer tanto saber?
Lilly teve um acesso de gargalhadas.
— Não me diga que seu cliente secreto é o Rubão?
— Não.
— É mesmo um homem?
— É e chega de perguntas. Se eu quebrar o sigilo, ele não vai me contratar de novo nas festas de fim de ano.
— Ah… — murmurou Lilly, disfarçada.
— Conheço essa cara. Nem pense em contar à Noviça.
— Eu? Eu, fofoqueira?
— Então por que você está tão ressabiada? Isso é assunto meu. Desde que o cliente me pague direitinho, não quero saber de fofocas.
— Que desconfiado!
— Eu te conheço, mana veia!
— Eu… darei uma passadinha no mercado porque a sua geleia de amendoim está acabando. Até mais, mano! Luís Carlos, nada convencido com as desculpas de Lilly, voltou a verificar os cartões.
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Poucos minutos depois, Carmen Angélica retocou o batom e olhou-se no espelhinho de mão, colocando a bolsa de couro branco no braço esquerdo, afoita para desvendar aquele mistério antes do restante da imprensa.
Enquanto esperava o elevador, pensava a respeito daquele furo que Lilly havia lhe dado por telefone, no entanto, a amiga mais ria do que falava e as informações estavam incongruentes para adivinhações.
— E você precisou me tirar do trabalho para isso?
— Não é você que vive bradando por aí que odeia a ser a última a saber das coisas?
Noviça foi obrigada a concordar.
Lilly sacou de dentro da bolsa três cartões impressos por Luís Carlos e entregou-os a Noviça, que tão logo demonstrou um ímpar interesse neles, colocou os óculos de leitura, mas mal começou e franziu o cenho.
— Algum problema aí?
— Logo vi que só podia ser obra daquele energúmeno.
— Não por nada, mas dessa vez preciso tirar o chapéu para o mano véio porque ele fez tudo sozinho e certinho, até mesmo jantar num restaurante chique eu irei.
— Dê uma olhada aqui, então…
Lilly reconheceu pelo menos dois erros crassos de português e logo caiu na gargalhada.
— É claro que não pegaria muito bem para a imagem dele ser conhecido por mandar cartões de Dia dos Namorados cheios de erros de português. Seria até merecido para ver se assim para de ser tão convencido.
A quem interessar, o cliente encontrou-se com Luís Carlos e foi fechado um contrato exclusivo para o ano seguinte. Os irmãos reservaram uma mesa em um restaurante japonês.
— Maninha — pediu Luís Carlos, usando os hachis para abocanhar um sashimi de salmão.
— Você tem planos para os próximos tempos?
— Além da nossa festa, você quer dizer?
— Sim… — Ele concordou com a cabeça. — Além da nossa festa.
— Por quê?
— Porque eu tenho!
Lilly, até aquele momento, pensava que entre ela e o irmão não havia segredo nenhum. Ou talvez ele tenha escolhido a ocasião para compartilhá-lo.
— Lilly, você gostaria de passar dois meses na Europa?
— Dois meses na Europa? Mas é claro que eu adoraria, mano véio. Basta me dizer quando viajaremos e eu me programarei para não deixar meus consulentes na mão.
— Depois da nossa festa…
— De… depois da nossa festa?
— Depois da nossa festa…
Lilly encarou o irmão com um misto de surpresa e ternura. Por dentro, algo nela dizia que aquela viagem seria mais do que uma mudança de cenário.
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Se coincidência é desculpa, desaparecer sem aviso é quase arte. Dois dias após fechar sua reportagem sobre o comércio no Dia dos Namorados, Eduardo Meirelles trocou o caos de Balneário dos Anjos pelo charme de Buenos Aires. Com a jaqueta de couro e os óculos escuros, Edu se sentia uma versão portenha de si ou talvez somente um turista que queria parecer sofisticado.
Buenos Aires, com seu ritmo vibrante e cafés históricos, parecia um convite para longas caminhadas e noites regadas a tango; no caso de Edu, cerveja, paquera e trapalhadas.
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