Campo minado com tiaras arrancadas, pulseiras improvisadas e banhos de lama

Dizem que a infância é a fase da pureza. Que toda criança é feliz. Que bullying "faz parte", que “a gente supera”. No entanto, não é bem por aí, meus caros!

Minha infância foi um campo minado com tiaras arrancadas, pulseiras improvisadas e humilhação.
E quem ousar dizer que isso ficou no passado… nunca carregou esse passado dentro do peito.

Eu tinha uma tiara azul-clara. Lembro dela com um carinho estranho, meio triste, porque era bonita demais para uma menina como eu — foi o que me fizeram acreditar. 

Um dia, uma das meninas mais populares da sala tirou a tiara da minha cabeça. Disse, com a frieza de quem se acha adulta aos 11 anos, que os meninos até me achavam “bonitinha”, mas que eu era infantil demais e ficaria melhor sem aquele acessório no cabelo. Que eu era BV, que meu nariz tinha cravo, que meu pescoço era feio, minha barriga não era seca, meus pelos tinham que sumir. E sumiram — com um corte na perna, porque eu, aos 10 anos, tentei me depilar com uma gilete escondida.

Naquele ano, um menino me deu um fora por causa do meu "pescoço grosso demais" para usar aquela gargantilha tribal que era febre entre as meninas.
Outro disse que eu não fazia o tipo dele.
Outra me espiou no banheiro da escola, empilhada com as amigas na cabine ao lado, e riram.
Aquilo foi devastador.
Elas atiçavam minha raiva e depois fingiam que eu era “doida”, “não sabia brincar”.

Naquela maldita semana de jogos, me tiraram da peça da escola porque eu não tinha um vestido rosa "de princesa".
Deram o meu papel pra uma menina loira, branquela, altinha, magra.
Fui chorar atrás da caixa d’água.
E ninguém sentiu minha falta.

Minha vida não foi definida por uma grande tragédia.
Foi definida por pequenas mortes diárias.
Por cada vez que me disseram que eu não servia.
Que eu era pobre.
Que meu Fusca vermelho era uma vergonha.
Que minha pulseira feita de ábaco era risível.
Que meu nome era feio — e eu passei a dizer que me chamava Lizete, Andressa, menos o "nome feio" dito em tom de desdém, deboche e reprimenda.

Talvez você nunca entenda por que eu odeio as músicas do Rick & Renner e peça para mudar quando toca Feiticeira, pois você não foi encurralada para ficar à força com o menino mais feio da escola e saiu correndo enquanto todos cantavam o refrão daquela música.
Não foi você que caiu naquela poça de lama e ficou com todo o uniforme sujo enquanto uma multidão de crianças e adolescentes riam das suas lágrimas.
Não era para cima de você que empurravam os meninos mais repulsivos para tentar te "desencalhar", como se invadir seu corpo fosse a prestação de um favor.

Quando alguém fala em superar, não entende que isso não se esquece porque não aconteceu de uma vez só.
Aconteceu todos os dias.
E me moldou.
Fez com que eu não conseguisse me entregar, nem acreditar quando alguém dizia que gostava de mim.
Fez com que eu achasse que beijava mal, que amava mal, que vivia errado.

Eu não fui criança.
Eu fui sobrevivente.
E talvez escrever isso seja uma forma de abraçar aquela menina de tiara azul-clara, pulseira de ábaco, e dizer:
você não era jeca,
você não era feia,
você só não era igual a elas.
E, por isso, era linda do seu próprio jeito.

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