Diga que me ama - por Ceci


Amigos em comum. Gorós, risadas, conversas, pegação. Elementos que compõem o entendimento de diversão na vida adulta, um descanso da rotina insana, quando nos embriagamos para nos esquecermos de quem somos, até o mundo girar, girar e girar, até amanhecer e tudo voltar a ser como era. 
Sua fama — e você não pode renegá-la — é a de ser aquele com quem todas querem se deitar, mas jamais se apaixonar. Para mim, tudo bem. Eu também não tencionava um envolvimento mais profundo e sair com você não era um monstro de sete cabeças. Era um encontro como qualquer outro, com a diferença de que não seria prudente aguardar que você me mandasse flores ou me telefonasse, apesar de ter anotado meu número na agenda do celular.
Qual o problema de ser apenas mais um contato perdido na sua agenda? 
Eu seguiria adiante, idem com você. Sem problemas. 
Surpreendente ou não, você me telefonou e me tratou como se fôssemos amigos de uma vida inteira. Eu ainda refreava a vontade de te provar pela segunda vez, porém se o querer que nos movia era recíproco, por que não
Desde o início havíamos preestabelecido o combinado de não nos envolvermos emocionalmente. Eu seria apenas mais uma com quem você se deitou e brincou de amor, nenhum ressentimento da minha parte. Havia consentimento e respeito. A singularidade dos nossos discursos firmes entrosou-se no desejo. 
E você me telefonou outras vezes. Brincamos de amor outras noites. Eu costumava dizer a mim mesma todas as manhãs que era questão de tempo para as ligações cessarem e voltarmos a ser apenas conhecidos numa roda de amigos. 
Num dado momento, dei-me conta de que gradualmente estava me afastando das outras pessoas com quem também saía para dividir meu tempo livre com você. Ficar sem ouvir a sua voz por muito tempo me inquietava. 
Na escuridão do meu quarto, enquanto você me dominava e eu era mais sua do que deveria, escutei sua voz rouca dizer em meu ouvido: 
— Eu… te… amo! 
Você dizia isso a todas, foi a primeira hipótese que cogitei enquanto seus olhos me fitavam e seus dedos alisavam a raiz do meu cabelo, toda suada. Sua fama de mulherengo corria o mundo e eu não era uma garotinha ingênua que acreditaria em frases feitas. A outra cogitação me atordoou, tão logo você adormeceu me trazendo para perto do seu peito, num comportamento mais protetor do que predador. Havia uma possibilidade de ser verdade. 
Das outras vezes você me chamava de gostosa, repetia sobre o quanto me desejava tão ardentemente que não suportava a ideia de que não houvesse “uma próxima vez”. 
Você não costumava dizer “eu te amo”. 
Estávamos sóbrios, completamente conscientes de nossas aventuras. Não era uma daquelas noites em que adormecíamos mais inebriados um do outro. 
Eu não havia gozado por conta de um eu te amo que outros disseram na esperança de me fisgar como uma presa despreparada para o ataque do predador. Você sabia despertar a leoa que existia dentro de mim, explorar minhas fantasias e compartilhar as suas. 
Você me amava na cama porque eu não te incomodava com cobranças e planos insanos para um futuro. Eu te amava pela mesma razão. Nossa sintonia era excelente e nossa liberdade se mantinha viva. Era perfeito porque não havíamos ido mais fundo, porque nossos sentimentos se concentravam na esfera da superficialidade. 
Eu te amava.  
Não importava se era apenas entre quatro paredes. 
Eu te amava.  
A promessa era manter a discrição, a diversão, contudo seria possível sustentar tudo isso para sempre ou se não para sempre, por um tempo considerável? 
Não tínhamos respostas prontas, apenas especulações
Dormir nos seus braços por outras noites mais, deixar todos os outros contatos para trás e pensar num futuro com você às claras. Apresentar-te aos meus familiares, aguardar as mais inusitadas reações e também as pressões, as especulações e também me afligir com a volatilidade do seu amor. 
Era dar um passo no escuro. Poderia ser uma surpresa boa e uma armadilha disfarçada de contentamento. 
— Eu… te… amo! 
Fechei os olhos e tentei me contagiar com o seu sono, você sempre adormecia mais depressa após satisfeito, na escuridão eu não podia ver se você sorria ou se a expressão em seu rosto era impassível.  
Você havia dito que me amava. Se esperava alguma resposta ali no calor da emoção, nunca saberei, no entanto, todos aqueles imbróglios do início foram quebrados à medida que nos abrimos um para o outro.  
Depois de um noivado de aparências, altamente abusivo e tóxico, a liberdade era o meu bem mais precioso. Voltar do trabalho cansada e fazer carinhos no Apolo, tomar um banho morno, fazer uma refeição leve e mergulhar em alguma leitura atrativa para me desligar dos barulhos da redação, daquela tensão que tomava conta de todos nós até o “boa noite”, até dormir, ou algo próximo disso. 
Você me compreendeu por partilhar da mesma rotina, apesar da maturidade, da habilidade de entregar seu corpo a todas, mas jamais o seu coração. Você se tornou o meu preferido por não exigir nada de mim e, ao mesmo tempo, fazer com que as horas as quais passávamos juntos fossem proveitosas. 
Das outras vezes em que despertei, você já havia partido, não sem me deixar um bilhete dizendo que deu ração para Apolo e me desejando um bom dia de trabalho. Caí no sono após pensar em quantas vezes as pessoas dizem eu te amo para as outras sem as amar ou quando já não mais as amam. 
Você não era o tipo que deixaria de ser uma alma livre para prender-se a uma pessoa só e eu nunca saí com você imbuída a ser aquela que mudaria seu pensamento. Eu partilhava dele, também me considerava um pássaro incapaz de viver em uma gaiola repleta de convenções atrasadas. 
Naquela manhã eu te encontrei na cozinha. Você, que se atrapalhava todo para ligar a cafeteira, preparou toda a mesa, mesmo sabendo que eu não tinha lá muita fome depois que acordava. 
— Gostou? — você quis saber. Aquela cena era tão surreal. O homem que apenas deixava ração para o meu gato havia preparado a mesa e queria a minha aprovação, me olhava ávido por um sim
Aquele que me amava à noite e partia antes do amanhecer agia como se fosse rotina, preparar o café e perguntar se descansei bem e “precisava de mais alguma coisa”. 
— Obrigada pelo carinho. Não precisava ter se incomodado comigo. — Sentei-me ao lado dele, que só então tocou na xícara de café. 
— Você tem que comer direitinho de manhã… — Advertiu-me, no mesmo tom do meu pai, de preocupação com o fato de eu pular refeições e não enfatizar a hora de comer a fim de sentir o sabor dos alimentos que ingeria. 
— Sei…  
— Falo sério. Eu me preocupo com você. Sei que você quer ascender, mas não deve se cobrar tanto e se negligenciar.  
— É difícil sentir fome quando mal sei se amanhã terei onde trabalhar. 
— Uma profissional da sua estirpe nunca ficará desamparada. Você tem muito futuro e tenho certeza de que é questão de tempo para que você receba o reconhecimento que merece. 
Franzi o cenho. 
— Concorrência, querida, só para o ibope, para os fofoqueiros que inventam brigas que nunca tivemos, que insuflam essa competitividade feroz, quando, na verdade, estamos todos no mesmo barco. Somos colegas, não somos? Eu adoraria trabalhar com você, seria uma grande honra…  
— Ainda tenho muito chão pela frente, amore.  
— Percebo que você é bastante perfeccionista e inflexível com relação a si mesma, porém não se angustie. O mesmo tempo que agora te assusta também é seu grande professor. 
— Edu… 
— Fala, meu bem… — Ele fez um carinho nas minhas coxas. Eu já havia tomado banho e vestia uma calça jeans azul clara com uma camisa de manga curta, pretendendo tomar um café rápido e mordiscar alguma coisa pelo caminho. 
— Bem… eu… 
Enquanto ele passava as mãos na coxa e os lábios encontravam meu pescoço, eu fechava os olhos, os olhos que me impediam de ver aquele homem que havia revirado minha pacata vida de solteira convicta com uma simples frase: 
— Eu… te… amo! 
Sim, eu podia fechar os olhos para impedir que o desejo atrasasse o início do meu expediente, mas não para as batidas aceleradas do meu coração. 
Elas faziam parte da sede que eu tinha dele no sentido mais animal da coisa ou significavam que o contrato havia sido quebrado em algum instante? 
Era irrelevante averiguar quem descumpriu a promessa. Éramos cúmplices. 

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