4º Capítulo
Lilly estava sentada em sua pequena sala de leitura, cercada por velas aromáticas e cartas de tarô espalhadas sobre a mesa. Seus dedos ágeis embaralhavam as cartas com uma destreza que só anos de prática podiam proporcionar. Ela murmurava suavemente palavras de consagração antes de fazer uma leitura para uma cliente ansiosa.
— A carta da Morte não significa literalmente uma morte — explicou Lilly, seu tom calmo e sereno. — Representa transformação, um renascimento.
A cliente, uma mulher de meia-idade, suspirou aliviada, seus olhos fixos em Lilly com uma mistura de esperança e medo. Lilly lançou um olhar compreensivo, seus olhos castanhos profundos transmitindo uma sabedoria antiga.
— A vida tem um jeito engraçado de nos levar aonde precisamos estar, mesmo que o caminho seja difícil — completou Lilly, recolhendo as cartas e sorrindo gentilmente.
Enquanto terminava a consulta, Lilly olhou para a janela, onde o sol se punha no horizonte, tingindo o céu de laranja e rosa. Seu pensamento vagou para seu irmão, Luís Carlos.
Lilly não estava sempre tão tranquila. Houve um tempo em que ela queria desesperadamente se mudar para a Dinamarca em definitivo. A amizade com Noviça, porém, a fez reconsiderar sua decisão. Balneário dos Anjos, antes uma recordação de seus fracassos, tornara-se um lugar de esperança e renovação. Noviça foi um pilar em sua vida, arrancando Lilly da sensação de fracasso e mostrando que, por vezes, a estabilidade emocional e as conexões pessoais são mais valiosas que qualquer prêmio ou mudança de cenário.
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Enquanto Lilly recolhia as cartas do tarô, pensou em como a vida tinha um jeito peculiar de pregar peças. Era Luís Carlos quem sonhava em começar de novo, longe de Balneário dos Anjos. E, de alguma forma, ela sabia que a Dinamarca ainda o chamava, mesmo que ele hesitasse.
Luís Carlos estava na varanda, com uma caneca de café quente em mãos. O aroma das flores misturava-se ao café, trazendo um breve alívio à mente inquieta. Ele olhou para o mapa da Dinamarca ao seu lado e sussurrou:
— Um dia, talvez, eu realmente faça isso.
Lilly lembrou-se de como Luís Carlos sempre esteve ao seu lado, nos altos e baixos. Ele era o irmão que nunca a deixara sozinha, mesmo quando tudo parecia desmoronar. E agora, ela sabia que deveria retribuir essa força, mesmo que isso significasse deixá-lo partir.
— Pensando na Dinamarca de novo? — perguntou ela, sentando-se ao lado dele.
Luís Carlos sorriu, um sorriso meio amargo.
— Sim, mas sei que não posso ir enquanto você não estiver pronta. Sempre estivemos juntos, não posso simplesmente partir sem você.
Lilly colocou uma mão reconfortante sobre a dele.
— Sei, e agradeço por isso. Mas, mano, precisamos viver nossas próprias vidas eventualmente. Talvez seja hora de começarmos a planejar, mesmo que isso signifique nos separarmos por um tempo.
No fundo, Luís Carlos sabia que seu desejo pela Dinamarca também era uma fuga. Era mais fácil sonhar com um novo começo do que encarar a dor de um amor que nunca seria correspondido. Christiane era como uma estrela inalcançável, brilhando distante no horizonte, bela, mas inalcançável.
Enquanto o sol desaparecia no horizonte, Luís Carlos fechou os olhos e deixou-se envolver pelo som das melodias noturnas. Talvez fosse hora de ouvir o chamado da Dinamarca. Talvez, com Lilly ao seu lado, ele finalmente encontrasse coragem para voar.
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Depois do divórcio com Érica, William Bastos Marques estava em uma situação complicada. Havia saído da casa e solicitou ao inquilino que desocupasse o apartamento para se mudar de volta. No entanto, ao retomar o imóvel, o jornalista encontrou o lugar depredado, forçando uma reforma completa antes de instalar-se em definitivo. Edu Meirelles, sempre o amigo fiel, ofereceu a casa para William ficar enquanto o apartamento estivesse em reforma.
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As noites na casa de Edu agora tinham um novo ritmo. Após um longo dia de trabalho, os dois se reuniam na sala para jogar videogame, competindo ferozmente em jogos de futebol e corrida. William, corintiano fervoroso, e Edu, flamenguista de carteirinha, nunca perdiam a oportunidade de discutir sobre seus times favoritos. Nas tardes de domingo, enquanto assistiam aos jogos de futebol, os amigos saboreavam uma cerveja gelada e torciam, cada qual pelo seu time, unidos pela amizade.
— Hoje é dia de jogo! — anunciou Edu, animado, enquanto preparava pipoca. — Vamos ver quem leva essa.
— Com certeza não vai ser seu Flamengo! — retrucou William, rindo.
Além das partidas de videogame, os dois amigos também frequentavam barezinhos na cidade. Gostavam de escolher lugares com boa música ao vivo, onde podiam relaxar, beber e, claro, conversar sobre as novidades da semana.
— Preciso te contar a última do escritório, Edu — começava William, sempre com uma nova história engraçada.
— Lá vem mais uma do tiozão do pavê! — respondia Edu, rindo.
Apesar das diferenças clubísticas e das piadas infindáveis, a amizade dos dois se fortalecia a cada dia. William auxiliava nas despesas da casa e, em troca, ganhava um lar temporário onde podia se sentir bem-vindo e confortável.
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Naquela noite, nenhum dos dois conseguiu dormir. A sala de conceito aberto estava silenciosa, com apenas o som distante da cidade ao fundo. Eduardo bebia uma lata de cerveja sentado no sofá, enquanto William encostou na bancada da cozinha, perdido dentro dos próprios pensamentos.
— Às vezes a gente tem umas fases onde nada parece fazer o menor sentido, Meirelles — disse William, quebrando o silêncio. Olhou para o amigo, notando a expressão cansada no rosto dele.
Eduardo suspirou, olhando para a bebida em sua mão. Sabia que Chris merecia mais do que ele podia oferecer. Era como assistir a uma estrela brilhante presa em uma órbita errada, incapaz de alcançar seu verdadeiro potencial.
William assentiu lentamente, compreendendo a preocupação de Eduardo.
— Ela voltou a falar com você? — perguntou William.
— Não — respondeu Eduardo, a tristeza evidente em sua voz.
William deu um longo gole em sua cerveja antes de continuar.
— Acredito, meu amigo, que o ver com a Lulu foi a gota d'água para ela. Uma hora o balde transbordou.
Eduardo balançou a cabeça, os olhos fixos no chão.
— Não me entenda mal, eu amo muito a Chris e quero que ela seja amada, no entanto, não posso e nunca poderei dar esse amor que ela tanto sonha. Nem sempre o amor salva tudo, resolve diferenças com uma varinha de condão e tem final feliz. Muitas pessoas se amam, mas são melhores estando separadas. O laço que nos uniu esgarçou.
William arqueou uma sobrancelha, intrigado.
— Por que você aceitou se casar com a Lulu se sempre disse que não se casaria antes dos 89 anos?
Eduardo deu uma risada amarga.
— Porque ela me entende. Já foi casada antes, sabe que a vida de casados não é perfeita. Com ela, pelo menos, sinto que há uma compreensão mútua, mesmo com todas as nossas diferenças.
— Nunca mais teve notícias de Renata?
— Não.
William suspirou, olhando para o amigo com uma expressão de solidariedade. Os pensamentos voltavam para Bilu e o atiravam no lamaçal do eterno arrependimento.
Eduardo olhou para William, percebendo o peso em seus olhos.
— Você ainda ama a Bilu, não é?
William soltou um suspiro profundo.
— Sim, ainda amo. E agora, voltando a conviver com ela todos os dias, me lembro constantemente do que perdi. Mas também sei que não posso forçar nada. As coisas acontecem por um motivo.
Eduardo assentiu, compreendendo a dor do amigo.
— Acredito que seja questão de tempo para vocês se entenderem. Ela não deve ter se esquecido do que vocês viveram, mas segue em frente do jeito que dá. O orgulho pode até falar muito alto, no entanto, o caso de vocês tem solução.
William deu um meio sorriso, levantando sua cerveja em um brinde silencioso. A culpa pela impulsividade era algo com que precisava lidar quando deitava a cabeça no travesseiro e não podia fugir de si. Nem mesmo a demissão por apresentar o jornal só de paletó e samba-canção parecia tão humilhante quanto o olhar de indiferença de Bilu. Era um erro que carregava como um lembrete constante de sua impulsividade. Era outra época, os sentimentos efervescentes de desejo e raiva não estavam tão claros assim. Era cedo demais para falar de amor, e ela não parecia um pingo interessada em ter qualquer tipo de relação com ele, quiçá a profissional e com profundo contragosto.
Entre uma piada e outra, o silêncio da noite começou a pesar. Era como se as risadas fossem apenas uma pausa para os pensamentos que ambos tentavam evitar. William e Edu sabiam que as respostas para seus dilemas não viriam tão cedo. Mas, talvez, o próximo dia trouxesse algo inesperado — uma chance de recomeçar.
Enquanto a cidade dormia, os dois amigos sabiam que, mesmo sem falar, carregavam o mesmo peso: a saudade do que poderia ter sido. E o medo do que ainda poderia ser.
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