Os Desencontros do Cupido | Terceiro Capítulo

 

Terceiro Capítulo

Balneário dos Anjos, 1º de junho de 2001.

O aroma do café recém-preparado misturava-se ao som das risadas de Bilu Valdez e Christiane dos Anjos. A redação, sempre agitada, parecia vibrar em um ritmo próprio — frenética, mas cheia de momentos como aquele, onde o riso aliviava o peso do trabalho.

— Pelo visto, a Central de Jornalismo virou palco de stand-up, hein? — comentou Edu, servindo-se de café. — Qual é a graça que eu perdi?

— Fontes seguras disseram que você está escrevendo historinhas de amor. Planeja desbancar o império dos romances açucarados? — provocou Bilu, com um sorriso travesso.

— Qual delas? — debochou o repórter, um brilho de diversão nos olhos.

— Qualquer uma que aceite dividir espaço com o seu ego gigantesco — retrucou Bilu, cruzando os braços com um sorriso de desafio.

— Que eu saiba, os galãs dos romances açucarados não têm harém. — Christiane deu um risinho.

— Eles têm às escondidas — dissimulou Edu, bebericando um pouco do café.

— E ainda por cima se colocando no texto. — sorriu Bilu. — Na verdade, sempre colocamos um pouco de nós no que fazemos…

— De qualquer forma, você não está mais sozinho, Edu. Bilu estava aqui confabulando sobre a hipocrisia nauseante das pessoas quando vai chegando o Dia dos Namorados.

— E você aí choramingando porque quer um Dia dos Namorados típico de comédia romântica hollywoodiana, quando nossas vidas mais parecem novelas das 7 pautadas no humor pastelão — comentou Bilu, rindo.

— E aí? Como é ser namorado da namoradinha do Brasil? — especulou Christiane, arqueando uma das sobrancelhas com um sorriso malicioso.

— Qual delas? — debochou o repórter, um brilho de diversão nos olhos.

— A atual dona do seu coração! — insistiu Christiane.

— Meu coração é que nem circo, sempre cabe mais alguém — respondeu Edu, levantando a xícara em um brinde sarcástico.

— E você, Edu? Algum plano especial para o grande dia? Cogita surpreender a Lulu? — Bilu lançou um olhar curioso para Eduardo. — Pela cara dele, imagino que esteja pensando em sumir por uns tempos.

— Quem cala, consente — provocou Christiane.

— Querem apostar quanto que a Noviça vai desenterrar do fundo do baú aquele traje de viúva de novela mexicana? — propôs Edu, um sorriso malicioso nos lábios.
— Valendo um almoço por sua conta no qual você foge pela janela e nos deixa com a cara de tacho na frente do garçom? — indagou Christiane.
— Sim, mas dessa vez dou minha palavra.
— Eu já nem caio mais nessa sua conversinha de apostas porque você é o maior falastrão do mundo! — riu Bilu, balançando a cabeça.
— Eu já sei que vou ganhar a aposta.
— Sem graça!

— Desconversou, mas não respondeu à nossa pergunta — insistiu Bilu, lançando um olhar inquisitivo para Eduardo.

— Decerto pedirá a Lulu em casamento — Christiane revirou os olhos. — Nada mais previsível.

— Quem anda lendo muito romance açucarado é você — acusou Eduardo, arremedando as falas clichês dos romances de banca, dos quais ele e Bilu fugiam como o gato do banho. — Advirto aos presentes que Eduardo Meirelles, em pleno gozo de suas faculdades mentais, não pretende se casar antes de completar 89 anos.

— Resta saber se Lulu terá paciência de esperar mais uns cinquenta anos… — respondeu William, zombeteiro, tentando bagunçar os cabelos negros de Edu Meirelles.

Edu notou a ausência da aliança nos dedos de William. Uma fagulha de curiosidade o atingiu, mas, antes que pudesse perguntar, arquivou mentalmente a descoberta. Noviça, sempre rápida, já tinha inventado um enredo inteiro na cabeça com base naquele detalhe aparentemente banal.

— Pronta para ser minha coleguinha de bancada outra vez? — William dirigiu-se à Bilu, aproveitando para observá-la.

— Está tudo bem com a Érica? Faz algum tempo que não a vejo aqui na redação — perguntou Bilu, levantando uma sobrancelha.

— Érica pediu demissão, grandalhona. A direção escolheu você para ser minha coleguinha de bancada e reviver os áureos tempos do Vinte Horas. Espero, de todo modo, que você não fuja da missão.

— Fugirei da missão, assim como Edu foge de pagar as prendas quando o Flamengo perde — respondeu Bilu, com um sorriso desafiador.

Bilu soltou uma risada baixa, mas por dentro sentiu o peso do convite. Reviver os tempos de bancada ao lado de William prometia mais do que trabalho árduo, prometia mexer com memórias que talvez fosse melhor deixar para trás.

💘💘💘

No fundo da redação, Noviça observava tudo de longe, segurando a xícara fúcsia ainda quente. Não era comum ela ficar em silêncio, mas às vezes preferia calar. Aquela manhã tinha cara de cena ensaiada: William e Bilu no centro do palco, Eduardo rindo das próprias ironias, Christiane provocando como quem disfarça a dor. Ela conhecia bem aquele tipo de comédia — a comédia das ausências.

Aproximou-se de Christiane, que também assistia à movimentação como quem esperava a próxima virada do roteiro.

— Já começou o show? — perguntou Noviça, sem tirar os olhos da dupla na bancada improvisada.

— Só os trailers, minha cara. O drama mesmo vem no dia 12 — respondeu Christiane, cruzando os braços.

Antes que pudessem dizer qualquer outra coisa, o celular de Eduardo vibrou sobre a mesa. Ele olhou a tela e revirou os olhos antes mesmo de atender.

— Lulu… claro — murmurou, atendendo com a voz mais doce do dia.

— Oi, amorzinho… eu estava pensando em algo bem especial para a gente. Preciso que reserve a noite do dia 12. Quero um momento só nosso. Já escolhi meu look para o grande dia e não posso adiantar mais nada, momô. Só adianto que você vai amar.

Eduardo sorriu sem vontade.

— Claro, Lulu. Vai ser… inesquecível.

Ao desligar, deixou o aparelho de lado como se ele queimasse. O sorriso no rosto sumiu. Ninguém comentou, mas todos perceberam o peso que voltou com aquela voz.

💘💘💘

Mais tarde, sozinha no banheiro, Bilu encarou o próprio reflexo. O batom ainda intacto, o olhar firme, como sempre. Mas lá, no fundo, uma pontada. Uma lembrança de quando o sorriso de William era mais do que uma provocação.

“Será que ainda dá tempo de sentar na bancada sem trazer o coração junto?”, pensou. Ela passou o batom de novo, como se aquilo pudesse selar o que sentia. E saiu antes que a dúvida virasse lágrima.