Crônica dos excluídos
Ruas cheiram a flores mortas. Folhetos espalhados pelas
calçadas junto às folhas secas das árvores. Corações adornam vitrines e suas
promoções fajutas, oferecidas nas mais diversas formas de pagamento. Pouco
importam as artimanhas se os lucros superarem o ano passado. Horas extras aos
publicitários e suas campanhas fantasiosas para vender ilusões e
quinquilharias.
Acena-se para o caminho sem volta chamado de endividamento. Isso porque as parcelas
podem durar mais do que a união. Oportunidade perfeita para aqueles
desesperados pelo incessante desejo de provar ao mundo que encontraram potinhos
de ouro ao final do arco-íris. O segredo é convencer; se for caro, faz parte do
script.
Caixas registradoras operam na capacidade máxima, fitas adesivas grudam nas pontas dos dedos para os embrulhos ficarem perfeitos. Filas ocupam corredores, chocolates estão em falta, os sorrisos plásticos dos vendedores devem durar até o fim do expediente, muito obrigado e volte sempre. Reservas ocupadas nos restaurantes e motéis, os bebês de março pedem licença para passar.
Para os que ficam de fora da comemoração, oxalá 11 de junho
pudesse durar 48 horas. O saldo do balanço pessoal
fomenta a melancolia sazonal daqueles que parecem ter sido esquecidos pelo amor
e sacaneados pela mira torta do cupido. Reflexões
acompanhadas de choros, lenços de papel amassados em cima da cama, caixas de
bombons vazias, telefones mudos, mensagens que nunca chegam, desencontros e
outras tantas combinações desfavoráveis.
Amanhã haverá de ser um novo dia. Cestos de lixo
abarrotados de embalagens inúteis; ofensas gratuitas e murmúrios a sobrepujar
as declarações de outrora, lingeries sensuais metidas nos fundos das gavetas, pétalas
de rosas murchas, fadadas ao total ostracismo, tal como um feitiço que perdeu o
efeito.
Os solteiros não são os únicos excluídos do Dia dos Namorados. O amor há muito foi substituído por falsos sinônimos e formalismos pontuais. Relegado ao papel de figurante, também deixou de ser convidado para os festejos. Quem colhe seus louros e vive o auge de seu esplendor são a hipocrisia e o oportunismo, o casal de milhões.
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