Saudade do que nunca vivi



Saudades não sei do quê. Sei que é saudade. Só sei, porém, que é do que nunca vivi. Saudade que dá um aperto no peito, que me leva para longe, longe nos pensamentos. Não vivi porque não me lembro. Saudade de um tempo que existiu, mas que não vi passar, que se passou sem me levar. Saudade de algo que deixei para trás, entrando na questão que nunca saberei responder porque o que foi perdido não se sabe, só se sabe que se perdeu pelos ares, apostando corrida nos cosmos, brincando com a dádiva do esquecimento. Vejo o mundo enquanto o carro roda a cidade e a infância vai se despedindo. Pareço tão quietinha, mas é só saudade, parece até que tenho muito mais idade, quando fecho os olhos e sinto a dor de um amor que vejo de longe, como um borrão numa pintura, uma figura indistinguível. Quero escrever e nunca encontro um bom argumento, desconheço permissões, só não posso deixar tanto peso acumulando debaixo do travesseiro. Vejo um horizonte. Vejo a liberdade. Vejo um desejo não sei de quê, não adianta explicar. Tomo cuidado para não extrapolar as linhas e quebrar a frequência do pensamento, só posso estar enlouquecendo; tenho lucidez para explanar as mais sucintas inquietações. Saudade de um amor estrangeiro, de um abraço cálido, abençoado pelo sol das quatro e tantas da tarde, da mão que não quer se soltar da outra, sobre o “eu te amo” não dito a tempo. Saudade de alguém que está por aí, pela estrada, debaixo dessa chuva que não para. Sei que você sabe se cuidar, mas a pressa só apressa o funeral, não me deixe tão cedo, eu posso te esperar acordada, posso esperar até amanhã cedo. Saudade de um verão diferente dos outros, de sentir a sua presença mesmo a centenas de quilômetros de distância, de um sorriso que nunca mais dei, do brilho no olhar que foi se apagando conforme fui me acostumando ao vazio. Saudade da carta que nunca li, das juras de amor que o vento levou, do encontro que ficou só na promessa. Saudade dessa outra parte de mim que mora em outra dimensão, que se já morreu, não soube, se está perto de mim, não percebi, se ainda não nasceu, eu sei lá. Desconheço um relógio que indique a temporalidade dessa saudade, desses sonhos complexos, com continuidade como se fossem folhetins astrais. Que os outros não me levem a mal, o problema é não me fazer entender, com um agravante, nem ao menos sei se quero ser entendida, se faço dessas palavras apenas jorros de criatividade aleatórios, que permaneça um mistério a quem escreve e a quem lê. Saudade tem trilha sonora, saudade do que está acontecendo, não nesse exato ponto, comigo, não nessa tarde de sexta ou nessa noite de sábado, não na véspera do feriado, quando tudo é expectativa. Vejo o sol se refletir no lago e banhar os patos de luz, as folhas das árvores se balançarem despreocupadas, jogando as folhas verdes para frente e para trás, oh como são lindas, graciosas, será que sentem saudade de algo? 

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