Tudo pela ideia de alguém gostar de mim


 

Estou a léguas distantes de ser a maior simpatizante ao Dia dos Namorados. De fato, nunca foi minha data favorita no calendário, pelas mais diversas razões, que não vêm ao caso, embora se relacionem à hipocrisia e ao péssimo estigma da condição de “solteira” como sendo alguém que supostamente falhou no cumprimento das expectativas da sociedade e ainda não se realizou.

Por outro lado, se não coleciono muitas experiências amorosas, trago desilusões na bagagem. Algumas breves, outras duradouras, responsáveis por trazer um sofrimento que o tempo atenuou, não curou de todo. Até hoje duvido da capacidade de abrir o coração para o amor de novo.
Desde a adolescência eu sonhava com o dia em que ganharia o tão almejado beijo de amor, imaginava a ímpar sensação de ter o afeto correspondido e encontrar alguém com quem faria sentido planejar um futuro. Ficar só por ficar não era ideia que fizesse a minha cabeça. E continua não sendo.
Meu maior arrependimento é ter acreditado por alguns meses da minha vida que aquela espera havia se aproximado do fim e que o “amor” me apresentaria a possibilidade de sentir ódio eterno pela mesma pessoa.
Tudo pela ideia de alguém gostar de mim.
Apaixonada pela ideia de ser amada, demorei muito tempo para perceber os abusos disfarçados de boas intenções, irritei-me com as pessoas que não concordavam com aquela empolgação toda, afinal, ele havia se declarado, dito tudo que sempre sonhei em ouvir de alguém. No entanto, tudo aconteceu depressa demais e aquelas verdades tão frágeis foram desmascaradas em igual proporção.
O sumiço premeditado acabou por me adoecer de tal maneira que se não fosse hipérbole afirmar que não tinha mais lágrimas para chorar, eu afirmaria. Nenhuma mensagem, nenhuma ligação, nada. Os dias fizeram-se meses e eu já nem sabia mais no que acreditar, tudo que restou foi o vazio e a sensação de não ter sido boa o suficiente para ele ficar.
Depois de oito meses de sumiço, ele reapareceu, supostamente disposto a se reaproximar. Presumi que se fosse uma mulher fria, perderia a oportunidade de ser assertiva e melhorar a comunicação, todavia, a resposta foi um fora e as desculpas mais esfarrapadas possíveis “não ficaremos juntos por culpa do destino”, “meu amor por você é fraternal”. Se assim sempre foi, então por que ele me iludiu, fez com que eu acreditasse ser única e especial, despertou sentimentos que não podia nem queria corresponder? O que ele ganhou com isso se já tinha outra pessoa e não queria largar dela?
Enquanto mulher, minha dignidade foi destroçada de tal forma que creio nunca ter me recuperado. Foi pensando nisso que decidi criar vergonha na cara e parar de interpretar o que ele não disse, esperar algo de bom vindo dessa comunicação, se num momento o dito-cujo queria me ver outra vez e no outro agia como se eu o tivesse abusado.
Para evitar outras decepções, cortei todos os meios de contato e nunca mais nos falamos, não sei se suportaria reencontrá-lo porque não tínhamos nada em comum, não teríamos longas e profundas conversas, o papo dele era chulo, com conotação sexual explícita, zero conteúdo, apesar de ser o profissional mais endeusado do mercado, do qual tanto se gaba e utiliza privilégios para tripudiar dos “reles mortais”.
Desenvolvi aversão ao sexo, ao amor e aos homens também, como se o visse em outros indivíduos do sexo masculino, sobretudo os de semelhante biótipo dele, o que pode encontrar embasamento no trauma. Abri mão da vaidade, passei a ter medo de sair de casa (sozinha), sonhos perderam o sentido e a vontade de viver ficou próxima de zero, foi como se algo dentro de mim tivesse se quebrado e jamais pudesse ser reparado.
Hoje, nove anos depois, sinto uma dorzinha leve na alma, estou tentando retomar minha vida, meus sonhos e planos, porém há dias difíceis, quando queria voltar no tempo e mudar a história, não ter cruzado meu caminho com o dele, penso no quanto seria feliz se não tivesse feito as escolhas que fiz. Por outro lado, o sofrimento me obrigou a amadurecer e ser resiliente, virtudes necessárias para o atual contexto.
Se estarei acompanhada no Dia dos Namorados em algum deles, não faço a menor ideia, mas mais do que deixar de ser ímpar, queria de verdade amar o amor e quiçá encontrar alguém especial que me faça tão feliz que eu possa esquecer do quão humilhante é ser preterida, maltratada e abandonada, sentir como se não merecesse amor nem algum tipo de consideração. Por ora, limito-me a viver cada dia, já morri faz muito tempo, exatamente nove anos atrás.
Tudo pela ideia de alguém gostar de mim.

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4 comentários:

  1. Ler seus textos é ótimo! Lembre-se: você é talentosa demais! Admiro a forma tão maravilhosa com que escreve! ✨️🤍

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    1. Muito obrigada por tudo, amiga. Fico sem jeito com as suas palavras porque não sei se as mereço, mas com grande gratidão te mando um forte abraço e desejo do fundo do coração que Deus continue abençoando sua vida, sua família e seus sonhos, pois você realizará todos eles! Conte comigo sempre, amiga querida! 🩷🐞

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    2. Imagina! Merece tudo do melhor! Que Deus abençoe sua vida sempreeee!

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    3. Você também merece tudo de melhor. Que Deus continue abençoando a sua vida hoje e sempre! ♥️🐞🪻✍️

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