08/03/2004

Menina lê cartas sentada no chão do quarto (Reprodução/Arquivo Pessoal)

Estive distante. Minhas aulas começaram há um mês e na próxima semana já terei provas. Preciso manter o foco para não fechar o semestre com notas vermelhas, pois no ano que vem me formarei e vislumbro um futuro repleto de possibilidades porque o mundo é muito maior do que um prédio dividido em dois blocos, cercado por muros altos e protegido por um portão preto de aço.
Fiz escolhas sem pensar nas consequências delas e a tristeza se senta na fileira errada. Choro bastante, mas ainda não me sinto aliviada dessa sensação de vazio, angústia e medo. Eu deveria estar vivendo o auge da adolescência, indo a festas, me divertindo, conhecendo gente nova, no entanto, à medida que o tempo passa, desejo ou avançar mais dois anos ou então retroceder três.
São tempos de estagnação e privação, em todos os sentidos. Os altos e baixos da vida são inevitáveis. Tem sido desafiador encontrar-me com aquela garota que fez da minha vida um inferno por pura diversão, sem remorso e pelo que noto, ela me vê e acompanha cada passo meu, sempre murmura uma expressão pejorativa e eu não respondo, não provoco, apenas desejo chegar em casa.
Tem sido complicado focar nos estudos, pois estou tão absorta que mal consigo me concentrar nas aulas, mas parece que aquela garra do ano passado foi-se embora sabe-se lá para onde. A música e a televisão me confortam, também depende muito do conteúdo que consumo. Às vezes sinto que estou jogando minha vida no lixo, perdendo tempo com programas de fofocas, vendilhança (que eu nunca irei comprar) e programas policiais repletos de sensacionalismo.
O medo da noite me mantém desperta até altas horas, é uma ideia (até) boba, mas as luzes acesas, o radinho, a TV e um fichário antigo de papelão são meus companheiros inseparáveis porque bem lá no fundo eu sei que se precisasse transferir-me de colégio, meus amigos me apagariam das memórias, mas sinto falta dos intervalos do ano passado quando o sexteto ser reunia perto da murinho de onde podíamos contemplar a movimentação do pátio aberto e da cancha enquanto proseávamos sonhos, dramas, piadas e nos confortávamos dos medos estudantis, o de não dar conta da responsabilidade, de uma prova surpresa de Física, entre outras coisas mais.
Sonho em ter um celular, quem sabe eu pudesse me comunicar com meus amigos por mensagens, gostaria de acessar meu e-mail para checar se alguém me escreveu, até mesmo ver frases e poesias para anotar no meu caderninho de versos, gosto quando alguém me escreve uma cartinha e no final deixa um pensamento e queria tomar um banho de loja, comprar acessórios para fazer combinações bacanas porque por mais que o uniforme pareça roubar a beleza, nada que um pouco de criatividade não possa solucionar.
Antes de ir quero lhe contar que desde dezembro passado estou escrevendo uma novela, dez páginas frente e verso. O nome dela é Manicômio.com e sei que parece polêmico, contudo, o manicômio aqui é utilizado com a finalidade de lembrar que a normalidade não existe e que cada personagem precisa amadurecer, mas não quer dizer que não se pode rir, se divertir, namorar, recomeçar, perdoar e o pontocom alude ao momento atual, em que os computadores estão mais presentes no nosso dia-a-dia.
A Profª Paula é a protagonista, faz par com o também professor Eduardo Gutiérrez. Ela dá aulas de Português e ele de Matemática. Ela é a conselheira das garotas e demonstra uma empatia ímpar para com os jovens, desejando sempre poder ajudá-los, seja com as explicações em sala de aula, seja com um ombro amigo.
Apesar da resistência inicial de Paula, ela encontra em Gutiérrez mais do que um simples colega de profissão, mas um grande amigo e o coração diz sim ao amor. O ex-namorado dela o abandonou grávida e o docente declara que tratará o bebê como se fosse seu filho.
Esses professores lecionam para o segundo ano mais problemático do colégio e suportam o autoritarismo da diretora Raimunda, uma mulher ríspida, punitiva e que em certos momentos parece viver fora da realidade, lutando contra moinhos invisíveis.
Escrevo quando posso, quando pinta alguma ideia legal, pois imagino que uma novela jovem mais realista deveria se passar em uma escola pública, com mais "gente como a gente", com o nosso sotaque, nossos dialetos, mostrando que essas pessoas também têm histórias para contar com o peito estufado.
Espero um dia olhar para trás e poder me orgulhar de mim mesma por ter resistido a tantas provações para nunca me esquecer da minha força interior. 

-08/03/2004

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