sobre (o medo de) amar outra vez

 

Uma pessoa apaixonada (Reprodução/Arquivo Pessoal)

Detectou-se uma falha ao fugir do abstrato. São tênues linhas dançantes; ora se fazem versos, ora contemplam os ocasos sob as lentes do etéreo. Cuidadosamente se desvelam na intenção. Em um ato inconsciente e ao mesmo tempo contido, o olhar conta todos os seus segredos.

Você andava sozinha por aí, remoendo certos revezes ocorridos outrora, situações que nunca dependeram somente de você. O olhar distante contava a história de alguém que perdeu a esperança e em certa parte agarrava-se à nostalgia distorcida de memórias não tão belas. Nunca poderia seguir em frente levando o peso do passado nas costas.

As crises sucediam-se com uma frequência pontual, você necessitava de alguma segurança, por mais adversa que pudesse ser. O passar do tempo cumpriu-se e o coração apertava, tudo parecia estar fora do lugar. No entanto, não era mais a ferida aberta que chorava, era aquela parte de você que engolia a verdade: você já estava cansada de sentir autocomiseração.


Falar em alto e bom-tom é tratado como um tabu, acrescentado ao receio de dar-se conta do estalido tão óbvio e tão reconfortante. Acolher os sentimentos. Digeri-los. Recordar o gosto bom de ver estrelas no resplandecer de uma alma amiga, com quem as voltas da vida não passam de breves aventuras e o acaso não serve para argumentar o porquê de certos encontros serem pontuais e inesperados até certo modo.

Metáforas substanciais, rabiscos de quase versos, angústia aprisionada. O diálogo mais aguardado há de ser a junção de dois lábios, o epílogo repleto de mistério nas entrelinhas. De nada adiantam os disfarces, a calada da noite não admite distorções da verdade. É o corpo dele pesando sobre o seu à luz do luar — entrega pura e sincera, carícias suaves e cúmplices e declarações despidas de timidez — o desejo que canta a plenos pulmões na escuridão.

O presente não almeja ser explicado às minúcias. Os tempos são outros, há certa urgência em construir novas memórias. Após uma peregrinação forçada por labirintos de desenganos, o destino convidou-te para dançar. Siga as batidas da canção do seu coração e entregue-se, aventure-se, reaprenda. Sempre é tempo de amar (outra vez).

Curitiba, 31 de maio de 2023.

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