Mary Recomenda: Um longo caminho para casa - Danielle Steel

Boa tarde de domingo! Gostaria de estrear um novo quadro nesse blog, o Mary Recomenda. É claro que naturalmente não se trata de uma novidade que fará o eixo do nosso planeta girar, afinal, blogs muito melhores e mais populares que o meu resenham livros a todo instante, mas a diferença é que para mim é uma aventura nova e eu gostaria de compartilhar o que aprendi e senti durante a leitura de cada obra. O livro escolhido para ser o primeiríssimo é Um longo caminho para casa, escrito por Danielle Steel.




Título: Um longo caminho para casa (original: The long road home)
Autora: Danielle Steel
Editora: Record
Ano de publicação: 1998

Um longo caminho para casa é narrado em terceira pessoa, cujo narrador é onisciente, o que nos proporciona uma visão incrível de toda a história, de todas as ações e sensações dos personagens envolvidos. Se você é uma pessoa sensível, recomendo ler com uma caixa de lenços do lado e preparar-se para sentir tristeza, raiva, emoção, para vibrar do início ao fim pela Gabriella Harrison.

A apresentação da protagonista, a incrível Gabriella Harrison, é bastante comovente, para não dizer também horripilante. Ela representa bastante bem a criança vítima de violência doméstica, vinda de quem deveria prover o sustento, amar e proteger. Gabbie sente-se culpada pelo ódio doentio de sua mãe, mesmo sem ter culpa de nada. A culpa nunca é da vítima.

Desde as primeiras linhas acompanhamos o sofrimento dessa pobre criança, filha de uma megera impiedosa. Apresento-lhes Eloise Harrison, um monstro na pele de uma beldade, a melhor representação de uma mãe desnaturada, embora tenha me parecido desde o primeiro instante que ela nem de mãe deveria ser chamada, era demais para ela. Uma pessoa sem compaixão, incapaz de dedicar amor a alguém, completamente doente da alma, perturbada, descontrolada, rancorosa. Pois sim, sentir ciúmes e inveja da própria filha não me soa nada natural.

John Harrison, o pai da Gabbie, desde o princípio não me cativou por ser omisso, um homem de caráter fraco, indeciso, covarde. Ele poderia ter protegido a filha, impedido a Eloise de cometer as atrocidades contra uma indefesa criança, então, para mim, ele era conivente com a violência, nunca mereceu o amor e a admiração da filha. Ele nunca enfrentou a fúria da esposa, preferiu se esconder na bebida, sem voz ativa, sem qualquer predicado que possa redimi-lo porque ao longo da leitura bem que tentei remontar as peças desse quebra-cabeça espalhado de trocadilhos e continuei sem me afeiçoar a ele.

Você se sente tocado pela coragem da Gabriella, pela sua força em sobreviver ao ódio extremo da mãe, a todos os espancamentos, as palavras amargas e ameaças. Gabbie enfrenta provações que muitos adultos sem dúvida não teriam ombros para suportarem. Sei que pelo mundo afora existem muitas outras crianças como a Gabbie, que crescem em lares desestruturados, sob o jugo de pais imaturos e egoístas, crianças que crescem sem ter amor e proteção, sem segurança e incentivo, com cicatrizes visíveis e outras que ficam escondidas nos abismos mais densos do âmago, mas estão lá, doendo, sempre ali.

Quando Gabbie está com nove anos de idade, John abandona a família para ficar com Barbara, uma mulher que já tem duas filhas da mesma faixa etária da Gabriella. Eloise também encontra alguém, um homem chamado Frank Waterford, de San Francisco. Num dia, ela manda a filha arrumar as malas e a leva até um convento. A própria Madre Superiora, a marcante Madre Gregoria, fica horrorizada por perceber que Eloise Harrison não demonstra um pingo de afeto pela filha. Gabriella é abandonada ali naquele convento. Uma das passagens mais bonitas do livro para mim é quando a Madre Gregoria abraça a pequena e assustada garotinha e ali naquele instante em que ambas não dizem nada, ela descobre o que realmente é amar alguém incondicionalmente.

Gabriella tem um dom muito especial. Ela é uma escritora nata. Além da beleza angelical, ela tem outras virtudes que fazem dela uma pessoa cativante e especial, mesmo com todos os traumas que a atormentam, todas as culpas que carregava em seu âmago. Ela escreve histórias que denotam toda a sua sensibilidade e sua técnica madura, que porém, é claro, precisa ser aprimorada. Um bom escritor sempre tem dúvidas, nunca se considera o melhor do mundo, o insuperável. Gabbie é talentosa, mas acredita que seus textos não são tão bons para serem publicados, ainda que as freiras a incentivem muito.

Nem Eloise e nem John procuraram a filha, mas acredito, como no próprio livro fica muito claro, que a melhor coisa que a Eloise fez pela Gabbie foi abandoná-la naquele convento e por pelo menos alguns anos essa protagonista teve alguma paz, fez faculdade e, por volta dos vinte anos, decide ser freira. Na verdade levam 5 anos até serem feitos os votos definitivos. Primeiro se é postulante e depois noviça. 

Gabbie era postulante quando uma reviravolta muito grande lhe aconteceu: em uma confissão ela conheceu o padre Joe Connors, alguns anos mais velho que ela, bonito, atraente, alguém que também cresceu em meio a tragédias: ele perdeu o irmão mais velho afogado (Jimmy) quando tinha apenas sete anos de idade e se sentia culpado por não ter conseguido salvar o garoto. Aos 14 seu pai morreu de ataque cardíaco e a mãe se suicidou alguns dias depois. Com isso, ele foi parar em um seminário e acabou se tornando padre. Toda a sua vida era dedicada a Deus, a filantropia. Nunca lhe ocorreu que poderia se apaixonar. O mesmo se sucede com a jovem Gabriella, porém a atração proibida acaba acontecendo e eles se entregam a esse desejo. Tudo é muito puro, ambos são inocentes, ingênuos, nunca viveram no "mundo real", sempre estiveram protegidos. 

Viver esse romance acarretaria em consequências. Toda escolha tem um preço. Nem todos querem pagar esse preço porque ele pode ser alto. Nesse instante percebemos mais do que nunca o quanto a Gabriella é uma mulher de fibra e corajosa, ainda que essa decisão seja dolorosa de qualquer modo, como um beco sem saída. Se ela escolhesse fazer os votos definitivos e ser freira de verdade, teria de abrir mão do Joe e de todo o futuro que teriam juntos. Se escolhesse o Joe, acabaria por decepcionar a todas as pessoas que a acolheram quando ela não passava de uma criança sem ninguém por ela no mundo. 

Não dizem sempre que aquilo que começa de forma errada termina em desgraça? Gabriella engravida. E ainda não é tudo. O romance dos jovens foi descoberto. Joe se suicidou e Gabriella perdeu o bebê, tendo que também deixar o convento onde viveu tantos anos, ficando por conta própria na rua, com mais uma culpa dentre tantas que carregava. Era a responsável pela morte daquele homem. Antes de partir, o padre deixou uma carta explicando os seus motivos. Ele agiu exatamente como a mãe dele. Temia não corresponder às expectativas de sua amada e ao mesmo tempo também não queria desapontar aqueles que o ampararam quando ele se encontrou sozinho no mundo. A questão do suicídio é realmente complicada de ser discutida porque quando a pessoa chega a esse ponto de desistir da própria vida, nunca se sabe como proceder, o que de fato fazer para ajudar, se é que há algo que possa ser feito, reverter a ideia. Para o Joe parecia ser a saída, mesmo que isso implicasse magoar a Gabbie, dizendo uma frase que leremos durante o livro todo e que cai como uma luva para ela. "Você é forte". A frase que todos que a magoavam costumavam dizer.

Gabriella foi morar em uma pensão e passou a trabalhar como garçonete. Tão logo os moradores já estavam encantados com ela. O professor Thomas com certeza teve um grande destaque nessa fase, foi como o avô que ela não teve, foi quem lhe deu bons conselhos, acreditou em seu talento e lhe ensinou grandes lições de vida. Foi graças a ele que Gabbie teve a oportunidade de ver um texto seu sendo publicado. Ela sempre foi muito modesta, mesmo sendo extremamente talentosa com as palavras como poucas pessoas sabem ser. Escrever com a alma é um dom extremamente raro e quem tem é muito abençoada. Ela tinha. E foi esse talento que começou tímido lá na infância que demonstrava toda a profundidade da sua alma, aquele enigma impresso em seus olhos que deixava as pessoas ávidas de curiosidade. Todos os dias a Gabbie se esforçava para seguir a sua vida, mesmo com saudades de Joe, do convento, da vida pacata que levava por lá. Eu a admirei por ela ter resistido a todos os golpes duros sem em nenhum momento culpar ninguém ou querer bancar a vítima. Ela estava sempre a postos, prestativa, procurando ajudar os outros, sobreviver. 

Tudo parecia bem até chegar um novo morador na pensão da Sra. Boslicki, o enigmático Steve. A princípio ele conquistou a todos, até mesmo a Gabbie. Eles se envolveram e então aos poucos ele mostrou que nem de longe era um bom partido. Não era nem em comparação ao Joe, até porque eram contextos totalmente diferentes. Ele queria viver à custa dela, ter dinheiro fácil, sabia o que fazer para tê-la em mãos. O pior tipo de homem que uma mulher pode conhecer. O tipo que fareja a fragilidade da vítima e a estuda antes de dar o bote. O típico traste manipulador, chantagista, cínico e frívolo. Tudo que a Gabbie não merecia. Que nenhuma mulher nesse mundo merece. Nem mesmo a sua pior inimiga.

O professor Thomas descobriu todos os podres do Steve e após uma discussão muito feia com ele, bate a cabeça sofrendo um derrame e vai parar no hospital, onde morre dias depois. Nessa hora você que está lendo sente vontade de entrar na história e dar uma lição no traste, sente vontade de estrangulá-lo. Precavido como era, o amigo de Gabbie havia feito o seu testamento onde deixou alguns bens e uma quantia significativa em dinheiro para que sua querida e estimada Gabbie pudesse investir na carreira de escritora porque melhor do que ninguém, ele acreditava nela, talvez até mais do que ela mesma. Ele era a família dela, a representação de um amor puro e incondicional, sem maldade, uma belíssima amizade.

Gabriella acaba descobrindo quem realmente é o Steve e o acerto de contas é uma das passagens mais terríveis do livro porque não pude deixar de pensar em todas as mulheres que são vítimas de violência doméstica, que se calam diante dos "Steves" da vida, que suportam tudo por medo de serem mortas, embora a Gabbie o tenha enfrentado, nem todas as mulheres têm a mesma coragem. Eu esperava isso dele, mas mesmo assim foi estarrecedor. Mais uma vez nossa heroína contraria todas as expectativas nefastas e sobrevive. Vai ao inferno e volta. A couraça está mais forte. Ela não é mais aquela menininha que apanhava calada da tirana mãe. Ela é uma mulher. Uma mulher corajosa. E não tem medo de denunciar Steve. Mais do que nunca eu a admirei.

Gabriella passa algumas semanas hospitalizada recuperando-se do coma e das fraturas no corpo quando conhece o médico que está cuidando dela, o Peter Mason. Gostei dele desde o início. Gostei mais ainda de perceber que finalmente a Gabbie se sentia à vontade com alguém, abrindo o seu coração e podendo enfim fechar as feridas que a atormentaram a vida inteira. É quando ela toma uma decisão bastante ousada: procurar os seus pais. Não tenho nem adjetivos para descrever o asco que senti do John Harrison. A essa altura eu posso dizer algo que é um tanto quanto óbvio: Gabbie era órfã de pais vivos. Acrescento também que ela nunca precisou dele para nada, não precisaria em sua vida de quem nunca a amou, nunca a valorizou, nunca nem quis saber como ela estava. Manter contato não fazia nenhum sentido.

Gabbie também vai procurar a mãe em San Francisco, no entanto descobre que Eloise morreu havia alguns anos e encontra o seu (ex) padrasto, o Frank Waterford, que lhe faz perceber que não faria diferença alguma escutar o que Eloise Harrison Waterford tinha a dizer, aliás, ela com certeza não teria dito nada de útil e pelo que deu a entender, ela não se redimia, tampouco teria se arrependido do que fez. O problema era aquela mulher, nunca foi a Gabbie ou nada do que uma criança inocente possa ter feito, porque nada justifica machucar um ser indefeso por motivos fúteis. Com isso, a jornada da nossa heroína encerra um capítulo importante, ela finalmente é livre para ser ela mesma, sem nenhum remorso, nenhuma culpa. Ela é livre então para ser feliz. Não importa o quanto tenha sofrido no passado, a vida segue e também surpreende. A mesma realidade que castiga também ensina, testa e fortalece. Gabriella Harrison nos mostra isso, é o exemplo mais claro de uma fênix, alguém que ressurgiu das próprias cinzas, portanto se o que você procura é uma história que arrebate o seu coração, te emocione e te ensine, eu garanto que esse livro da Danielle Steel é uma boa pedida, mas eu recomendo acima de qualquer coisa que você leia com a alma. 

A esse livro eu dou cinco estrelas.

Espero que tenham gostado da minha resenha. Prometo que tentarei melhorar nas próximas leituras, mas quis muito dividir com vocês a minha mais recente experiência literária e sair um pouco desses clichês que estão na moda atualmente para mostrar-lhes que existem obras maravilhosas à nossa espera, que desejam tocar o nosso coração, como essa tocou o meu.

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