Não se fala de outro assunto nas mesas-redondas, tampouco fora delas. A grande final está próxima. Dois grandes campeões encontram-se para decidir a titularidade da taça desta edição. A medalha de prata, simbólica, sagra um sonho destruído. Ser Rei do Continente é o que interessa.
Sábado adquire ares de domingo, os amuletos da sorte estão a postos, os caixas de supermercado operam acima da capacidade, até os canais de esporte quebram a grade habitual de programação para a cobertura desde o início da manhã. Amigos reúnem-se em alguns pontos da cidade e às quatro da tarde as ruas estão invadidas pelo silêncio, salvo um ou outro rojão que destoa.
O estádio está bastante cheio, as equipes chegaram de ônibus mais cedo e estão se aquecendo no gramado. São 17h pelo horário de Brasília, o silêncio é quebrado e a bola começa a rolar no gramado. Que vença o melhor, diz o narrador.
Que vença o meu time, ele é o melhor, digno de peitar a pompa dos europeus, jogando no mesmo nível. Essa seleção tem toda condição para ser eleita uma das melhores da década. Meus filhos e netos ouvirão falar dessa safra vitoriosa e recordista. Nossa torcida veio para fazer barulho, já tem até comemoração marcada para o outro dia; a principal avenida vai lotar de gente, vai ter trio elétrico, vai ter festa até depois da saideira.
Somos todos donos da razão quando nossa atenção está concentrada em apostar o placar da partida. Tivemos intuições, estamos confiantes no bom trabalho do treinador, pode até ser difícil, porém a vitória sem luta tem gosto amargo, ninguém desiste até o último segundo. Não viemos de longe para perder. Somos a décima-segunda camisa, estamos prontos para decidir a partida, se necessário.
Todos nós vestimos a camisa do comentarista e soltamos a língua. Basta um lance equivocado para bradamos o que falta de calma. Escalamos a equipe dos sonhos, criticamos as jogadas erradas, sentimos o coração bater na altura da garganta quando a bola está na área do adversário, questionamos a atuação nem sempre imparcial do juiz. O VAR tem que ver isso aí, estava impedido!, urramos quando o gol do adversário cala nossa empolgação. Não estava impedido coisa nenhuma, só pode ser mutreta, quando o placar volta a zerar. Se essa jogada violenta não é caso de expulsão, o que é, então?
Nossos olhares estão atentos a toda e qualquer movimentação. Na vitória ou na derrota, nosso time veste o manto sagrado, jogadores vêm e vão, o mais valioso patrimônio de uma equipe é a sua sempre fiel e apaixonada torcida, que nunca dá às costas, celebrando um título ou amargando uma temporada para se esquecer, estão lá debaixo de sol ou debaixo de chuva, a verdadeira motivação para se vencer.
Um passe desviado gera o contra-ataque e confirma um gol na segunda etapa. Quando tudo parece perdido, já nos acréscimos, o camisa 9 não decepciona e balança a rede, assegurando mais dois tempos de nervos à flor da pele. A respiração vai ficando pesada, aquela animação da semana toda sumiu junto da sobriedade, quem permanece no sofá sabe que futebol se decide em campo, sem segredo. Não tenho coração para decisão nos pênaltis. E o primeiro tempo termina empatado. Recordamos de partidas históricas nas quais o campeão derrotou o adversário na cobrança de penalidades, temos bons batedores.
Ganham rios de dinheiro para só fazer cagada em campo. A indignação possui álibi. O treinador colocou o camisa 21 faltando cinco minutos para o fim da prorrogação, sendo que um centroavante daquele calibre teria costurado boas jogadas e resolvido a partida, porém aquela falha grotesca do zagueiro entregou a taça de bandeja ao rival. Esse técnico tem que ser mandado embora, já deu! Só faz burrada, parece que não tem amor ao time! Eis a debandada do sofá, sobra um ou outro que ainda aguarda uma tardia reação, que não vem. Não foi dessa vez.
Tem festa, sim. Mas não lá em casa. Tem queima de fogos, tem provocação de amigos, tem meme sobre as bolas murchas, tem. No fundo, no fundo, eu estava com um pressentimento ruim. Precisamos de um bode expiatório; foi uma má escolha jogar lá na altitude, o técnico não escalou o cara certo para decidir a partida, o artilheiro não estava inspirado, o fulano foi expulso e jogar com um a menos fez diferença, aquele lateral direito não foi se machucar em pior momento, o substituto dele não mostrou a que veio. Venhamos e convenhamos, o time não estava bem.
E repercutimos nossas impressões na mesa do bar, durante o jantar, na fila do ônibus, na roda de amigos, publicando em alguma rede social. Nesta história escrita por tantas mãos, o final difere conforme o time para o qual torcemos, logo, faz um pouco de sentido. A temporada está próxima do fim e já não se chora o troféu perdido, suportam-se as chacotas triviais e tão parte do folclore quanto o gol, no próximo ano tem mais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Muito obrigada pela visita ao OCDM, espero que você tenha gostado do conteúdo e ele tenha sido útil, agradável, edificante, inspirador. Obrigada por compartilhar comigo o que de mais precioso você poderia me oferecer: seu tempo. Um forte abraço. Volte sempre, pois as páginas deste caderno estão abertas para te receber. ♥