regeneração


abril 24, 2023      

regeneração

23:33 |

Ainda era menina da última vez em que se sentou em um balanço, quando o amor não passava de um misterioso e difícil idioma de se aprender. Muitos, muitos anos depois, a mulher atravessava a rua para adentrar um parque. Estava sozinha e o sol do meio-dia não a incomodava, pelo contrário, a acarinhava.

Escolheu o balanço do meio, apoiou a mochila ao lado direito dela e sentou-se. Os pés riscavam a areia fina em busca de impulso para balançar. Os dedos trêmulos acariciavam as grades enferrujadas pelo tempo, a pintura da madeira também padecia, porém, os olhos dela miravam o céu em um tom de azul profundo e o lento balançar das folhas na copa das árvores.

As batidas do coração demonstravam uma genuína gratidão, alinhavam pensamentos e intenções. A máscara poderia esperar por alguns instantes, fazia sentido preencher os pulmões com aqueles ares de boas-novas, de um caderno no início, enquanto a câmera do celular registrava autorretratos de um instante, sorrisos tímidos e completude.

Ela havia aprendido a gostar do próprio silêncio e já não temia os próprios demônios. Além do mais, o coração já não estava mais partido, não havia nada que a prendesse ao passado e a ninguém, talvez houvesse um pouco de medo de apaixonar-se e acreditar em alguém outra vez, mas eram questões a serem debatidas em outra ocasião. Algo improvável há sete anos agora era a melhor definição para aquela experiência.

Salto de consciência, troca de pele, despertar... fique à vontade para nomear como lhe for conveniente, só não desmereça. Ela desceu pelo escorregador e lembrou-se do quanto precisava de tão pouco para ter um bom dia, apreciar as mais pequeninas alegrias lhe era caro; para algum desavisado seria uma vergonha ver uma mulher de trinta e poucos anos e sem filhos brincando no parquinho, no entanto, ela levava a criança que havia dentro dela para brincar, dedicava-lhe a atenção sempre relegada pelas obrigações e vivia uma epifania que dispensava até o bom e velho caderno, embora houvesse muito a dizer, se havia corações indispostos a sentir a poesia, nada poderia fazer a respeito, o sentimento predominante no peito dela era orgulho.

O tempo a trouxe o prezado equilíbrio e as cicatrizes não estão expostas onde qualquer pessoa possa ver e reabrir a ferida, elas são as tatuagens que adornam um local profanado e a relembram sempre do quanto foi importante resistir. Porque a melhor maneira de defini-la é como aquela que pode visitar o deserto milhares de vezes, voltando de lá cada vez mais forte e convicta do próprio valor, pronta para tocar as estrelas.

Copyright © 2023. Todos os direitos reservados.

Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Muito obrigada pela visita ao OCDM, espero que você tenha gostado do conteúdo e ele tenha sido útil, agradável, edificante, inspirador. Obrigada por compartilhar comigo o que de mais precioso você poderia me oferecer: seu tempo. Um forte abraço. Volte sempre, pois as páginas deste caderno estão abertas para te receber. ♥

Mary Recomenda | Querida Kitty - Anne Frank

  Hoje é sexta-feira e nada como sextar acompanhando o Mary Recomenda. Na edição de hoje, nossa convidada especial é Anne Frank e sua Queri...