O que faz de mim uma escritora (ou não)?

 


Minha primeira aula na universidade foi logo de Literatura. Esses encontros semanais são muito enriquecedores em todos os sentidos e estou tendo desde então a oportunidade de expandir conhecimentos e desenvolver um pensamento mais crítico e consciente sobre o conteúdo que foi produzido antes de mim, a importância de possuir embasamento teórico para me aprofundar mais ainda em um universo vasto de vozes a serem ouvidas e outros conceitos mais que me ajudarão a ser um ser humano melhor. 

Há alguns anos tenho vivido um dilema moral porque busco uma definição pessoal sobre o que é ser escritora, de fato, no entanto, se por um lado não desejo “escrever para vender”; por outro vem a constante pressão para “escrever o que lucra” e ficar estagnada enquanto todos estão sendo tão produtivos e fazendo sucesso nas redes sociais, muito embora um copie o outro e seja o "mais do mesmo" ad infinitum. Sem generalizações, claro. Longe de mim querer criar confusão.

Inclusive, fiz uma besteira atrás da outra entrando nessa barca furada de querer ser “famosinha”, iludida com promessas falsas, sem mensurar os juros a serem pagos com a dignidade. O ônus é uma carga pesada demais e a maldade das pessoas não é um elemento a ser subestimado. A adoração abre precedentes para o ódio desmedido. E onde encontra-se a essência se os cifrões sobrepujam todo o resto? O equilíbrio?

Durante a aula são muitas pessoas participando e algumas gostam de monopolizar a atenção, logo, aguardei o fim das atividades e reuni um pouco de coragem para conversar com a professora a sós. Compartilhei esse sentimento que me perturba e ela fez-me uma pergunta: 

— Você realmente quer fazer isso? 

— Não! — respondi. 

— Então... você não precisa fazer isso e está tudo bem! — Ela continuou. 

Confidenciei-lhe que embora já tenha produzido algum conteúdo nesse sentido, não me sinto escritora. Atribuo essa insegurança à responsabilidade que essa definição traz consigo. 

— Você gosta de escrever o quê? 

— Ah, poesias, contos e histórias... 

— Histórias mais longas ou mais curtas? 

— Eu gosto de histórias mais longas, mas também histórias mais curtinhas, contos. 

Ela deu-me um exemplo pertinente ao conteúdo que discutimos hoje em classe, o ensaio escrito por T.S. Eliot sobre tradição e talento individual. Cada autor é fruto de seu tempo, de seu momento histórico e embora possa apresentar uma nova perspectiva com sua obra, sempre reverencia seus antepassados e conhecer o passado nos ajuda também a ter uma melhor compreensão do presente. 

— Pode levar alguns anos até você conseguir se sentir uma escritora. Pode levar 5, 10 anos, até 20, mas não importa, esse dia vai chegar e enquanto isso, continue escrevendo. Busque ler, mas ler muito, ler gêneros bem diferentes, autores de várias nacionalidades... 

Foi uma conversa breve, mas muito proveitosa porque saí da sala sentindo os ombros mais leves. Espero não ser mal interpretada, contudo, escrever para vender funciona para muitas pessoas e eu não sou uma delas.  

Quero preocupar-me em contar uma boa história, melhorar a qualidade textual e ao fim de cada livro saber que dei o meu melhor porque não quero fazer dancinha naquela rede social de vídeos nem querer vender curso de “como escrever bem” tendo uma escrita pobre e rasa e sem nenhum conteúdo realmente agregador para valer cada centavo. 

Somente agora que estou a um passo de concluir o texto, caiu a ficha: tentei desistir de escrever por mais de 4 anos, buscando arrancar a escrita como me desfaço de uma etiqueta que pinica na pele, mas a escrita nunca tencionou me deixar. E, lá nos recônditos do meu íntimo, eu também não desisti dela, só me deixei levar pelo medo e pelas palavras ruins de quem nem possui qualquer know-how para julgar os meus textos. 

Hoje posso ainda estar distante de possuir o nível técnico e a maturidade que pretendo, porém tenho consciência de que estou a caminho e quem sabe um dia consiga dizer que sou uma escritora sem sentir-me uma fraude. 


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