Mary Recomenda | As Virgens Suicidas - Jeffrey Eugenides


O Mary Recomenda de hoje traz a resenha de um dos romances contemporâneos mais marcantes e melancólicos que já li: As Virgens Suicidas, de Jeffrey Eugenides. Publicado originalmente em 1993, o livro ganhou adaptação para o cinema em 1999 pelas mãos da estreante (e hoje cultuada) diretora Sofia Coppola.
Falar sobre essa obra é um desafio, não só pelo tema delicado, mas também porque ela deixa uma impressão difícil de descrever, algo entre o desconforto e o fascínio. Ainda assim, vou tentar — porque esse livro merece ser sentido.





📖 Ficha Técnica:
Título: As Virgens Suicidas
Autor: Jeffrey Eugenides
Editora: Rocco
Ano de publicação (original): 1993
Páginas: 216
Gênero: Romance psicológico / Coming-of-age / Narrativa coral


☁️ Impressões e experiência de leitura

Fiquei anos atrás desse livro até o ganhar de presente. Na época, comecei a leitura, mas acabei desistindo. Só fui me reconectar com a história após assistir ao filme da Coppola, que, mesmo sendo delicado e onírico, deixou um impacto emocional profundo em mim. Era aquele tipo de história que, mesmo te fazendo chorar, te conquista. E então decidi dar uma nova chance à obra original — e que bom que dei.

O livro é narrado por um dos meninos da vizinhança, já na meia-idade, relembrando obsessivamente o verão em que as cinco irmãs Lisbon cometeram suicídio. Ele fala por todos os meninos da rua, em uma narração em primeira pessoa plural, que carrega a nostalgia, a culpa e o assombro de uma geração que cresceu assombrada por um luto nunca resolvido.

É uma narrativa coral, meio distanciada, como se eles fossem investigadores da alma feminina sem jamais terem conseguido decifrá-la. A história não gira em torno do “porquê” racional do suicídio, mas da incompreensão diante do inexplicável. O que resta é a tentativa de recriar, reconstruir, por meio de diários, objetos e memórias, os traços daquelas garotas que se tornaram mitológicas aos olhos deles — e talvez, por isso, ainda mais distantes.


🌫 Sobre Cecília e o começo do fim

A trama tem início com a tentativa de suicídio da irmã mais nova, Cecília, na banheira de casa. A partir desse episódio, tudo começa a se desintegrar na família Lisbon. O diário de Cecília — encontrado pelos meninos — traz fragmentos que mais confundem do que explicam. Sua escrita é impessoal, quase etérea. Em vez de se abrir ao mundo, Cecília parece se recolher ainda mais, como quem já se despediu antes mesmo do adeus definitivo.

Eugenides insinua mais do que afirma, deixando o leitor num limbo de possibilidades: seria o suicídio um grito abafado de uma jovem sensível demais para o mundo? Ou somente o estopim de uma repressão familiar silenciosa, mas cruel?


🕊 As irmãs Lisbon: presença e ausência

Lux, Bonnie, Mary, Theresa e Cecília: nomes que ecoam como lendas entre os garotos. As irmãs são retratadas como enigmáticas, quase irreais — contribuindo para a atmosfera fantasmagórica da obra. A mais “conhecível” talvez seja Lux, a ovelha negra da família. Sua sexualidade precoce, seu namoro com Trip Fontaine (o galã da escola), sua rebeldia contida e depois brutalmente reprimida, mostram uma adolescente em busca desesperada de afeto, autonomia e significado.

A repressão imposta pela Sr.ᵃ Lisbon, aliada à passividade do pai, vai isolando as filhas do mundo exterior. Após um único baile, que termina com Lux passando a noite fora, as meninas são privadas da escola, da música, da liberdade. O confinamento é tão literal quanto simbólico — e o sótão em que elas passam seus últimos dias é o retrato mais devastador disso.


🏚 O lar como prisão

A deterioração da casa dos Lisbon é descrita com um realismo quase grotesco, funcionando como metáfora para o colapso emocional da família. A clausura, a opressão e o silenciamento são os verdadeiros antagonistas da história. A narrativa nos conduz à impotência de quem assiste tudo desmoronar sem conseguir intervir.

Mesmo os meninos, que se comunicam com as irmãs por meio de catálogos e discos, só conseguem observar de fora. Quando finalmente recebem um “convite” para resgatá-las, o gesto é simbólico demais, tarde demais.


💔 Final, cicatrizes e memória

As Virgens Suicidas não oferece redenção nem resolução. O trauma atravessa os anos, transforma os meninos em homens que ainda vivem presos ao passado. E a casa, depois vendida e reformada, parece apagar os vestígios de tudo que ali aconteceu — como a sociedade muitas vezes faz com aquilo que não entende ou não quer encarar.

Eugenides escreve com lirismo e precisão cirúrgica. Sua prosa é poética, mas jamais vazia. A tristeza que atravessa a história não é sensacionalista, é existencial.


✨ Considerações finais

A leitura de As Virgens Suicidas me marcou profundamente. É um daqueles livros que não oferecem respostas fáceis e por isso mesmo ficam conosco. A Sofia Coppola soube traduzir visualmente esse mesmo tom, mas o livro tem sua própria força — mais suja, mais crua, mais inquietante.

Não é uma leitura leve, fofa, com final feliz, redondinha, ou que promete continuação, mas é necessária. Porque fala do que não é dito. Porque nos convida a enxergar por trás da fachada das casas perfeitas. Porque lembra que ninguém deve ser reduzido a um enigma.

📚 Recomendo com o coração apertado e a alma tocada.

E é nesse clima meio etéreo, meio nostálgico, meio choroso que o Mary Recomenda de hoje se despede, mas podemos nos encontrar na próxima sexta-feira ou a qualquer momento aqui no OCDM. Um abraço apertado e até sempre! =)

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