Mistureba WNBM - A tarde NÃO é sua, é dos anunciantes


Toda tarde é a mesma coisa,
naquela mesma bancada, 
naquele mesmo canal, tudo igual.

A entonação quer me prender,
tem uma última informação,
uma fofoca quente que não devo perder, 
uma confissão bombástica,
detalhe sórdido de um crime hediondo
de repercussão nacional,
junto a um mistério que não se cala.

Desastre é ser a última a saber
quem é o cantor famoso
que teve filho e não paga pensão,
quem é a atriz que está com depressão,
o apresentador que pediu demissão,
a nova polêmica da falsa poderosa,
o namoro arranjado do camisa 10,
amor por contrato, que decepção!

Charlatanismo elitizado,
tem fantasma pedindo o seu espaço.

Pausa para o recado dos anunciantes.
Nenhum programa sobrevive
sem aquelas quinquilharias tomando
de dois em dois minutos
mais da metade do circo televisionado.

Minha bunda tá caída,
aquele aparelho promete levantá-la.
Celulite é vergonhoso ter,
das estrias, o que dirá?
Bora comprar aquele gel de algas
porque ele arde, mas faz efeito.
Tudo para fazer bonito no verão.

Meu cabelo é uma porcaria,
eu devia usar aquela tinta, 
dizem sempre que homem gosta de loira.
Cabelo virgem tá cafona, não compensa,
não chama a atenção.
Hora de abandonar esses cachos
ou então dar um jeito nesse liso sem graça.
Vai ver é por isso que ninguém me olha,
preciso perder a minha barriguinha
com a tal da cinta que come gordura.

Preciso manter a pele sempre jovem
com aquele creme que promete 
o mesmo efeito de uma plástica,
ser linda como a capa da revista.
Eternizada naquele clique, o máximo.

A tal da novidade nunca é revelada,
outra tarde que se foi e eu não aprendi nada.
Continuo sem namorado, sem emprego,
acreditando que há algo de errado comigo.
Sim, é verdade, há...

Porque nunca questionei.
Porque me condicionei a ser público,
a ter minha autoestima massacrada,
o intelecto subestimado.
Porque minha liberdade não faz diferença,
em me expressar, quiçá.

A técnica de depreciação te faz um lixo,
mas é a alma do negócio, faturar com a dor,
a insatisfação lucra, mantém o programa no ar,
e o padrão continua a levar almas
porque muitas mulheres morrem
quando deixam de gostar de si próprias.

Consumir pode me fazer feliz por agora,
mas um vício sempre exige mais,
e eu não quero cavocar nesses defeitos,
que muito provavelmente nem existem
quero do mundo algo mais que futilidade.

Estou no canal errado, com certeza.
E eu posso gostar de sofrer,
viciada em me machucar por não ser,
um ponto no ibope, outra alienada,
outra que se vê piada, sem graça.

O enredo é o mesmo, só o cenário mudou.
Exposição de bundas enormes na tela,
"Gostosas" se preparando para o Carnaval,
algum pagodeiro que engravidou fã
e não cumpre com a responsabilidade de pai,
algum casal de celebridades que está namorando,
algum crime hediondo em São Paulo,
algum artista falecido, a cobertura do funeral.
Eu não quero continuar dando ibope pra isso,
quando tenho em mim a beleza por ser eu,
sou minha própria companhia,
cansei de ser um ponto inútil,
e fechar a hora me sentindo vazia
quando há tantas coisas que preenchem e ensinam,
e servem para nos mostrar o nosso valor.

Até nunca mais!

Um televisor desligado no meio da tarde
faz mais poesia que duas horas de embromação.

2 de maio | Dia Nacional do Humor

Especial - 2 de Maio: Dia Nacional do Humor Feliz Dia Nacional do Humor! O 2 de maio é o dia dedicado a uma das formas mais poderosas de con...