Traduzido pelo brilho dos meus olhos - Capítulo 12 - 2 become 1


Com o coração batendo no alto da garganta, Soraya soluçava nos ombros dele rendida, dividindo a tristeza com alguém após anos chorando sozinha.
— Me parece que essa dor não foi ocasionada apenas pela serenata, moça dos incensos de alfazema. Somos amigos, não somos?
— Sim… acho…
— Se somos amigos, que tal você conversar um pouco comigo?
— Eu… Eu senti uma vontade tão incontrolável de te ver hoje que não sabia por quê…
— É sempre bom te ver.
— Pensei que não voltaria a me ver.
— Fui confundido com uma visita desagradável, mas pelo menos te encontrei em casa… Da próxima vez, se você for mesmo supersticiosa, coloque uma vassoura com o cabo virado para baixo atrás da porta; afasta visita chata num instante…
Matt embalava Soraya levemente.
— Fico te devendo uma simpatia eficiente pra afastar pretendente chato, mas em última instância você pode chamar a polícia por perturbação da ordem, especialmente se for cafajeste… Você já deveria estar acostumada com o assédio da garotada. Quem manda ser uma mulher bonita, charmosa e interessante?
— Eu só queria ter o direito de dizer não.
— E o que te leva a crer a dizer que não tem?
— Simplesmente não tenho!
— Tem e deve dizer, seja a quem for.
Matt colocava as mechas da franja de Soraya para trás da orelha, interessado em cada palavra dita, angustiado por não poder beijá-la, por saber que não era a melhor hora para abordar sobre seus próprios sentimentos, egoístas considerando a conjectura. Ela estava confusa demais para confiar.
— Você não tem de dizer sim o tempo todo, ainda mais pra um tipo desses. Nunca ouvi dizer que levar toco matou alguém. Nem sempre a química coincide, mas há muitas oportunidades, não existe uma única pessoa no mundo. Felizmente, para uns isso é um bom consolo, embora difícil, mas é...
— Ele me conheceu ontem, se é o que quer saber.
— Você está falando sério, sim?
— Mais sério, impossível. — Soraya suspirou para controlar a dor de um coração partido por lembranças desagradáveis que Antônio revisitou, reencarnando o papel de Pedro com tanta perfeição quanto o original. — Tive o desprazer de conhecer esse imbecil na noite de ontem e ele já veio com esse papo de que sou a mulher da vida dele…
— Não me leve a mal, mas acho que esse homem não deve ter tido nenhuma mulher.
— Diz ele que teve duas noivas e elas o abandonaram.
— Se foi assim que ele pediu em casamento, até compreendo. — Matt permitiu-se uma leve risada, para Soraya relaxar um pouco.
— Ele fez o maior escândalo quando disse que não podia correspondê-lo, bateu com a cabeça seguidas vezes na mesa da lanchonete até sangrar.
— Soraya, eu recomendo que você se afaste dele. — Matt franziu o cenho, aflito por ter de deixar Soraya sozinha naquela noite.
— Agora tenho culpa que minha “amiga” Giovanna fica se fazendo de cupido e inventando coisas?
— É claro que a culpa não é sua, mas recomendo que se mantenha afastada dele.
— É o que estou tentando!
— Não sabia que você era amiga da Giovanna. Se estiver falando da Giovanna Braga, esqueça! Ela não é a melhor pessoa para ser chamada de “amiga”.
— Amiga, não. Sou conhecida da Giovanna.
— Certo, certo… Tem razão… Não dá pra chamar qualquer um de amigo… Mas… vem cá, minha linda, confessa pra mim, foi Giovanna, o tal passarinho verde que andou contando umas mentirinhas, foi?
Soraya assentiu com a cabeça e para Matt a situação estava resolvida. A esperteza da gêmea não era coisa de outro mundo.
— Fique sabendo que não sou amiga da Giovanna, só converso com ela.
— Suponho que você já tenha vivido algumas decepções, sim?
— Lógico, né? Aprendi que nem todos que te sorriem te estimam… Que amigos podem na realidade ser inimigos… Que a pessoa que mais diz te querer bem será a que te fará ficar mal…
— Bem colocado. Nem tudo que parece, é. Mas nem tudo é só desgraça.
— Se você quer saber, eu gosto de ser sozinha…
— Que não se feche tanto.
— Posso correr riscos, caso me abra.
— Teme se arriscar, é isso?
— Temo que minhas palavras me derrubem amanhã ou depois, o que também não vem ao caso.
— Suas doces palavras podem fazem o dia de alguém ser melhor e olha que eu não sou muito chegado a clichês. Ninguém é autossuficiente, Soraya. Todos em algum momento precisamos de outros, não que devamos depender e delegar nossas necessidades a outras pessoas, mas às vezes é bom ter um ombro amigo pra aliviar a dor, alguém pra conversar, rir um pouco, se esquecer da correria, das cobranças todas, por que não?
— Converso com a Giovanna, mas evito falar de mim.
— Faz o certo.
— Giovanna fala demais…
— Se você quiser que a cidade inteira tome o conhecimento de um segredo, basta contar à Giovanna e sua versão idêntica em carne, osso e chatice. Ela é uma fofoqueira das piores, puxou a mãe em tudo. Intrometida que nem a Isaura, cheia de falar pelos cotovelos sem decência. — Matt beijou a boca de Soraya num estalo, depois recuou. — Não liga pra essa chata não. — pondo-se de pé, tão tímido quanto um menino, sugeriu, a fim de melhorar o astral de Soraya. — Aceita um café? Posso preparar! Fará frio e eu acho que pode ser bom…
Soraya fez um meneio de cabeça, concordando. Matt pôs água na chaleira e acendeu a terceira boca do fogão, voltando para a cadeira onde estava.
— Se eu estiver sendo chato, avise-me.
— De maneira alguma.

****

Minutos mais tarde, alguém bateu com força na porta. Matt pediu para que Soraya subisse para o quarto e ela, confusa, o obedeceu.
— Pois não? — Matt reconheceu Antônio.
— Soraya está?
— Sim!
Antônio adentrou a casa como se fosse morador, mas foi barrado por Matt antes que alcançasse o corredor e abordasse Soraya.
— Espere aí um momento, rapaz. Você não pode entrar na casa dos outros sem permissão dos moradores.
— Cadê a Soraya?
— Primeiramente verei se ela quer te receber.
— É lógico que ela quer. Temos muito o que conversar, ela… — Antônio encarou Matt. — E você, o que faz aqui?
— Sou o namorado de Soraya, essa casa é minha, nós estamos morando juntos. Aliás, o que você deseja falar com ela? — Matt, incisivo, cercou Antônio. — Se veio por intermédio de Giovanna, perdeu a viagem.
— Você… é o namorado da Soraya? — Antônio olhou para os próprios pés, incrédulo.
— E por que o espanto?
— Soraya não me disse que vocês estavam namorando.
— Agora você já sabe.
— Bom, parabéns para vocês.
Antônio deu meia-volta sem nada proferir e Matt acenou, fechando a porta. Soraya, parada no meio do corredor, indagou-o.
— Você… você disse ser meu namorado? — Soraya, recomposta, caiu na risada.
— Sim — Matt mal disfarçava o sorriso. — E ele se foi...
— Você fez isso de verdade, fez?
— Foi necessário. — Matt foi ao encontro de Soraya e envolveu seus braços rentes a cintura dela. — Se você não se importar, é claro!
— Ele foi embora de verdade, foi?
— Para um bom entendedor, meia palavra basta!
Soraya deu alguns passos para trás, pensativa, ao voltar para a cozinha.
— Só existe um pequeno problema, Matt.
Qual? Posso saber? — Matt parou atrás da sombra de Soraya, pressentindo onde ela iria chegar. Era aceitável.
— Como vamos desmentir isso? — Soraya ria, levando as mãos ao rosto, ansiosa.
— Desmentir? — Matt olhava com determinação para Soraya, convencido de que não teria outra saída senão falar, fosse o que fosse. — E quem disse que penso em desmentir?
— Mas...
— Eu não faço questão de desmentir, no caso de perguntarem porque vão perguntar. Nessa cidade as paredes têm ouvidos e as notícias correm tão depressa quanto os carros de Fórmula 1...
— E...?
— Por que não pode ser, minha querida?
— Porque você e eu não podemos ficar juntos.
— Você está esperando por outra pessoa. Já sei: você e o Léo...
— Não tem Léo nenhum... Bem... sabendo que você é um sonho impossível pra mim, o melhor que faço é ficar sozinha.
— Impossível? Essa Giovanna vou te falar, viu? Qualquer dia morde a língua e morre envenenada. Quem disse ser impossível? Se era, devo te informar que o impossível acabou de acontecer.
Soraya olhou para o chão, Matt prosseguiu.
— Bem, eu não imaginei que teria de falar isso justamente hoje, nesse domingo um tanto inusitado, cheio de movimentações, com as emoções à flor da pele, mas o conquistador destrambelhado não me deixou outra saída...
— Você... você quer namorar comigo de verdade?
Soraya aconchegou-se nos ombros de Matt, sentindo o coração dele bater junto ao seu. Olhos nos olhos, cúmplices. Nada mais a dizer.
— Não, não se preocupe! — protestou Matt, alisando os cabelos castanhos de Soraya. — Eu não farei declarações esdrúxulas nem ferirei a Lei do Silêncio, tampouco perturbarei os vizinhos, ainda mais conhecendo a cidade do jeito que conheço...
— Que tal um brinde com café?
— Isso é um sim? — Matt beijou a testa de Soraya.
— Eu não sou muito boa em falar dos meus sentimentos, mas também estou... gostando muito de você, mas tanto que chega a doer o meu peito... — Soraya sabia que sim. — Está bem, está bem... Eu não imaginei que você estaria aqui hoje e que nós... quer dizer, que você também gostava de mim... — Ela cobriu as mãos com o rosto e Matt as descobriu: — Quer dizer, gosta... eu acho... Acho que foi desde que aquele dia em que você me surpreendeu pela manhã... Eu, toda despreparada, tomando café, não imaginava que seria tão rápido, que seria você...
— Se soubéssemos, talvez perdesse a graça.
— Às vezes acho que você veio de um sonho, Matt.
— E por quê?
— Porque não posso acreditar que você tenha derrubado todos os muros que construí em volta do meu coração para que ninguém mais entrasse nele!
Apitava a chaleira, sinal de que quando estavam juntos, de nada precisavam além deles mesmos. Um brinde de café ao mais novo casal.
— Não me disse que tinha um cachorrinho? — Matt afagava o filhote, sentado no sofá ao lado de Soraya.
— Encontrei-o hoje pela manhã aqui em casa...
— Ele tem nome?
— Não sei se poderei ficar com ele...
— Por que não?
— Porque... Bem...
— Ele gostou de você, que também gostou dele. Sendo assim, o que impede?
— Pensei que a verdadeira família esteja dando a falta dele. Não me sinto bem em pensar que uma criança pequena a essa hora pode estar ardendo em febre, com saudades do pobre bichinho. Sei como isso machuca porque, quando eu era pequena, tinha um cãozinho que amava muito. Um dia, o portão ficou aberto, ele fugiu e por mais que minha família tenha anunciado numa rádio que ele escapou e eu estava doente de saudade, pedindo para que quem o encontrasse nos devolvesse, isso nunca aconteceu, ninguém nunca o encontrou... Ou ele teve azar e morreu atropelado ou então quem o apanhou não quis devolver... Parece bobeira, mas chorei muito, não tinha o que meus pais fizessem pra me alegrar... Bem... eles adotaram outro cachorro, mas por mais legal que ele fosse, nunca substituiu aquele... Eu tinha quatro anos apenas, mas experimente contrariar uma menina teimosa...
— Ele me lembrou muito o Pluto, a você também não?
— Não havia analisado por esse ângulo, mas a verdade é que ele parece, sim, o Pluto.
— Que tal se ele se chamasse Pluto?
O cão atendeu pelo nome, abanando o rabinho, grato.
— Parece que ele gostou do nome. — Soraya sentou-se ao lado de Matt, oferecendo-o um cobertor.
— Vamos ver se ele gosta de música também... — Matt brincou, colocando o cachorro no colo de Soraya e levantando-se para ligar o rádio. Pluto era um menino muito comportado e adormeceu sem acordar nenhuma vez durante a noite. Para os recentes pais de primeira viagem, uma oportunidade para ficarem a sós.
A ternura transcendia o toque das mãos, a mútua troca de energias que compartilhavam o ressoar das risadas tomando conta daquele ambiente antes tão vazio, moribundo, aquela casa que voltava a ser o lar de dois corações apaixonados, pela tragédia domados. As carícias desmitificavam aquele inadequado pudor, mandando-o para os ares, para bem longe dos olhos amarelados que farejavam maldade onde havia amor. Subiam as escadas alternando beijos e provocações ardentes que auxiliavam o equilíbrio da respiração entrecortada por uma ansiedade inexplicável de se pertencerem, de se amarem naquela cama feito dois adultos. O olhar comunicava o desejo, o transbordar do cálice, facilitando uma comunicação além de dois corpos, mas de duas almas que se encontravam em profunda sintonia.
Dormiram abraçados, trocando muitos beijos, incendiando alívio. Um gemido fino e perseverante chamou a atenção de Soraya. Lambidas quentes a trouxeram de volta à realidade. Pluto queria atenção.
— Bom dia, Pluto. — Soraya olhou as horas. — Você é animado, menino. Com esse pique todo em plena manhã de segunda-feira? — Ela beijou o filhote com ternura. 
Matt entrou no quarto vestindo um roupão.
— Pluto me pediu para subir...
— Pluto pediu? — Soraya e Matt deram um selinho.
— Já coloquei a água pra fazer o café e preparei umas panquecas pra nós. — Matt olhou para Pluto. — Você ainda não pode, Pluto. Quem sabe quando crescer mais um pouco. — Ele alisou a cabecinha do cão, atencioso com Soraya. — Dormiu bem?
— Sim... E você?
— Presumo que em mais de sete anos eu não tinha uma noite tão agradável, minha querida. Juro que se pudesse fazer hoje ser domingo de novo só para podermos ficar na cama um pouco mais...
Matt desceu para terminar de passar o café e Soraya o acompanhou para cuidar das necessidades do pequeno e teimoso filhote. 

****

Giovanna costumava pular o muro para surpreender a amiga, mas tomou um belo susto ao se deparar com o casal se abraçando em frente ao fogão. Desistiu de visitar a “amiga” e voltou para casa antes do almoço, queixando-se para Isaura, com cara de poucos amigos e os olhos amarelados pela ira.
— Ah, mãe! Essa Soraya não vale nada!
— Eu não queria te magoar, minha filha, mas não vou com a cara dessa sujeita. O que ela fez agora?
— Nem sei como começar a contar... — Giovanna mal conseguia mastigar a comida em função da extrema raiva que a fazia maldizer Soraya até a última geração.
— Essas meninas estão perdidas... Essas meninas de hoje não valem o que comem... De Soraya nem preciso dizer... Onde é que já se viu sair na rua com aqueles shorts indecentes? Por isso mesmo é que está atraindo a todos os olhares... Mostra tudo, que está a fim de qualquer coisa e homem tem a carne fraca, minha filha... Bobeou e ele cai em cima...
— Eu não acreditaria se não tivesse visto, mas... — Giovanna urrou. Seu ego estava recebendo uma forte ferroada. — Matt... Matt e Soraya estão juntos...
— Matt não procuraria uma mulher no lixo, ainda mais sabendo que você tem uma quedinha por ele.
— Ele revirou a lata de lixo, mãe. Eu não acreditaria se não tivesse o visto de roupão. De roupão. — Giovanna derramava lágrimas de inveja.
— Um homem de respeito entrando na casa de uma mulher solteira? Isso é o fim dos tempos!
— Não só entrando como se sentindo bem a vontade.
— Isso é inadmissível, minha filha. Você viu tudo com seus próprios olhos?
— Se não visse, poderia até duvidar, mas o pior foi encontrar Matt de roupão na cozinha e ela toda atrevida o enchendo de beijos, amassos, logo de manhã. Antônio move céus e terra por ela, agora até Matt enfeitiçado... O que essa vaca tanto tem que eu não tenho?
— Pobre do Antônio. Já contou a ele?
— Logo ele vai saber e eu não quero nem pensar em como ele reagirá... Pobrezinho, está tão apaixonado por ela... Não entendo por que todos só falam dela... Mal ela passa e todos ficam olhando como se nunca tivesse visto uma mulher na vida...
— Ela é fácil, Giovanna. Essa é a única explicação. Homem se contenta com qualquer porcaria, não dá valor para o que de bom tem no mercado, são como cães de rua, gostam de revirar no lixo... Matt só quer se divertir com essa aí, não levará a sério... Você sabe que tem mulher pra transar e mulher pra casar. Sendo a Soraya a primeira opção, quando ele se enjoar, vai atrás de você. Escreva o que estou te dizendo! É só sexo... Ele está carente, ela está se oferecendo...

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