Traduzido pelo brilho dos meus olhos - Capítulo 34 - Papito, querido!

 

Giovanna reagiu satisfatoriamente ao tratamento porque tinha uma imunidade bastante boa, que lhe proporcionaria uma recuperação surpreendente, embora o médico responsável não sinalizasse grandes esperanças. Houve cortes mais superficiais e esses, com o tempo e alguma maquiagem, ficariam imperceptíveis, enquanto outros exigiriam mais cuidado.
Ela recebeu alta do hospital uma semana após dar entrada com os cortes, porém recusou visitas. Nem Pedro estar atrás das grades era o suficiente para acalmá-la. Humilhada, decidiu nunca mais ir à aula e excluiu todas as redes sociais que mantinha. Passava o dia trancada no quarto, incomunicável, desejando ao ex-namorado uma morte lenta e dolorosa para sentir de outra maneira por todos os ferimentos que arruinaram o rosto dela.
Elis assombrou-se com os boatos inventados pelos moradores e tentou, amigavelmente, visitar a ex-amiga, contudo, foi barrada por Isaura. 
— Veio aqui zombar da dor da minha filha? — reclamou Isaura, expulsando Elis da propriedade. 
— Vim visitá-la, prestar solidariedade. 
— Veio debochar da minha menina. 
— Vim ver se ela não quer conversar um pouco, desabafar… 
— Nem ouse dar um passo adiante! Não aceito uma mãe solteira colocando os pés imundos na minha residência honrada. — Isaura empurrou Elis para longe do portão e fechou-o às pressas, hostilizando a nora. 
— A senhora, apoiando ou não, o pai do meu filho é o Léo. 
— Ele é de qualquer um aí, menos do meu filho.
— Sempre me dirigi à senhora com educação, mas não aceito ser caluniada.
— Essa coisa aí pode muito bem ser filha daquele cara lá da internet. Já deixo muito claro que você não tirará um centavo da minha família.
— Não vim pedir nenhum favor. — Bom mesmo que não veio, porque não te darei nada. 
— Vim para visitar Giovanna, mas acabo de compreender uma máxima muito importante: quem semeia ventos, colhe tempestades. 
— Vagabunda. — rosnou Isaura, levantando a mão para esbofetear Elis. Não o fez. Descontraiu, não por benevolência. 
— Quer saber? Não estou com dó dela. Presumo que ela já foi castigada o bastante e espero que desse modo vocês aprendam a parar de comentar a vida alheia e caçoar das dores que não sentem. Nem a senhora, nem as suas filhas aprendem com as tragédias. Vocês pioram. Felizmente, meu filho tem mãe, tias, avós e padrinhos. Enquanto eu estiver aqui, não quero suas esmolas. 
— Só acredito que essa coisa que você carrega aí é do meu Léo com DNA provando. — gesticulou a fofoqueira, em tom de fúria. 
— Eu só aceito esse bastardo com o documento provando que ele é meu neto. Caso contrário, nem insista.
— Se liga, mulher. Tenho família, não preciso da sua esmola. Além disso, querida Isaura, você está desprezando o único neto que terá.
Elis mandou um beijinho na direção de Isaura e saiu em retirada.

****
— Isso é verdade ou mais uma lenda urbana? — quis saber Soraya, ao telefone.
— Mais verdade, impossível. — confirmou Elis.
— E ele?
— Ele está na cadeia.
Com as denúncias de Soraya, Janaína, Giovanna e mais duas outras jovens lesadas pelos golpes de Pedro, seria bem difícil articular na defesa. Nenhum advogado interessou-se em defender o plagiador e os colegas de cela não promoveram o que se chamaria de recepção calorosa.
Nada mais justo que ser a “mulherzinha” da cadeia, logo ele que detestava que o chamassem no diminutivo, logo para ele, que odiava se sentir menosprezado diante de uma mulher.

***
Música: 2000 miles - The Pretenders.

Sábado à noite, véspera de Natal. Uma noite bem gelada, diga-se de passagem. Já era verão, amanhecia com Sol e chovia no final da tarde, tradicionalmente. Chovia um pouco, o que contribuiu fortemente para a temperatura despencar.
Matt não viajou para os Estados Unidos a rever os parentes que lá deixou. Pensou seriamente em procurar Soraya na capital, nem que fosse para cumprimentá-la e depois ir, ou preparar-se para não ser recebido. Considerando a última discussão, o cenário era desolador, embora todas as noites pensasse nos beijos dela, no quanto fazia falta tê-la bem ao lado, com a cabeça descansando no travesseiro, sorrindo como se estivesse sonhando com algo que lhe invadia o coração com uma paz esplêndida, quase infantil.
Enviou um cartão de Natal pelo correio, na expectativa de que a amada lesse e soubesse que, ao contrário de Pedro, sabia respeitar a última palavra dela. Doía acreditar que era o fim, mas renovava a conexão com a fé para amparar alguém que dele precisava tanto quanto ela.
Bernardo, no entanto, estava ali. Um menino que passaria o primeiro de muitos Natais sem o colo da mãe, e à medida que os anos avançassem, ela seria somente uma lembrança esquecida. Preparou uma ceia que abasteceria uma família composta por dez pessoas.
Não havendo nenhum parente tão próximo, o veterinário teria de dar conta daquela quantidade enorme de comida, considerando que o filho não levaria a boca não mais do que aguentasse. Um telefonema interrompeu o jantar. Era uma senhora desesperada: seu marido estava hospitalizado e o labrador de estimação, na ausência dela, engoliu um sabugo de milho e não evacuava havia mais de um dia.
— A senhora teria condições de trazer o cão até o meu consultório? — Matt serviu suco de abacaxi na jarra para Bernardo beber. O menino adorava.
— Eu não sei dirigir, doutor Matt. — choramingou a mulher do outro lado da linha. — Eu… Meu marido…
— Tudo bem, onde a senhora está agora?
— Estou em casa. — respondeu ela, entre soluços.
Sem ter ninguém para tomar conta de Bernardo, Matt ajeitou o garotinho no banco do passageiro acomodando-o conforme as leis de trânsito e seguiu de carro por algumas ruas para localizar o endereço fornecido pela proprietária do labrador guloso. Na maioria das casas as luzes estavam acesas e carros estacionados indicavam que todos estavam confraternizando normalmente, ou de princípio suposto.
— Pai… — uma voz interrompeu os pensamentos de Matt.
— Fala, Bernardo. — Matt dirigia com cautela. Para distrair o menininho, Matt ligou o rádio, que sem locutor nenhum no ar, programou horas e mais horas com canções natalinas.
— Se a gente não estiver em casa, o Papai Noel vem do mesmo jeito?
— Claro que vem, querido.
— Mesmo se eu estiver acordado?
— Bem, nesse caso, não sei o que dizer, mas você é um bom menino, com certeza o Papai Noel vai te visitar.
— Ah, paizinho! Eu queria ver como o Papai Noel chega! — lamentou Bernardo, emocionando Matt.
— O Papai Noel gosta de trabalhar escondidinho e as renas o obedecem porque sabem que ele fica vermelhinho quando encontra alguma criança.
— Onde será que ele está agora? Falta muito para ele chegar aqui?
— Se eu não me engano, ele foi à praia se refrescar um pouco.
— De noite, pai?
— É... Ele tomou um suco para renovar as forças porque hoje ele só parou para fazer xixi. Dar conta do mundo todo não é assim tão fácil.
Matt ria daquela inocência tão contagiante de Bernardo.
Não foi nada difícil reconhecer o labrador preto adoentado. Matt já o havia atendido em outras ocasiões, sendo ele que sugeriu a castração do animal conhecido pelo temperamento agitado, cheio de energia, que deixou os donos com os cabelos em pé por conta das travessuras. Engoliu pilhas do controle remoto, rasgou faturas em mil pedacinhos, destruiu sapatos, chinelos e fissurado por água como a grande maioria dos cães dessa raça, colocava as patas na vasilha de água e fazia a maior bagunça. Era um cão fiel aos donos, sociável e muito amável. Vê-lo letárgico e prostrado comovia Matt. Nem os carinhos de Bernardo reanimavam o paciente Papito.
— Se a senhora permitir, quero levá-lo para o consultório a fim de que o Papito se submeta a uma série de exames. Se ele não expelir esse alimento que está obstruindo o intestino dele, teremos de optar por uma cirurgia.
— Uma cirurgia? Mas hoje? — O pavor estava impresso no rosto daquela mulher, cujo cãozinho naquela fase da sua vida era seu melhor amigo.
— Tudo vai depender do Papito, mas, em todo caso, quero examiná-lo no meu consultório.
— Hoje?
— O caso do Papito é sério. Quanto antes houver intervenção, mais chances de salvá-lo.
— Tenho muito de perder o Papito.
— Se agirmos quanto antes para salvá-lo, muito certamente, ele receberá o novo ano como se nada tivesse acontecido. Pelo menos, é uma perspectiva otimista diante deste quadro.
— Se for o melhor para o Papito, será o melhor para mim. — Ela olhava angustiada para o melhor amigo.
Matt e a tutora desesperada acomodaram o labrador de quarenta e cinco quilos no banco traseiro do carro. Bernardo ficou acarinhando a cabeça do animal e não percebeu os pouco mais de vinte quilômetros até o consultório em que o pai atendia com mais dois amigos desde que o seu pegou fogo há quase dez anos.
Papito foi submetido a um raio-x, que mostrou um sabugo de milho alojado no estômago dele. O cão foi colocado para ingerir soro para evitar uma desidratação que colocasse sua frágil vida em risco. O diagnóstico dependia crucialmente daquela noite de Natal, e da resistência do labrador.
— Há algo que eu possa fazer pelo Papito? — perguntou Juliana, com os braços cruzados.
— Não, Ju. Agora só nos resta esperar as próximas 12 horas para ver como o Papito evoluirá.
Matt convidou Janaína para cear. As sobras foram separadas para a refeição seguinte e também cedidas aos tutores que passaram a véspera de Natal na clínica, a exemplo da própria Juliana, cujo esposo sofrera um acidente automobilístico e se recuperava lentamente na casa dos pais.

****

Papito passou a noite entre idas e vindas na gaiola onde foi alojado para não se esforçar. Lá havia uma grade que o impedia de fugir e um cobertor azul-claro estendido para que se aquecesse e adormecesse. Matt prometeu telefonar para Juliana para informá-la sobre o boletim médico do cachorro.
Ótimas notícias: o sabugo de milho foi expelido e a hipótese de cirurgia foi descartada. Aquele, com toda a certeza, foi o melhor presente de Natal de Juliana em muitos anos.
— Papito, Papito, meu amor, meu bebê, meu amiguinho. — Juliana era recebida pelas lambidas gentis de Papito, que pulava nela para avisar-lhe que estava de volta.
Matt, com Bernardo no colo, observava àquela cena, a felicidade do animal manifestada com simplicidade e também encanto.
Juliana voltou-se para Matt, com os olhos molhados pelas lágrimas.
— Matt, podemos acertar a forma de pagamento?
— Pagamento? — indagou ele, confuso.
— Consultas custam caro e nesse momento eu não tenho dinheiro, apesar de ser fim de ano, você sabe…
— Não quero que pague. — respondeu ele, sincero.
— E por que não? Esse é o seu trabalho. — retrucou Juliana, espantada.
— Ver o Papito de volta já foi minha recompensa. Eu só fiz o que deveria ser feito. Esse é o meu trabalho e hoje é Natal! Eu quis atender o Papito porque senti no meu coração que ele precisa de você, e você dele, logo, não quero cobrar, especialmente se você está enfrentando uma dificuldade financeira, amiga. Desejo melhoras ao seu marido e também que o próximo ano lhes seja mais agradável, com muitas travessuras do Papito.
— Isso você pode apostar. — brincou Juliana, vendo Papito trazer orgulhosamente uma bola de futebol e desfilar perto de todos, para chamar a atenção.
Matt e Juliana se despediram.
— Pai…
— Fala, Bernardo. Tudo bem? — Matt beijou a testa do menino.
— Quando eu crescer, posso ser igual a você? — Bernardo olhou no fundo dos olhos do pai e viu uma lágrima cair.
— Pai, “cê” tá chorando? — Bernardo alisava o rosto cansado de Matt com a mãozinha pequenina e macia. — Tá chorando, paizinho?
— De alegria. — Matt ainda não saberia expressar seus sentimentos com simples palavras.
Era mais do que alegria, presentes debaixo de uma árvore artificial enfeitada com todos aqueles objetos que no Dia de Reis iam para em uma caixa aberta novamente só no fim do ano.
Era mais do que registrar a criança com o sobrenome dele.
Era viver por e para ele.
Era entender por que as mães vibravam quando o bebê chutava na barriga delas, porque diziam que amar um filho era como ter uma parte do seu coração batendo em outro corpinho.
Era amor.
— Também se chora de alegria?
— Quem tem você por perto, sim.
Matt abraçou o melhor presente que a vida poderia ter lhe dado. Bernardo.

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