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Não entendo o que passa na mente de uma pessoa que escolhe ser professora e não se esforça o mínimo para demonstrar algum indício de humanidade. |
23 de abril de 2002
Agora que Andréa e Rogério não se desgrudam, tenho conversado muito com a Priscila porque ela é das minhas, ama escrever e fazer novas amizades, sem contar que mesmo não passando todos os intervalos grudadas, somos boas amigas.
No comecinho do ano estranhei um detalhe: o Dico e a Júlia já a conheciam. A explicação é simples: Pri era a única amiga da Deh no primário e saiu do colégio na quinta série, cursando todo o ginásio numa instituição religiosa — a família dela é protestante —, porém não gostava de lá. As pessoas eram maldosas, rolava muita fofoca, mentira, falsidade e, assim como eu, lutou pacas para passar no teste.
“Passei raspando, mas passei…”, brinca ela.
Pri não gosta de ser filha do meio porque a culpa de tudo que acontece sempre cai nela, além de não ser a preferida de nenhum dos pais. O irmão mais velho até já é casado; o mais novo está com cinco anos. Só agora ela tem o próprio quarto e ainda quer chamar as meninas para pousar lá “qualquer dia desses”. Ama navegar na internet, ouvir música e praticar esportes. Percebo que a Paloma já assumiu o posto de melhor amiga, no entanto, Priscila é aquela pessoa que, quando chega a algum lugar, traz consigo a alegria também.
Ficha técnica da Pri
Priscila e Rodrigo adoram as aulas de Educação Física, jogam bola até suar em bicas, enquanto Deh e eu quase morremos de exaustão dando algumas voltinhas ao redor da cancha. Nas aulas da Carmem, rusgas e divergências são deixadas de lado porque o ódio do sargentão de saias supera tudo.
Por falar no diabo, nessa semana teremos apresentação de trabalhos para a turma toda. Júlia, Dico, Deh, Pri e eu formamos o grupo que falará por duas aulas sobre a Alta Idade Média. Deve ser por esse motivo que tenho dormido tão mal na última semana. O capiroto de saias detonou a galera que apresentou na semana passada e a Cristina saiu da sala chorando. Não entendo o que passa na mente de uma pessoa que escolhe ser professora e não se esforça o mínimo para demonstrar algum indício de humanidade.
Estou com a mão esquerda num estado lastimável porque fiquei responsável pela parte escrita e tem que ser em papel almaço, seguindo as normas da ABNT e fugir dos garranchos. Hoje combinamos de almoçar juntos e treinar nossa apresentação, posto que a velha coroca fareja as fragilidades de cada um para esfregar a cara no fim da aula.
Estávamos ensaiando num cantinho tranquilo do colégio quando a desgraçada apareceu para fazer um escarcéu e reclamar, ameaçando dar zero para todos nós se não gostasse do nosso trabalho. Fomos à casa do Dico acertar os últimos detalhes da apresentação, mas depois da pausa para o lanche, começou a bagunça. No sentido literal.
Quando a D. Arlete abriu a porta e deparou com aquela desordem, nem esperou as visitas irem embora, resolveu começar o sermão. Também pudera, viu pacotes de bolacha recheada e salgadinhos no chão, farelo por tudo quanto é canto, almofadas fora do lugar, a cozinha cheia de louça para lavar…
“Por acaso foi assim que você encontrou a casa?”, ralhou Arlete, dando uns safanões no filho. “Se sujou, tem de limpar, pois eu trabalhei o dia inteiro, estou extremamente cansada e ainda tenho que preparar aulas.”
“Eu também estou cansado, pô.”
“Cansado do quê se eu faço tudo nessa casa?”, retrucou a mãe coruja. “Preciso molhar a sua mão para você lavar o carro, levar o lixo; se não te dou uns cascudos, você não acorda de manhã cedo, mas preguiça de aprontar você não tem, né, senhor Rodrigo?”
“Poxa, manhê. Precisa sair contando meus podres na frente das gatinhas?”, lamentou o garoto.
“Não me sacrifico há 16 anos para criar um vagabundo, preguiçoso, sem educação, sem valores. A casa não é só minha, senhor Rodrigo, é sua também, portanto, as tarefas devem ser divididas. Não posso criar um filho que amanhã ou depois não saberá se virar sozinho.”
D. Arlete se propôs a nos dar carona, mas Rodrigo não pôde nos acompanhar porque ficou de limpar a casa nesse ínterim. No percurso, ela nos deu alguns conselhos úteis para suportar as aulas da Carmem e tirar essa apresentação de letra.
“O que ela tem de doce, tem de braba.”, contou Andréa. “A gente já se acostumou com os sermões, mas sabe que ela ama o Rodrigo do jeito que ele é.”
Biologia não é minha matéria preferida, mas a D. Arlete é tão fofa e explica tudo de uma forma tão didática que na primeira prova dela tirei 9,6 porque errei uma pergunta de verdadeiro ou falso. Às vezes o pessoal abusa da paciência dela, que dá uns gritos e sermões para impor respeito.
Aqui estão os pontos a serem acertados na apresentação:
- Andréa: falar um pouquinho mais alto e só consultar a colinha para checar a ordem dos tópicos
- Dico: evitar as gírias “cara”, “mano”, “tá ligado”, “meu” e palavrões.
- Júlia: administrar bem o tempo para não falar demais, embora ela saiba o que está falando.
- Pri: segurar o riso (ela sempre ri quando precisa ler em voz alta na sala e apresentar trabalho lá na frente do quadro).
- Eu: demonstrar segurança sobre o que estou falando e evitar olhar para o sargentão de saias para não ter o famoso “branco”.
Que Deus nos ajude a enfrentar essa pedreira amanhã e, se possível, interceda para essa professora se aposentar.
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