Deslocamento — Um diário de viagem, uma HQ autobiográfica de Lucy Kinsley, narra uma viagem feita pela autora e pelos avós dela em um cruzeiro no Caribe. As ilustrações são um espetáculo à parte, tanto quanto a oportunidade de acompanhar trechos do diário do avô de Lucy, que foi piloto na Segunda Guerra Mundial.
Casados há mais de seis décadas, os avós de Lucy apresentam problemas relacionados com a idade avançada. No entanto, a avó manifesta os sinais mais clássicos de Alzheimer, sobretudo quando esquece algum objeto e acredita que alguém roubou dela, dentre tantos outros indícios, enquanto o avô possui dificuldade para se locomover e acessos de asma. Uma viagem daquele porte poderia ser perigosa para o casal e, portanto, sem a oportunidade de reembolso, Lucy decide acompanhá-los nessa jornada.
Observei algumas resenhas rasas sobre a obra e não concordo com nenhuma delas. Se Lucy fosse, de fato, uma pessoa “egoísta” e “egocêntrica”, teria deixado os avós à própria sorte para aproveitar o cruzeiro de outras formas, só se preocuparia consigo mesma e talvez até nem teria se comprometido com nada.
Ao decorrer da leitura, Lucy convida o leitor a conhecer um pouquinho mais sobre o passado dela, tempo esse onde os avós ainda eram ativos e eles compartilhavam um amor em comum: a leitura. Ela sempre foi mais próxima deles e, claro, com o passar do tempo, reparou na acentuação do processo de degradação deles, o que é muito doloroso para um filho ou mesmo para um neto.
Não desprezem os cuidadores
Durante mais de semana, Lucy, como neta, viu-se também na condição de cuidadora. É preciso ter sensibilidade para compreender que naquela situação do cruzeiro, ela dava o melhor de si para proporcionar uma experiência boa para os seus avós. Um dilema comum aos cuidadores é a sensação de que poderia ter feito mais — e é justamente esse o pensamento comum de alguém que ama —, muito bem ilustrado no livro.
Mesmo amando as pessoas, há momentos em que dá vontade de gritar, chorar, correr para as colinas, quem cuida de um familiar com Alzheimer tem plena consciência disso. Contudo, a partir do ponto em que compreendemos que a situação só irá piorar, decidimos aproveitar cada dia, cada momento de proximidade e fazer o que está ao nosso alcance. Mesmo que a pessoa já não se lembre de nós, o tempo e o afeto dedicados podem nos ajudar a compreender que a impermanência é a maior das certezas e que, enquanto não chega a nossa hora de partir, tudo que se pode fazer é simplesmente… viver.
Para membros de uma família que assumem a responsabilidade por um parente sofrem um “luto” porque quando os papéis se invertem, sobrevém a culpa, a insegurança, o medo, a solidão, a ansiedade corrosiva.
“Será que eu estou dando o meu melhor?”; “E se ele parar de respirar no meio da noite?”, “E se acontecer alguma coisa comigo, o que será dele?”
Foram sentimentos como esses acima que me acompanharam durante toda a leitura e digo mais: se você tem horror a idosos, não tem paciência com uma pessoa doente e não quer se comprometer, lembre-se que você também irá envelhecer e não será nada legal estar à própria sorte em um mundo que simplesmente invisibiliza e exclui os mais velhos. Mas nada, nada, nada no mundo é capaz de pagar os sorrisos dos avós, pois tudo transcorreu bem.
Esse encontro da Lucy com eles abriu a mente dela de tal forma que o valioso conteúdo transformou-se em um livro, ou seja, ela sempre poderá se recordar dessa viagem e da oportunidade de passar um tempo de qualidade com eles antes do inadiável adeus. Muitos de nós vivemos na correria do cotidiano e não reparamos que nossos pais e avós estão envelhecendo, priorizamos muitas tarefas e só nos damos conta de que as pessoas não são eternas quando geralmente já é tarde demais.
Além disso, a lição mais importante dessa HQ é: VALORIZE o tempo ao lado da sua família, ouça as historinhas mesmo que elas sejam repetidas, demonstre o seu amor, apesar de para algumas pessoas ser difícil dizer “eu te amo”.
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