Atenção, leitores. É uma crônica que escrevi ontem à noite. Não é um gênero que eu domine, pois nunca me aventurei nele, mas sempre que minhas feridas se abrem, lembro-me da cultura machista em que tudo é culpa da mulher e penso em tantas de nós que sofremos abusos e somos ameaçadas, discriminadas, ridicularizadas, diminuídas perante nossos agressores que sempre saem por cima da carne seca e tempos depois ainda conseguem nos despertar medo.
Não quero que as pessoas pensem que essa crônica em especial fala de mim porque ela aborda na verdade o sofrimento de outras mulheres, representados por essa narradora. Combinado que vocês vão ler sem ficar de machismo e mimimi aqui na página porque vou defender a vítima, protegê-la.
Vocês se recordam que na época do Caso Eloá teve gente que chegou ao extremo de comemorar a morte dela e chamá-la de vagabunda, mas você pensou que no lugar da Eloá podia ter sido uma irmã sua, uma filha? O que ela fez ou deixou de fazer não é da conta de ninguém. Eu lamento por ela. Por ela, pela Mércia Nakashima, por outras mulheres cujos crimes não tiveram tanta repercussão midiática. Lamento pelas mulheres que por medo de serem assassinadas pelos seus companheiros, se escondem, não denunciam, procuram resolver o problema com alguma desculpa a qual elas sabem que não é real.
Não importa se o abuso é físico ou emocional. É abuso. Não é amor. Quando agride sua integridade, não é amor.
Deixa de ser carinho quando há perseguição, quando há medo e não admiração. Deixa de ser saudável quando você abandona seus amigos, parentes e vive de acordo com o humor instável dele. Deixa de ser brincadeira quando a ofensa rebaixa o seu valor, quando sua honra é machucada. Para quem te agride verbalmente, basta um passo para ser físico.
Você acha que merece apanhar e ser xingada, maltratada?
Querida leitora, eu não acho. Não sei quem você é, mas eu não quero te ver sofrer. Não quero ver hematomas pelo seu corpo, nem no seu rostinho. Não quero te ver quebrando o chip do celular para que ele pare de te mandar mensagens. Eu não quero que você confunda manipulação com amor. Esse jogo mental não é o que você merece.
Aquela mensagem mudou a minha vida.
Inicialmente, ganhou um fôlego a mais.
Aquele atencioso confidente em cuja presença eu ignorava o passar do tempo.
Era um sonho. E um sonho inteiramente meu. Nosso. Tanto quanto pode caber amor em uma cama. Tão conectados que dois se faziam um.
Esses dias se arrastaram porque clamei por ilusão aos céus. Os primeiros pingos do temporal abriram meus tontos olhos.
Você gritou comigo e eu tive que me desculpar. Você me disse que te deixei nervoso. Anteontem você justificou o fato de ter apertado meus braços com força.
Você está roubando (roubou) minha individualidade e me constrangeu diante dos meus amigos.
Por que não se diverte com os seus?
Você grita cada vez mais alto. Eu não suporto mais as brigas. Estou me desgastando, meu potencial no trabalho se reduziu, eu não tenho vontade de ver ninguém.
Que encanto?
Ele já está desfeito, só você não percebeu.
Estou na casa da minha irmã. Já é tarde da noite e você telefona aos prantos. Eu não quero negociar. Deixe-me em paz. Você grita, ameaçar se matar, incute uma pressão tão grande que ao final da ligação eu me sinto a pior criatura do mundo.
Sou tão egoísta que só escuto o ressoar da minha própria voz e ignoro a sua.
Para os seus braços voltei. Talvez seja necessário o afastamento, o resgate daquela alegria do começo, mas de lá para cá eu mudei.
Sua vaidade atrapalha. Tudo por você, mas e por mim?
Na última briga você desferiu um tapa no meu rosto. Foi imperdoável. Sua pesada mão feriu minha dignidade.
O que ainda me prende ao seu lado? O quê? O que ainda estou esperando que você faça comigo?
Na manhã seguinte, você chorou, e mais uma vez eu me desculpei, procurei dentro de mim algum motivo para te perdoar e controlar minhas atitudes.
As pessoas comentam que estou diferente. Meus amigos, parentes.
Eu perdi o gosto por mim mesma. Eu me transformei no que você quis, refém da liberdade vigiada, medindo as palavras, remoendo o remorso, absolvida pela culpa, alucinada pela redenção que a oração não me concedeu.
Você me agrediu de novo. E de novo. Eu sangrei. Pela honra em que cuspi quando abri mão das minhas convicções e me revelei a você. Por inteiro. Dei-te tudo o que pude, o melhor de mim e você, em troca, o pior.
O monstro de voz mansa que me prendeu por deter o controle da situação. Aquele que com poucas palavras me contradiz, me desmoraliza, me atira na lama.
Eu te tolero por medo. Eu faço ódio com você, e não amor. Causa-se me repulsa seu corpo pesando sobre o meu. Sinto náusea ao te beijar. Sua saliva é o veneno que concretiza o terror.
As promessas escorreram junto às lágrimas.
Não há saída. Não há lugar onde eu possa me esconder sem ser por você encontrada porque a dor vai ser enterrada comigo. Até o último dia da minha vida eu vou me odiar por ter respondido àquela mensagem.
Leitores e leitoras, espero que tenham gostado da minha tentativa (frustrada) de escrever uma crônica sobre uma mulher abusada física e emocionalmente do parceiro. Um tema recorrente na nossa sociedade, ainda bastante tabu, permeado por terror e preconceito. Só digo às vítimas que a culpa não é delas. Porque não é e nunca será.
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