Simplesmente Tita — 3ª Temporada — 2º Capítulo



3ª Temporada - 2º Capítulo 

Encontrei-me com meus amigos na porta do shopping por volta das 14:30 e a sessão seguinte teria início às 15:45. Era uma tarde ensolarada de domingo. O céu estava límpido e o calor um convite para descer até o litoral e tomar um banho de mar. Para quem não podia, outra opção era a piscina. Nem uma coisa, nem outra. O cinema era a minha praia naquela tarde. Fazia um bom tempo que eu não ia. A última vez em que assisti a um longa-metragem antes de o mesmo ir para o televisão, eu tinha 8 anos. 

Nice conseguiu mais uma semana de férias e se propôs a tomar conta de nós, tendo um difícil trabalho de convencer Meire a aceitar que nada de errado aconteceria conosco. Seguimos até a bilheteria comprar nossos ingressos. A fila estava dando voltas. Maria Clara, irritada, dava muxoxos e escandalizava.

-Eu não quero assistir a esses bichinhos feios. Vamos ver outro filme.
-Nós viemos ver Pokémon. Se não quiser, não veja. - Adolfo não teve medo de enfrentar Clarinha. - Ninguém te convidou, então cala a boca.
-Esse filme deve ser muito chato, poxa... - Clarinha trotava para estragar o clima de risadas e brincadeiras.
-Então vai embora, guria. Não enche o saco! - Miriam repreendeu Maria Clara. 
-Não tem nada que você queira assistir, Clarinha? - Aline era a representante da paz.
-Sei lá. Eu não gosto dessas coisas de criança.
-Mas tem outros filmes em cartaz. Você não precisa grudar na gente, não precisa gostar de algo só porque os outros gostam. Se você não gosta do Pokémon, tem o Castelo Rá Tim Bum, por exemplo. - apontou para a fila - Tem um monte de gente que está na fila... 
-Nem pensar. Coisa de criança.
-Ou tem outra opção: cai fora. - retruquei.
-Me trata mal e eu conto tudo à tia Meire. Não quer que ela te bata, quer?
-Você é que está criando problemas aqui, guria. - Miriam se intrometeu na discussão. - Não vem perturbar a paz não. Se quiser, vá fazer outra coisa. Você não é nenhuma rainha e ninguém vai te obedecer não.
-Pois é, mas se vocês me tratarem mal, a Tita não sai mais.
-Procura algo que goste ou dê uma chance a algum dos filmes. Julgar sem conhecer é sempre ruim. - Aline evitaria de todas as formas que uma briga mais séria ocorresse.
-Aqui não tem nada que me interesse. - Clarinha provocou a fúria de todos. - Vim pensando que ia me divertir, mas errei. Tudo muito chato... Vim de boba...
-Veio porque é uma intrometida e ficou se convidando. Você nem estuda com a gente, não nos conhece e fica aí julgando, irritando. Eu não te pedi pra vir, pedi? Eu não pedi! - a raiva foi tão grande que tornou-se quase impossível contê-la. Eu detestava ser indelicada, porém aquela garota fazendo caras e bocas estava tirando a todos do sério.
-Sabe qual é o seu problema, Clarinha? Não são os programas que são chatos, e sim você, sabe por quê? Porque você é uma azeda que não gosta de nada. - Adolfo implicou com Clarinha mais uma vez.
-É a primeira vez que estou indo ao cinema na vida e tenho que ver um filme romântico.
-Então escolhe um, mas se liga nessa ideia: não é só porque você quer ver filme romântico que os outros sejam obrigados a ver. - finalizei a discussão.

Nice deu uma olhadinha nos filmes que estavam em cartaz e negociou com Clarinha para ela assistir à outra produção enquanto nós acompanhávamos o fenômeno Pokémon, o qual na época valeu cada minuto de espera na fila. Compramos um balde de pipocas, um pouco de chocolate e refrigerante. Rimos bastante, brincamos e enquanto agachava-me para apanhar o anel que caíra no piso, Clarinha o reconheceu.

-Que anel é esse, Tita?
-É um anel. - escondi-o, preocupada.
-Quem te deu esse anel?
-Veio num chiclete.
-Você não gosta de chiclete.
-E não gosto mesmo!
-Anda, Tita. Me conta. Foi algum menino que te deu esse anel?
-Não interessa! - marchei em direção à porta do shopping, sem vontade de dar continuidade à conversa.
-Pensei que fôssemos amigas.
-Eu também pensava, mas...
-Lembra que a vó Olívia falou que não é bom guardar rancor. - o cinismo de Clarinha ia contra o bom senso.
-Eu não guardo rancor, mas também não tenho amnésia.
-Está namorando e nem me contou.
-Já disse que não te interessa.
-Já disse que não conto à tia Meire. - cruzou os dedos indicador e médios e os beijou. - Juro por tudo que é mais sagrado que o que você me contar fica só entre a gente.
-Eu não estou namorando e esse anel eu ganhei.
-Ganhou de quem?
-Não interessa!

Clarinha tentou me interrogar para arrancar alguma informação, mas não conseguiu nada porque simplesmente desconversei. 

Depois daquela conversa esclarecedora com Aline e professora Naná, antes do meu aniversário, foi como se eu estivesse dentro de um poço escuro e avistasse um feixe de luz que me fez ganhar forças para subir. Eu estava, de fato, em terra firme novamente. Escrevia sempre que podia e viajava para longínquos locais do mundo vistos pelos olhos de uma garota de 12 anos. Sentia-me grata por ter uma boa saúde, um teto confortável para morar, por ter uma família, embora com problemas. Agradecia por ter Aline e Adolfo e lembrar que estava matriculada em uma escola na qual retornaria em fevereiro. Talvez não era o ambiente estudantil perfeito, digno de filmes americanos, mas era lá que eu deveria estar.

-Sabe de uma coisa, Tita?
-O que é? - resmunguei porque mal via a hora de apagar a luz e viajar para o mundo dos sonhos.
-O dia foi legal.
-Fico feliz que tenha gostado.
-Seria legal se a gente saísse mais vezes.
-Depende da mãe deixar.
-Eu falo com a velha.
-Mais respeito com a minha mãe, Clarinha. Ela tem nome, sabia?
-Ah, que seja. - deu um muxoxo, desmerecendo minha repreensão. - Enfim... Sabe aquele garoto que estava conosco? - Clarinha, de baby doll, sentou-se na cama. Eu estava dormindo no chão.
-Sei sim. O Adolfo. O que tem ele? - meu tom de voz explicitava a impaciência. 
-Ai Tita, você não me disse que aquele menino tão bonito era seu amigo. 
-Sim, ele é meu amigo.
-Ah Tita, pra você eu posso falar, né? Menina, que gato! Ele é muito gato! Eu pensei que seus amigos eram esquisitos, sem graça. Quer dizer, você e a menina são, mas ele se salva... Ele ficou me olhando de um jeito que eu só posso dizer: ele está apaixonado por mim!
-ISSO NUNCA!
-QUÊ?
-Não chega perto do Adolfo, por favor.
-E por que não? 
-Com o Adolfo, não.
-Ora, por que não? O gatinho ficou me olhando, poxa.
-Não ficou não.
-Ficou com inveja, é? Sai fora. O gatinho já é meu. Eu vi primeiro.

Eu sabia o que esperar de Clarinha, culpava-me por pensar e julgava estar enlouquecendo, imaginando coisas que só existiriam na minha cabeça. Todavia, à medida que convivia com minha prima, as certezas se reforçavam. Ela era minha pior inimiga.

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