Simplesmente Tita — 2ª Temporada — 32º Capítulo (ÚLTIMO CAPÍTULO DA 2ª TEMPORADA)



32º Capítulo 

Os aprovados iam à aula para fazer bagunça e curtir a presença dos amigos. Cássia estava com a corda no pescoço, em recuperação para quase todas as disciplinas. Era a razão que a fazia aproximar-se de mim com a voz afinada, cheia das gentilezas, oferecendo balas, lanches, agradando. Estava escrito na testa dela que as rivalidades deveriam ficar de lado por alguns dias, para que garantisse uma vaga na 7ª série. Reprovar de ano não caía nada bem a quem gostava tanto de prosear vantagens nas rodinhas de conversa as quais sempre tratava de roubar a cena, ser o principal assunto. 

-Ai Tita, todo mundo sabe que você é a maior CDF. Eu não sou tão inteligente que nem você é.
-Não estuda e fica indo mal nas provas.
-A matéria está muito difícil. Anda, vai, dá uma ajudinha.
-Você mal fala comigo durante o ano, vive tirando sarro e agora vem me procurar?
-Vim te procurar em missão de paz.
-Veio pra pedir cola. - Adolfo acusou a abelha-rainha.
-Bom... Sim... E com a garantia de que não vou mais encher nenhum de vocês no ano que vem.
-Você fala isso todo ano.
-Mas dessa vez é diferente. Estou falando em nome da galera. Passa cola na prova da Naná e acabam as provocações.
-Ficou maluca? Se a Naná flagrar alguém colando, dá zero pros dois e manda pra sala da Norma. - retruquei, amedrontada.
-A Naná é cão que ladra e não morde.

Passar cola na prova da Naná era o mesmo que atravessar a rua quando o sinal ficava verde para os motoristas. Perigo iminente. Todavia, se a grande megera estivesse falando a verdade (e eu jurava que sim), ajudá-la era a evidência de que eu não guardava nenhum tipo de rancor e pregava a paz. Aline fraquejou, imaginando que aquela situação não terminaria bem. Não bastasse Cássia pedindo cola, Erick também se aproximou. Metade da sala, para ser mais precisa. 

-Daqui a pouco você vai ter que cobrar pelas respostas, Tita. - Adolfo brincou. Ele daria as respostas da prova de matemática. - Porque eu pretendo fazer isso...
-Só espero que ninguém saia encrencado.
-Que ninguém seja tão burro de dar na vista.

Na prova de matemática tudo transcorreu sem maiores problemas. Cada um copiava apenas o que precisava para passar de ano ou fugir da recuperação final. O conselho de classe não costumava ser garantia de nada. Naná era vista como carrasca porque raramente aprovava alguém. No entanto, Erick deve ter perdido completamente a noção da professora que tinha, aquela que passava de fileira a fileira, observando atentamente a cada carteira. O abestalhado foi pego um flagrante com a folhinha de fichário por entre as coxas.

-Além de baderneiro é um trapaceiro. 

Todos voltaram os olhos para o grande desastrado.

-Ainda por cima, colando. - Naná apanhou a folha de papel. - Alguém deve ter lhe dado cola.

Naquele momento, ninguém diria nem sob tortura que fora eu a pessoinha que deu cola a todos, para selar a paz de que tanto necessitava.

-Alguém lhe deu cola, senhor Erick do Carmo.

Risadinhas coletivas repreendidas imediatamente.

-Eu quero uma explicação para o que encontrei. - analisou as respostas com atenção. - Se você revelar de quem pegou cola, todos os seus colegas vão tirar zero nessa prova.

Houve murmúrios e indignação. 

-É zero pra todo mundo.
-Não vale, professora. Eu estudei muito pra essa prova e mereço um 10. - Cássia dissimulava com tanta perfeição porque desse modo ninguém desconfiava que a folhinha escrita por mim havia passado pelas mãos dela. Meu coração batia na altura da boca.
-Silêncio na classe. Silêncio. - Naná voltava a interrogar o grande sem noção da turma. - Eu sei que essa letra é de uma menina, senhor Erick. Eu sei que não é sua. Você pediu cola de alguém.
-Juro que essa letra é minha, professora. - Erick gaguejava.
-Eu conheço sua letra, Erick. Conheço cada um dessa classe como a palma da minha mão.

Naná marchou até o quadro-negro e o silêncio dentro de classe era tão profundo que os passos marcados no chão de taco eram o único som a se propagar no ambiente. 

-Se Erick não se pronunciar, ninguém sai da sala.
-Mas professora, é o último tempo. - Cássia manifestou-se.
-Que seja! Enquanto seu colega não disser de quem colou, ninguém sai.

Minutos e mais minutos passaram-se sem que ninguém desse um respiro mais alto. Naná, próxima à sua carteira, persistia calada aguardando que Erick se pronunciasse, o que não aconteceu. Cansada do complô, ameaçou.

-Se vocês não falarem até o meio-dia, talvez com a Norma o discurso seja outro.

Norma foi chamada por Naná. Acontecesse o que acontecesse, todos estavam prontos para renovar os votos de silêncio. O sinal iria tocar a qualquer momento e não era vantajoso prender os jovens por uma questão que poderia ser resolvida outro dia. 

-Soube que nessa classe estão colando.

Cola? Quem estava colando?

-Que coisa mais feia. Que comportamento mais selvagem, deplorável e imperdoável... Colar é desonesto. Quem cola não merece passar de ano, mas pior que colar é passar cola, é ser colaborador da corrupção, ferir a moral e os bons costumes... Porque no meu tempo...

Eu estava pronta para assumir a minha conivência no caso quando Aline colocou-se de pé ao lado da própria carteira e balbuciou.

-Fui eu, diretora.
-Pois não? - Naná fitou Aline com certa desconfiança.
-Foi de mim que o Erick colou, diretora. Fui eu que passei cola pra ele.
-Claro que não foi. - Adolfo levantou-se. - Eu passei cola pro Erick. Ele está com a corda no pescoço.
-Metade dessa sala está com a corda no pescoço. - Norma interrompeu Adolfo. - Vocês são a pior turma dessa escola, os mais baderneiros, os que mais têm reclamação dos professores e não é só na aula da Filomena. Em todas, todas as disciplinas, todos os professores têm queixa de vocês por excesso de bagunça, mau comportamento... - apontou para Aline, Adolfo e Erick - Vocês vêm comigo... - ergueu um pouco a voz - Teremos uma conversa bem séria lá no meu gabinete...

Acertou quem sugeriu que os outros colegas ficaram curiosos para saber o que iria acontecer dentro da sala de Norma. Todos nos aglomeramos pelas imediações, ansiosos. Aproximadamente 10 minutos depois, Aline foi a primeira a sair com um semblante sereno. Adolfo e Erick saíram em seguida. Ficou decidido que seria feita outra prova, mas no sábado. Logicamente, quem por um triz não foi expulso, suspirava aliviado com a ordem de Norma, louvando aos céus pela (não merecida) segunda chance. Por outro lado, desagradou-se todo aquele que estudou por semanas e teria de acordar cedo em pleno sábado para fazer o restante dos testes. Meninos numa sala, meninas em outra. E não se falava mais sobre o assunto.

Para garantir o sucesso do exame, Naná iria fiscalizar a turma feminina e Norma, pessoalmente, a ala masculina. Todos seriam separados por três carteiras de distância, seguramente, para não haver modos de bilhetinhos serem passados de mão em mão. Outros métodos foram pensados e testados. Cabia aos interessados comportarem-se de acordo com quem necessitava passar longe da reprovação.

As notas finais seriam divulgadas em edital no final da outra semana, já em dezembro, último dia letivo para aqueles que foram aprovados. 

-Nós vamos estudar juntos até o 3º ano.
-Eu não queria ficar aqui até o 3º. Pretendo sair antes. – dizia eu, sonhadora como sempre.
-Se você sair, nós saímos juntos. – Aline rabiscava corações na borda das folhas do meu caderno.
-Quero ir pra esse colégio onde vocês foram felizes.
-Vocês nem imaginam o que aconteceu...
-Coisa ruim, Aline? – coloquei as mãos no coração me preparando para o pior.
-A filha do Vando e da Daniela nasceu na semana passada.

Eu havia completado 12 anos havia exatamente duas semanas e a filha dos meus dois professores queridos nascera no mesmo dia.

-Qual é o nome dela?
-Tita!
-Tita de algum nome em especial? – Adolfo perguntou – Porque a Tita é Renata, né?
-Tita de Tita mesmo. – respondeu Aline.

Chorei de alegria. Nunca imaginei que a Prof.ª Daniela ainda se lembrava de mim e me considerava a ponto de colocar em sua filha meu nome.

-A Tita tem moral. – brincou Adolfo – Acho que nenhuma professora colocaria o nome do seu filho de Adolfo, a menos que quisesse que ele fosse uma desgraça como eu.
-Para, Adolfo. Você não é uma desgraça.
-Queria ter tido aula com essa Prof.ª Daniela. A Naná faz qualquer um odiar análise sintática. Só de pensar em sujeito, predicado e objeto direto, tenho calafrios.
-Não é tão chato assim.

Sabíamos que tudo estava bem quando Cássia soltou um forte berro ao saber que escapou da recuperação final. 

-UHU! UHU!

Comemoramos as boas médias com esguichos. Era febre entre a criançada. Quem não gostava muito da molhadeira era Tia Terezinha que se punha a reclamar e era esguichada. 

-Tomem mais cuidado. 

Levava mais um espirro de água de alguém que saía correndo.

-Eu vou contar tudo à Norma e ela vai confiscar essas arminhas.

Para quem iniciou o ano sem perspectivas de nem mesmo ter com quem andar, terminar com uma melhor amiga e o namorado pré-adolescente mais fofo do mundo era lucro.

FIM DA 2ª TEMPORADA

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