Tentar me decifrar de maneira
linear é embarcar numa viagem sem volta. Sou feita de retornos, de retalhos, de
remorsos, de desejos insaciáveis, de perguntas sem respostas. Sou como a lua,
marcada por fases e elas são as responsáveis por nortearem o meu viver, estou
sempre a buscar inspiração naquela garotinha cheia de esperança que um dia fui
para conseguir suportar a realidade que hoje não possui mais cores vivas e sim
tonalidades pálidas, quase apagadas nas muralhas que cercam meu coração.
Dificilmente alguém será capaz de
compreender que sinto a necessidade de me recolher por vezes porque
preciso me entender com o meu coração. Presumo não haver um lugar onde possa
me encaixar neste exato instante, é como se uma borracha gigante atrás de mim
apagasse todas as minhas alegrias, meus rastros e me aprisionasse diante desse
precipício cinzento.
A depressão diz “sim” e
a vida diz “não”.
Altos e baixos. Muitos.
Incontáveis. Sonhos onde sonho que estou sonhando que a realidade tem cores e
esse sorriso sorri de verdade, não é apenas um conveniente disfarce para a
ruína interior porque da mesma maneira que pessoas especiais partem meu coração
indo embora da minha vida, outras me destroçam ou me destroçaram sem se
importarem em como me deixariam e crescer é isso, tentar lidar com as coisas
sem ter a quem recorrer, sem poder confiar em ninguém, porque me parece pouco
provável que alguém conseguiria entender o que me motiva a escrever agora.
Estou prestes a ingressar numa
nova década da minha vida em poucos meses e não estou preparada para lidar com
ela porque, sinto desapontar a todos, mas não cumpri nada daquilo que a
sociedade julgou que eu deveria ser e fazer quando atingisse essa idade.
Não sei não chorar quando sou
obrigada a dizer adeus a alguém de quem gostava muito, ou mesmo engolir as
lágrimas por muito tempo, meus olhos me traem, o queixo treme, os dentes
rangem, um calor muito conhecido sobe o rosto e esquenta toda a minha alma. É o
calor da dor. Por isso não repare se meu olhar estiver perdido no horizonte,
estou apenas tentando me encontrar, me refazer, ressignificar vários pontos que
estou questionando.
Ainda espero sentir de volta
aquela paz que tanto me faz falta. Trocaria toda a década dos 20 e poucos anos
para reviver aquela época que apenas quem viveu poderia entender quão marcante
ela foi, engoliria sem pestanejar aquela pílula vermelha para voltar aos meus
nove anos com aquela sabedoria que a vida me trouxe e aproveitar o gosto
daquele pirulito de banana com chocolate que não existe mais, as simplicidades
de uma infância que embora tenha sido simples nem por isso foi infeliz, as
músicas maravilhosas que mesmo já não sejam mais sucessos pararam no tempo (ao
contrário de mim), aqueles tempos em que as pessoas eram mais reais e não saíam
brigando com os outros devido à política, onde havia mais respeito e
tolerância, onde criança gostava de ser criança, porque até hoje cerro os olhos
e rememoro os momentos agradáveis no playground do prédio onde minha falecida
avó paterna morava, aquele frio na barriga amor nenhum nesse mundo nunca me
despertou.
O que não faria para reviver aquele tempo bom onde não sabia o
que era ter o coração partido, amar alguém que nunca poderá me amar da mesma
forma, em que me sentava à mesa para comer sem me preocupar com as calorias dos
pratos porque o prazer proporcionado era mais que a angústia em não me adequar
aos padrões de beleza e ideais de corpos perfeitos porque eu não me sentia
menor que as outras por não estar nos conformes, eu gostava de ser quem era,
algumas pessoas não, mas eu gostava, e gostava muito.
Se revivesse os anos mais
doces da minha vida, mão sei se evitar
meus erros consertaria alguns furos grotescos na minha história, capítulos que
eu jamais gostaria de reler. Em algumas noites insones, quando busco
reconstruir o que sobrou, me ponho a devanear como teria sido se tivesse
escolhido o caminho A em vez do B, como teria sido melhor não dizer certas
palavras amargas das quais me arrependi assim que terminei de pronunciá-las,
cedido a pressões alheias, penso em como gostaria de ter dito a algumas pessoas
que elas eram especiais para mim, que me importava mais do que poderia
demonstrar, que hoje pensar nelas assim tão longe de mim é algo que acaba
comigo.
É por essa razão que afirmo que
meu coração não é mais meu. Pedacinhos dele estão em posse de cada pessoa que
amo e algumas delas estão bem longe dos meus olhos, nem sequer fazem ideia do
tesouro que possuem, presumo também (ainda que possa estar equivocada) que
muitas tenham essa mesma dificuldade de demonstrar os sentimentos e eu não as
repreenderia por isso porque não é fácil dizer “eu te amo”, não por
birra, por medo de soar piegas, e sim porque às vezes o sentimento de bem-querer é tão grande que se houvesse algo maior do que o amor, eu não hesitaria
em dizer em voz alta.
Respiro saudade, se é o que você
quer saber. De aromas inesquecíveis, de sorrisos que nunca mais verei, de vozes
que eu reconheceria a muitos quilômetros de distância, de algumas tardes de
primavera às quais até a minha tristeza era contente.
Para a minha infelicidade, a tal
pílula vermelha que me faria ter dez anos de novo com a sabedoria que tenho
hoje (ainda que com ressalvas) é utopia e minha memória tenta manter viva essa
parte de mim que talvez seja tudo que me resta de bom.
Algumas pessoas entraram na minha
história sem me avisarem e não importa o tempo nem o pretexto pelos quais
tenham permanecido, fizeram uma enorme diferença porque não considero os minutos contabilizados num relógio imaginário que guia dias e
noites, mas as sensações que nem sempre são descritas, momentos que muito
possivelmente são gravados na memória e em nenhum lugar mais.
Então, quando uma pessoa vai
embora da minha vida, com ou sem adeus, meu coração não sabe fazer outra coisa
senão doer, doer para valer. O preço por amar é um só: que cada pedacinho dele
siga adiante com quem deixou de fazer parte da minha rotina, mas não das minhas
memórias.
E tudo o que tenho em mãos são
elas, as memórias. Apenas elas e mais nada. Memórias que se
projetam nas paredes mais profundas da alma e escorrem pelos olhos em forma de
saudade. Sonhos que morreram sem sequer terem espaço para se transformarem em
realidade. Sonhos pelos quais não lutei por acreditar que teria todo o tempo do
mundo. Sonhos, talvez, imaturos para a ocasião. Sonhos que ainda me pertencem,
por mais que eu não saiba o que fazer com eles…
Então, quando tiver a
oportunidade de olhar fundo nos olhos de alguém, não desvie, permita que esse
alguém te veja como você é, segure nas mãos desse alguém e transforme esses
instantes em boas lembranças. Ria, chore, compartilhe o que há de melhor em você,
deixe que o seu coração seja invadido pelo amor, não desperdice essa chance. Se
você não souber o que dizer, ofereça um abraço. Abrace de modo que a outra
parte possa sentir que seu gesto é verdadeiro.
Pode ser que daqui a dez anos
você ainda sinta todo o poder desse abraço e tenha a capacidade mental de
reconstruir cada segundo vivido num dia que nunca poderia ser comum, pois a
partir do momento em que passamos a existir dentro do coração de alguém, por
mais que queiramos, nada voltará a ser como antes, a transformação decorre nos
detalhes, enquanto você e eu somos cativados por (ou estamos cativando) alguém.
Eu não estaria escrevendo esse
texto sem expor emoção nele ao pensar que minha vida não faria o menor sentido
se algumas pessoas não tivessem entrado nela. Então, aceito sem resignação a
dor, pois ao menos ela significa que algum dia, em algum momento no espaço, eu
me senti próxima do infinito porque pude sentir o Amor.
Amor de amigo. Amor de irmã. Amor
de filha. Amor de fã. Amor de quem nada pede em troca. Amor por Amor. Apenas
Amor. Porque nada faz sentido na vida enquanto não se ama verdadeiramente.
Antes de desnudar o corpo, o Amor toca com suavidade as almas. Em tantas
vertentes, o Amor sempre faz com que mostremos o nosso melhor. Qualquer coisa que
mostre o nosso pior lado jamais poderá ser considerada Amor.
Conforta-me, nesse mar de
lágrimas, pensar que o Amor é infinito, que nada nem ninguém terá poder para
apagar do coração o amor que faz com que ele bata com entusiasmo e foco. Então,
as pessoas que foram embora estão longe dos meus olhos, não do coração.
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