Engoli a verdade mesmo estando com a razão


Nomeei o silêncio como meu porta-voz. Por tanto tempo permaneci presa a uma espiral de pensamentos intrusivos, sem oferecer resistência, entregue ao marasmo dos desistentes. Se colocasse um ponto final e retornasse aos meus afazeres, estaria de bom grado—não fosse por um sonho adormecido entre os escombros.

Histórias pela metade, outras sem final e dezenas sequer tocadas pelo famoso bloqueio criativo. A alma lesionada deveria ser combustível para retomar a arte, mas, para isso, era necessário pausar. Reconsiderar valores, desfazer-me das correntes que ainda me prendiam aos fantasmas de um passado mal resolvido e doloroso. Outros sofrimentos virão, disso não duvido, mas o tempo de chorar por páginas já escritas acabou.

Por melhores que sejam os conselhos, ninguém jamais terá acesso ao meu íntimo. Terceirizar decisões seria um ato de covardia, de imaturidade. Acertando ou não, tenho o álibi da tentativa. Por algum tempo, manter-me calada foi prudente; havia, e ainda há, quem se regozije com as minhas tempestades, como se minha existência representasse uma grande “ameaça.”

Toda trajetória tem seus altos e baixos. Não afirmo que só me arrependo do que não fiz, pois cometi ações que não repetiria. Errei, aprendi, e espero ter absorvido as lições que a vida quis ensinar-me. Se há comparação a ser feita, que seja entre quem fui e quem sou, de forma saudável. Meu objetivo nunca foi afastar aqueles que batalham para progredir.

As cartas daquele nefasto jogo estavam marcadas. Descaradamente expostas sobre a mesa, não me surpreendi com o resultado da rodada. Um fato concreto confirmou o que a intuição sempre soube: nossa amizade era uma farsa. Sua aproximação carregava intenções infelizes.

O modo como escolheu agir expôs mais sobre sua fragilidade de caráter do que sobre qualquer defeito meu. Suas ofensas de baixo nível, às quais não revidei, cumpriram um papel claro: mostrar-me o tipo de pessoa que jamais devo ser.

A baixa autoestima e a incapacidade de encontrar alegria no sucesso alheio alimentam o monstro do despeito. Acusar-me pelo que não fiz foi conveniente, permitindo-lhe escapar de suas próprias responsabilidades, abandonando, sem perceber, a dignidade.

Por tanto tempo, o silêncio foi meu abrigo. Mas agora, enquanto trato da alma lesionada, reflito: seria justo renunciar a todas as conquistas porque as armas de uma pessoa digna de piedade me feriram? Apesar do frio na barriga, é hora de voltar ao campo de batalha. Com a cabeça erguida, mesmo que lágrimas acumulem-se nas pupilas e dificultem enxergar a um palmo de distância. Assim como a garotinha que fui agradece por cuidar dela, a mulher que ainda vou me tornar me felicita pelo mesmo motivo.

Injustos julgamentos ferem o brio. Sei bem que o preço de desistir é alto demais. Estas palavras, nascidas de pensamentos noturnos, soam subversivas. Mas permanecer acuada, como se eu fosse culpada, é dar a vitória a quem não merece. Isso, repito, não é justo.

Hoje, apresento ao respeitável público um manifesto adiado pela necessidade, assinando ao final o compromisso de honrar minhas raízes e jamais permitir que ataques vilipendiosos me desviem dos meus sonhos. Endureço minha couraça, mas mantenho-me de pé. E está tudo bem se em alguns momentos eu não souber ser forte. Ser humana me basta.


- engoli a verdade mesmo estando com a razão 

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