Bifurcação

 

Uma estrada inóspita ao anoitecer (Reprodução/Arquivo pessoal)

Tínhamos poucas convicções firmes naqueles tempos, mas éramos jovens, afinal de contas. Desejávamos viver para sempre; o mesmo dia, um breve instante, que a noite sempre fosse aquela criança alegre, imaginativa e repleta de energia para colorir todos os muros do mundo com esperança. Inevitavelmente, às vezes agíamos com tanta imaturidade por motivos tão banais, reclamávamos de problemas que, hoje percebo, não eram tão grandes quanto acreditávamos. Insatisfeitos e obcecados pelo que não tínhamos, deixamos passar oportunidades e pessoas que não voltam mais, esperamos tanto o futuro e hoje voltamos nossos olhares para o passado, na busca incessante por remontar nossos pedacinhos quebrados pelo passar dos anos. Discreta, porém possível, havia o que se conhece por “licença poética” para determinados instintos e impulsividades que afloravam em nossos âmagos. Os rumos do próximo capítulo dependiam dos caminhos que buscávamos rumo à realização. Tínhamos doses elevadas de confiança, empolgação e pressa, não tardaria para que o resto do mundo reconhecesse o brilhantismo de nossas aspirações, nossas ideias revolucionárias, nosso incomparável talento. Então, tropeçamos nas primeiras pedras no meio do caminho e as arremessamos para longe, pouco adiantava porque alguns passos depois, distraídos, caímos em um buraco. Dali por diante, a estrada mostrou seus perigos, desafios e feiuras. O cansaço não tardou a vir, a desesperança descobriu as brechas do sistema e conquistou-nos com um abraço fraterno e caloroso, listando mil e um motivos pelos quais aquela era uma luta perdida. Eloquente e persuasiva, insuflou a debandada de alguns de nós, que já não dispúnhamos de energia e motivos para seguir em frente. Fomos nos perdendo não somente uns dos outros, mas de nós mesmos também. Somos meras sombras de nossos sonhos e corações partidos, farrapos de histórias sem finais, estagnados em um ponto existencial em que as perspectivas futuras assombram, este instante é guiado por um barco à deriva num mar revolto e traiçoeiro e não resta alternativa senão remar para sobreviver, ainda que sem um propósito claro e definido.


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