Ser escritora...

 


Curitiba, 22 de maio de 2017.

Recentemente fui inquirida por um amigo sobre o que significava ser escritora para a minha pessoa...

Vi-me diante de um desafio e o fôlego tomou-me as palavras. Qualquer que fosse a resposta, dá-lo-ia o direito de conhece-la.

Crente de que já me fiz essa mesma pergunta centena de milhares de vezes quando a sedutora desistência sussurrou sua tentadora proposta, muito mais interessante do que a insistência em me fazer notar num nicho extremamente competitivo e permeado pelas tantas futilidades.

O que significa ser escritora?

Eu sou, de fato, uma?

Isentando as convicções sobre a distorção de valores e todas as minhas ressalvas pessoais a respeito de um assunto tão polêmico e meramente subjetivo, dediquei um tempo considerável daquele domingo a refletir, afinal de contas, para uma mesma pergunta podem haver diversas interpretações e aquela seria a minha.

Contestações?

Nunca fiz a menor questão de ser unânime, mas fui vaidosa em colocar a fama num pedestal e persegui-la sem foco.

Qual é o papel que a escrita representa na minha vida?

Tudo é pouco.

Se houvesse espaço e uma digna oportunidade que não deixasse o texto maçante, seria pertinente narrar a minha própria história até chegar ao ponto culminante da questão, todavia me limitei a refletir sobre o que me leva (até hoje) a lutar pelo que se tornou um sonho.

O meu sonho.

Uma porção de coisas, meus caros, uma lista que beira ao infinito. Um pouco de vaidade também. O idealismo estúpido daquela adolescente que queria mudar o mundo e hoje só espera viver em paz. Vontade de ter a alma lida por corações sensíveis e hábeis a acreditarem nas minhas aventuras nada convencionais.

O antigo duelo entre amor e ódio.

Escrever por amor é olhar para aquele texto que escrevi e elegê-lo sem modéstia o mais incrível de todos os tempos, contudo, horas depois relê-lo com um olhar mais crítico e reconhecer que poderia ter ousado mais, que alguns trechos mereciam um desenvolvimento mais maduro, que aquela ideia pode ser inconveniente, que não fui muito clara. Tratar os personagens como amigos e às vezes levar isso tão a sério que os olhos se enchem de lágrimas por não saber me despedir deles.

Escrever por amor é reconhecer as imperfeições sem pudores porque somente alguém consciente de que o aprimoramento do dom requer muita prática compreenderá que a acomodação é uma armadilha feroz para quem deseja sair do lugar-comum e obter algum êxito no intento de traduzir as tantas vontades da mente em alguns parágrafos sucintos.

Ser escritora me soa pretensioso, determinação que incute uma responsabilidade muito além da diversão. Porque a partir do momento que minhas palavras saíram do total anonimato das folhas de fichário, transformei-me em mulher e é difícil reconhece-la na figura que aparece na sua linha do tempo se em sua mente já houver uma “opinião” formada sobre mim. Na verdade, eu não deveria me preocupar tanto com os pré-conceitos, eles são algemas e eu tenho asas, sei colocar os pés no chão, mas não pretendo me instalar mais em nenhum recanto onde minha presença não seja bem-vinda.

Escrever é uma extensão de meu ser, a carta de alforria de uma alma ainda aprisionada a determinadas convenções, a resposta a um mundo que me exclui e me ignora, me impõe padrões e tenta de todo modo me decretar incapaz de encontrar o meu lugar, então os meus rabiscos são as penas fortalecidas da minha asa quebrada, escrevo para que as feridas se tornem cicatrizes e me preparem para voar.

Meu corpo físico é uma condição permanente e seu destino é perecer, mas o legado que deixo para a posteridade é a minha coragem em romper com os padrões, a mesma que me condena e também inspira porque vivo entre os extremos em busca daquele utópico equilíbrio do que é sensato ou insano.

Ser escritora é uma delícia e uma dor, uma mistura bem maluca dos dois, um sonho do qual não pretendo abrir mão porque o ato de escrever me converteu em leitora e me fez ter mais vontade de melhorar o mundo, a técnica, apurar o olhar sobre ele.

Escrever me tornou mais sensível ao dom da vida porque em cada coração que bate há uma história por trás que corre em paralelo com a minha, com o mundo, mesmo que todos sejam personagens de si mesmos para terem alguma menção honrosa no espetáculo maior.

Às vezes questiono-me se a realidade não passa de um delírio determinado pela tão excêntrica e imprevisível ficção. Através das palavras percorro o objetivo de saciar minha sede por uma explicação qualquer que me incite a investigar mais e mais.

Escrever me fez enxergar janelas onde jamais sonhei que houvessem paredes. É um processo vivido em tempo real, aprender, reaprender, corrigir, pensar, repensar...

Para muitos, escrever numa certa plataforma para ficar famosinho é a última moda. Publicar livro sobre qualquer merda lucrativa para o mercado editorial é regra, mesmo que haja muitas capas bonitas para tão pouco conteúdo.

Ser escritora é ter um livro de sucesso, seguir no ofício por amor, embriagar-se de café e solidão ou como a própria questão do ser ou não ser, uma retórica subjetiva?

E para você, o que é ser escritor?


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