Traduzido pelo brilho dos meus olhos - Capítulo 25 - Alô...


“No brilho dos seus olhos tive o presságio de um futuro bom, que ignorei por não merecer, porque eu não me julguei boa o bastante para receber esse amor tão bonito que você me deu, quando você viu na apatia dos meus olhos aquela menina esperançosa que eu era, com tantos sonhos, tantas ambições, tanta força. Você viu no calor das minhas lágrimas que considero cada uma das suas palavras e não te omitiria um segredo, mas parti seu coração não sabendo amar, portando-me com certa rispidez, mantendo-me quão distante pudesse. Era a minha defesa. Meu coração está machucado, meus pensamentos bagunçados, e eu ainda quero que você fique, quero que seus olhos desnudem os meus e sua boca cole com a minha e me diga (mesmo sendo mentira) que tudo haverá de ficar bem. Se eu pudesse remexer nos manuscritos do destino, sem pretensão para tal, digo que suas asas me seguraram e não haverá um só dia em que eu não tenha orgulho de ser sua, porque deliberadamente almejo, para você, que é meu verso e canta a música do meu coração até quando não quero escutá-la.”



Aquela casa era grande demais sem Soraya. Matt estava de volta com Pluto. Não por inteiro. Cortou a grama, regou as plantas, preparou um café e não acertou o ponto, contentou-se com algumas torradas no jantar, tinha algo para contar e ela não estava lá. Pensou em ligar, lembrou-se de que não anotou o número do telefone de Carmélia na agenda do celular. Ligou a televisão para acompanhar alguma atração, buscando no controle remoto, nada lhe chamou a atenção. Desligou. 
Procurou no acervo algum disco que o ajudasse a relaxar, mas a memória de Soraya estava presente em cada faixa, naquela que em especial era um convite para que dançassem ali naquele espaço, sintonizados pela doçura aconchegante dos dedos finos e macios dela tocando com prazer as costas dele, enquanto os passos contados os levavam para bem longe dali. Definitivamente, era difícil ver o lugar dela vazio, abraçar o travesseiro e não sentir uma lágrima amarga cair com o perfume do creme de pentear que ela usava. Ele não tinha dúvidas do quanto queria ficar com ela.
Ele amanheceu cansado, embora tenha dormido. Preparou o café sem muitas cerimônias, olhando pela janela o nevoeiro encobrir a serra e todas aquelas casinhas de telhado vermelho. Os galos cantavam para que todos recebessem o sol, as crianças caminhavam até a escola e o cheiro de comida fresca despertava mais que aqueles teimosos ritualistas em seus galinheiros, cientes de que seu canto controlava os passos de todo o mundo, mas já era noite em outra parte. Para Matt seria se Soraya nunca mais voltasse.
Naquela tarde uma cadela de rua foi espancada por um grupo de adolescentes e Matt foi informado sobre o caso algumas horas depois. Condoído pela situação precária em que o bichinho indefeso estava, tirou dinheiro do próprio bolso para levá-la à clínica veterinária na outra cidade. Não deram muitas esperanças de salvá-la, mas ele arcou com as despesas, jurando que se encontrasse os marginais que cometeram essa atrocidade, iria denunciá-los. As informações, porém, eram desencontradas e nessas horas as fofoqueiras nunca estravam na janela, as mesmas que faziam o sinal da cruz ao ver um gato preto na rua, associando a figura dele ao tal do azar. Em meses os quais havia sexta-feira 13, Matt escondia gatinhos em casa para evitar que os mesmos falecessem por envenenamento.
Em seu juramento de formatura prometeu batalhar pelo bem-estar das espécies as quais estudou durantes os cinco longos anos na universidade, emprestar seus serviços para um bem muito maior que o egocentrismo, o título de doutor. Ao ver a cadelinha preta com os pelos crespos, embolados, que também encobriam a extrema desnutrição, fazia um minuto de silêncio pela humanidade. Não estava ao seu alcance salvar todos os animais do planeta, embora quisesse muito que chegasse o dia em que houvesse respeito a toda criação de Deus.
Sentado na área de casa acompanhava os jovens casais que saíam para namorar, como também fingia ser indiferente aos olhares penetrantes das fofoqueiras sentadas em frente às casas com o cobertor enrolado nas costas e enquanto bebiam o chimarrão, comentavam. Pareciam corujas vigiando o ninho alheio. Ele mil vezes preferiria que alguma serenata de Antônio roubasse a cena, mas havia semanas que o conquistador estava vidrado por Veridiana, para quem as declarações se sucediam a sós. Os ouvidos da população agradeciam.
A solidão petrificou seu coração uma vez. Condicionado a hábitos bastante reclusivos, viu suas certezas irem para os ares após visitar sua nova inquilina. Disseram-lhe era uma jovem bonita e enigmática, ele pagou para ver. E foi só. Soraya migrou além de um rosto agradável e um corpo com curvas sensuais. Ela era uma menina que usava salto alto, tão mulher quando queria. Desde então não havia uma noite em que não pensasse naqueles olhos castanhos até dormir e quando a teve ao seu lado, os sonhos eram o passaporte para o paraíso.
O telefone tocou. Era Frederico, o veterinário com quem estudou Anatomia. Más notícias: a cadelinha não resistiu aos ferimentos e veio a óbito.
— Fizemos tudo que pudemos, mas o pobre bichinho não aguentou até a cirurgia. Lamento, meu amigo. — lamentou Frederico ao telefone.
— É a parte triste da profissão: não podemos brincar de Deus. Não importa que eu tenha cinquenta anos de profissão, quando eu vir um animal falecer, sentir-me-ei impotente.
— Você fez tudo que podia, Matt. Não se culpe. Será melhor para a cadelinha, por mais doloroso que seja. Ela não teria uma qualidade de vida digna.
Uma lágrima correu de seus olhos, tratou de afugentá-la quanto antes. A imagem daquela cadela maltratada não sairia de suas lembranças tão cedo. Uma vela foi acesa no altar onde descansavam os santos por quem a mãe era devota. Em memória a ela e também a todos os animais de rua que estavam a mercê do destino, longe da vista de algum anjo, de alguma mão acolhedora e desinteressada. Não reprimiu as emoções quando o telefone tocou outra vez e após alguns segundos ouviu o gemido de Pluto e os soluços dela.
— Matt, não te acordei?
— Soraya, é você?
— Eu não estou conseguindo dormir.
— Eu também não. Está tudo bem?
— Estou… Estou com muita saudade. — Matt podia ouvir bem baixinho que ela estava ouvindo música e falando com dificuldade em função da crise de choro.
— Eu também…
— Liguei pra dizer que te amo.
— Eu também te amo, Soraya.
— Amo você, Matt.
— Então não chora mais assim, querida.
— Como se você não estivesse chorando por aí.
— Vou continuar chorando se souber que você está tristonha.
— Estou bem, meu amor. Só queria dizer que não consigo dormir porque estou pensando em você, no quanto você me faz falta.
— Você sabe que também me faz muita falta.
— Não me diga que você resgatou algum bichinho e ele faleceu, foi?
A intuição precavida de Soraya já era um alento na dor.
— Você sabe que dói o meu coração saber que você está sofrendo.
Matt sentia os pelos do antebraço eriçarem ao visualizar Soraya banhada em tristeza no quarto, pensando nas vezes que em ela deve ter chorado sozinha.
— Eu te quero por perto, querido. Do jeito que te quis, não quererei mais ninguém. Se for extremo, que seja! Passageiro sei que não é. Eu te amo de verdade, tanto quanto eu suspeitava, negava, suprimia pensando que não te mereço, que o seu amor não era para mim… Sei que muitos dirão que nossa diferença de idade é prejudicial porque somos de gerações diferentes, que você está numa fase e eu estou em outra. No entanto, nunca fui baladeira, nunca curti pegar um e outro por aí e não está errado quem o faça, porém, não é a solução para mim. Sempre gostei de músicas antigas, priorizei maturidade em vez de elogios, tipo “Você é mulher pra namorar”, “Princesa não fica, só namora”, “Mulher de respeito se comporta assim, se veste assado…”. São apenas conceitos, não cabem a todos, não são regras, são exceções cumpridas sem serem questionadas a fundo para averiguar o real sentido dessas imposições arcaicas, leigas. Pensei em te dizer tanta coisa, depois me repreendi. Sempre sinto medo de mim mesma, quando sou sincera, acho que isso se deve ao fato de pensar que o que sinto e digo não basta.
— Claro que basta. Continue, desabafe… Quero te ouvir…
— Eu deveria estar dormindo, considero que seja um pouco tarde, mas procuro o sono e ele não vem. Movi meu corpo até o telefone pensando se ligaria ou não. Meu orgulho venceu ontem, perdeu hoje. Não me imagino mais dormindo sozinha aqui nesse frio, cujas noites são longas e sua presença me abraça inconscientemente… É inconcebível a ideia de planejar, ter tanto o que contar, mas não te ter numa distância razoavelmente próxima. Não sei se suportaria recomeçar tudo sem você, o que você interpretará como fraqueza é meu medo: te perder. Não estou acostumada com esse sentimento, nunca pensei que algum dia eu teria coragem de falar abertamente sobre amor com você, nunca pensei que você seria uma personificação do amor pra mim… A cada minuto desses dias todos a minha certeza se fortaleceu dentro do meu peito… Sem oportunidade pra olhar bem, no fundo dos seus olhos… Eu não aguento mais parecer essa geleira com você. Tão fria, impassível, calada.
— Compreendo seu calvário, querida.
— Só que ficar longe de você não está sendo fácil.
— Você vai entender que nesse momento é o melhor pra você. Não que seja da minha vontade não te ter mais aqui, porém não quero que Pedro a machuque, que Giovanna a coloque para baixo. Elis sente a sua falta. A verdade é que ficar aqui sem você é impossível.
— Será que algum dia vamos poder ficar juntos de novo?
— Vamos… Vamos, sim… você vai ver… Eu te prometo que isso passará, como te digo que o pior já passou.
— Promete-me uma coisa, meu amor?
— O que você quiser. Diga-me.
— Promete que não vai perder a cabeça? Promete que suporta só mais um pouquinho?
— É difícil. — Soraya assoava o nariz com um lenço branco de pano. Os olhos ardiam, o coração estava apertado. Abraçava a seu travesseiro e os soluços não cediam.
— Não vou ficar em paz sabendo que você está tão triste.
— Nunca imaginei que um coração partido doesse tanto assim.
— Não vai ser por tanto tempo, querida.

****
Matt acalmou Soraya à maneira que pode. Os estratagemas para desmascarar Pedro desabrochavam num ritmo lento, até desanimador, mas todos os pontos eram tecidos com o requinte de um experiente jogador, focado no objetivo, ignorando os rumores ao redor ou qualquer outra pauta que desviasse o assunto.
— Matt, você não está encobrindo alguma sujeira? — Airton analisou as fotos salvas no pen drive de Matt.
— Está desconfiando que eu tenha provocado essas manchas horríveis no pescoço da Soraya? Pois se estiver, Dr. Airton, minha admiração pelo senhor acabará. — Matt estava ciente de que seu trabalho seria muito laborioso, envolvendo retrocessos e desconfianças.
— É que Pedro me parece um sujeito tão dócil, tão devoto à Soraya e se eles têm desavenças que as resolvam sem a intromissão de terceiros.
— Já lhe disse que não se trata de uma briguinha de ex-namorados. Quando envolve violência física e psicológica é necessário que se averígüe os fatos.
— Eu ainda presumo que Soraya e Pedro devam se entender pessoalmente como os dois adultos que são.
— Colocar Pedro e Soraya frente a frente não é uma atitude segura.
— Compreendo que Soraya signifique muito para você, mas essas fotos são provas inconsistentes, meu querido amigo. Pouco posso fazer por você.
— Não pode porque não quer?
— Veja bem, Matt… — Airton descansou o paletó na cadeira e acompanhou Matt até a porta — Pedro é um jovem rapaz, merece uma chance de recomeçar a vida sem ser julgado pelo passado. Você gosta quando as pessoas te criticam por estar se relacionando com uma moça tão mais jovem que você?
— Eu não me importo com o que as pessoas pensam a meu respeito. Não vivo para agradá-las e sim para ser feliz e fazer de Soraya a minha futura esposa.
— Tem ciúmes de Pedro, de uma possível reaproximação entre ele e Soraya, confere?
Aquela menção soava um ultraje à honra de Matt.

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